
Para o professor de Filosofia da Unicamp e diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Marcos Nobre(foto ao lado), o Brasil não está polarizado, mas dividido entre setores que nem mesmo têm consenso sobre o que é um fato. Tal divisão deverá se expressar novamente nas chapas formadas para a campanha presidencial de 2026 e nos resultados do pleito. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, o docente analisa fatos políticos de 2025 e tece ponderações sobre o futuro do campo progressista e do bolsonarismo que, apesar de em crise, tem uma vantagem: o seu partido digital, que não presta contas e é “completamente opaco” em suas formas de funcionamento e de financiamento. “Por isso, não subestimar o bolsonarismo e o risco autoritário que o Brasil corre é muito importante”, alerta. Confira a análise:
Qual a sua avaliação sobre a condenação de Bolsonaro e de seus aliados e quais devem ser as repercussões na eleição de 2026?
Períodos de instabilidade, em especial de instabilidade institucional, trazem também oportunidades, tanto para o que há de pior como para o que há de melhor. Não conseguimos [no passado] responsabilizar agentes da ditadura militar pelos seus crimes e conseguimos na democracia responsabilizar aqueles que tentaram um golpe de Estado. Isso é inédito na história do país, e é importantíssimo. Ao mesmo tempo, houve um motim dos deputados impedindo instituições democráticas de funcionarem, o que mostra que a instabilidade traz com ela também riscos autoritários relevantes. É importante ressaltar, no âmbito do julgamento, que me alinho àquelas pessoas que têm muita clareza que os dois artigos – abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado – são figuras completamente diferentes do ponto de vista jurídico. Um pune a tentativa de autogolpe e a outra pune o golpe de Estado. Uma coisa é um crime quando se está no poder e tenta se manter no poder. A outra é quando se está fora do poder e tenta-se violentamente tomá-lo. É preocupante o movimento de tentar fazer com que esses dois crimes sejam tornados um crime só. O que acontece com a extrema direita agora? A partir do momento em que Bolsonaro é condenado, e isso era completamente previsível, ele não pode ser candidato, mas não está inteiramente fora do jogo eleitoral. Ele foi declarado inelegível em 2023, mas mantinha sempre a ideia de que iria conseguir reverter. Agora está muito claro que isso está perdido, desencadeando uma disputa dentro do bolsonarismo para quem é que vai ficar com esse espaço. As pessoas olham e falam “eles estão se matando”. Aconteceria a mesma coisa se o Lula dissesse: “eu não serei candidato”. Haveria uma disputa enorme. Mas não se deve confundir a disputa com um enfraquecimento do bolsonarismo. Essa é a minha preocupação maior, porque nós já subestimamos essa aliança entre o que eu chamo da direita sem medo – porque ela não tem medo de perder a democracia, não tem medo de perder tudo que a gente construiu nos últimos 40 anos – com a extrema direita. Essa aliança é muito forte e tem muita ressonância eleitoral e na sociedade. Há uma fantasia de que o Lula é imbatível, de que essa eleição de 2026 já está ganha. De outro lado, com a ideia de que o bolsonarismo está em crise e se acabando, surge, por exemplo, a fantasia de que vai existir uma candidatura de centro. Nas pesquisas as pessoas dizem que não querem votar em nenhum dos dois polos, mas o centro não tem correspondência partidária nem eleitoral. Então é uma fantasia imaginar que esse centro amorfo vai se tornar alguma coisa.
Quais os rumos dessa disputa entre bolsonarismo e campo progressista?
É um momento de crise do bolsonarismo, mas, como eu ouvi a professora Isabela Kalil dizer em um seminário no Cebrap: ‘o bolsonarismo vive da crise’. Então temos que pensar que o campo político está estruturado assim, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. O campo do bolsonarismo tem uma vantagem competitiva gigantesca em relação ao campo progressista. Para deixar claro o que eu entendo por progressismo: não é a esquerda. Progressismo é uma aliança entre setores da esquerda e setores da direita democrática que não querem se aliar à extrema direita. O campo progressista tem um partido no seu centro, que é o PT [Partido dos Trabalhadores], um partido com raízes profundas, um partido de massa, que foi construído de maneira exitosa ao longo de décadas. Mas é um partido tradicional. E o bolsonarismo tem um partido digital. Não é um partido institucionalizado, registrado no TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Essa análise faz parte das nossas pesquisas no Centro para a Imaginação Crítica do Cebrap. E o partido digital não tem nenhuma exigência de entrada: você não precisa se filiar ao partido para fazer parte. A partir de 2022, existe uma aliança entre o partido digital e o partido tradicional, ou entre os partidos tradicionais, porque existe uma aliança preferencial com o PL [Partido Liberal], mas não está restrito a ele, trazendo uma vantagem competitiva enorme, porque o partido tradicional tem os recursos do fundo eleitoral e do fundo partidário. Já o partido digital é completamente opaco. Não sabemos como ele é financiado, como ele opera, etc. Por isso, não subestimar o bolsonarismo e o risco autoritário que o Brasil corre é muito importante.
Em 2025, houve uma tentativa de interferência dos Estados Unidos durante o julgamento de Bolsonaro. Qual a sua avaliação sobre o apoio de Trump ao ex-presidente?
Foi muito importante para a consolidação do bolsonarismo o fato de Trump ser o presidente dos Estados Unidos entre 2017 e 2021, porque não somos uma ilha, e é o mundo que está nessa divisão entre a aliança da direita sem medo com a extrema direita e o campo progressista. Trump foi muito importante para legitimar o governo Bolsonaro, no sentido de dizer: esse governo é um governo normal. O governo Trump normalizou o governo Bolsonaro. Mais do que isso: ele foi uma fonte de inspiração. Basta a gente pensar qual foi a primeira coisa que o Bolsonaro fez quando ele assumiu: viajar para os Estados Unidos. Ele tem um famoso discurso em um jantar em março de 2019 em que ele diz que não vinha para construir, mas para destruir. Então está muito claro que o projeto, que é uma espécie de manual do ditador atual, é: no primeiro mandato destruir as instituições e no segundo mandato fechar o regime.

Bolsonaro não teve o segundo mandato. Trump também não imediatamente, mas teve agora. Então você vê que o Brasil realmente, pela primeira vez, foi para a vanguarda, porque estava sempre dois anos atrasado em relação aos Estados Unidos. Trump se elege em 2016, Bolsonaro em 2018. Estados Unidos tem o 6 de janeiro de 2021, nós tivemos o 8 de janeiro de 2023. Só que em abril de 2023, Bolsonaro é declarado inelegível, que era o que os Estados Unidos deveriam ter feito [com Trump] e não fizeram. Agora estão correndo um risco gigantesco de uma destruição da democracia sem precedentes naquele país. Se Trump estivesse no poder quando o Bolsonaro tentou o golpe, a gente não sabe muito bem o que poderia ter acontecido.
E qual a sua análise sobre a reaproximação entre Lula e Trump, a partir do momento em que se encontram na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro?
A aproximação entre Trump e Lula tem vários sentidos. Em primeiro lugar, o Trump é um showman. Ele sabe muito bem o que é dar um show, um espetáculo. O discurso e a presença de Lula na ONU foram espetaculares. Vai passar para a história como o grande discurso do Brasil na ONU. Em vista disso, como é um showman, Trump olhou e falou ‘vou tirar uma casquinha’. E ele tirou uma bela casquinha.

A partir do momento em que falou ‘rolou uma química, a gente se abraçou’ (o que não aconteceu), ele fez o evento ser sobre ele, não sobre o Lula nem sobre o discurso do Lula. É um político muito ordenado. A partir do momento que ele faz isso e tem uma recepção favorável, ele dá uma de bonzinho na frente das câmeras, afirmando que é uma pessoa que não está comprometida com ninguém em princípio, apenas com o interesse dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, coloca para negociar com o Brasil o pior falcão que existe, Marco Rubio, alguém contra qualquer coisa que possa remotamente parecer de esquerda. Trump faz jogo duplo porque ele percebe também que esse é um momento de crise do bolsonarismo e que nesse momento de crise é melhor deixar o bolsonarismo se entender, resolver o que vai fazer, e quando fizer, ele volta a apoiar. Então, o Trump ganha dos dois lados. Os bolsonaristas podem ficar chateados, mas o apoio do Trump no ano que vem voltará a eles. Ao mesmo tempo, ele dá uma sinalização que está aberto à conversa [com governo Lula] e coloca para negociar alguém que é um obstáculo à negociação. Esse tipo de sinalização dupla do Trump é muito importante, essa ambivalência dele, porque abre caminhos para ele mesmo. Dependendo do que acontecer, ele consegue ir para lá ou para cá. Ele deixa sempre aberto o caminho, sem nenhum compromisso com a coerência no sentido tradicional, porque justamente o que ele não quer é ter um caminho impedido, bloqueado. Jamais o Trump vai ficar preso sem uma rota de fuga para ele mesmo.(Entrevista: Jornal da Unicamp – Foto principal: José Cruz/Agência Brasil)
VEJA TAMBÉM
PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA
ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES










