CABEÇA DO CACHORRO e a cabeça dinossauro

cabeça do cachorro

Cabeça do Cachorro é uma região no Alto Rio Negro, região noroeste do estado do Amazonas, fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Leva esse apelido por causa do aspecto do contorno da linha divisória da fronteira com estes países. Essa região, junto ao Vale do Javari, são as áreas de maior concentração florestal intocada do estado do Amazonas, com poucas cidades, ausência de estradas (as estradas são fluviais) e há presença de tribos indígenas isoladas, inclusive no Vale do Javari foi descoberta pouco tempo atrás uma tribo não catalogada, que até então nunca tinha feito contato com a civilização.           

A mais nova polêmica do atual governo federal envolve a cabeça do cachorro. Exploração mineral (ouro) nessa região, próxima à fronteira. Como isto será feito é a questão, pois não envolve somente o impacto ambiental numa área de floresta intocada, com espécies vegetais desconhecidas, que podem inclusive alimentar o segmento da medicina para cura de doenças (trata-se de um laboratório virgem a ser estudado). Até mesmo para o nosso Butantan a pesquisa com estes fins poderia render valiosos resultados, inclusive em vacinas e curas para doenças até agora consideradas incuráveis. O impacto da exploração mineral, já anunciada como “garimpo” põe em dúvida o desenvolvimento social da região Norte, apontada, junto a alguns estados do Nordeste, com os piores índices de desenvolvimento humano e educação.

Óbvio que as fontes oficiais do governo alegarão que esta exploração trará dinheiro e consequentemente desenvolvimento para o país. Minério dá dinheiro. Mas será que nossos comandantes aprenderam com os erros passados? Peguemos como exemplo um dos estados brasileiros que mais forneceu minério ao mundo e trouxe dinheiro para os cofres do país, Minas Gerais. Inclusive Minas continua produzindo. E o que rendeu aos municípios do estado, seu quadro social? Os municípios mais ricos não estão na região mineradora. Lá no passado ostentaram riqueza, a época dos barões, grandes fazendeiros. Algumas famílias saíram bem do período do ouro, do ferro, das pedras preciosas. Saíram tão bem como saíram do país. Ou do estado. Para trás ficaram municípios que tentaram se reerguer com o turismo, incluindo aí as cidades históricas de Minas, cujo atrativo maior é as igrejas. Municípios que passaram a ser assombrados com a ameaça das barragens, que de uns anos para cá começaram a demonstrar que não vem sendo bem administradas, ou, o dinheiro vai para algum lugar mas não vai para os devidos projetos de segurança. Como entender isto? Recentemente estive visitando Ouro Preto e Mariana; Mariana, que ficou mais conhecida após o desastre em Bento Rodrigues, provocado pelo rompimento de uma das tantas barragens existentes naquela região do estado. São cidades que estão distantes em desenvolvimento e qualidade de vida se comparadas a Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde, cidades do Mato Grosso, ao longo da BR 163, numa região onde o agronegócio conseguiu não ser vilão e resultou em cidades ricas, com IDH elevado, qualidade de vida total. Cresceram de forma planejada, sem inchar e formar cinturões de miséria como ocorreu em quase todas as cidades que cresceram a partir do garimpo ou da mineração. A poderosa VRD – a “Vale” fez investimentos pontuais em recuperação ambiental e qualidade de vida onde atua. Podemos encontrar sua atuação positiva em determinadas áreas do Espírito Santo, Minas Gerais e Pará. Essas ilhas de prosperidade resultantes do investimento da empresa que mais se destacou no cenário nacional da mineração não fizeram escola país afora. Não formou professores na área, não estimulou a formação de políticos com visão de planejamento administrativo para construir “novas Sinops, Sorrisos e Lucas da mineração” em outros estados. O ramo da mineração, fora das poucas ilhas prósperas da Vale, seguiu o caminho do lado vilão do agronegócio, que está bastante presente, por exemplo, em vários municípios de Rondônia, o estado amazônico que mais perdeu florestas e dinheiro, pois ninguém vai fazer turismo em Rondônia. Como resumiu o estado um conhecido meu que veio de lá tentar a vida em Jundiaí, “em Rondônia o povo mais simples não progride, está amarrado na vida de pau”. Ou seja, madeira. Desmatamento. Se não é desmatamento, é garimpo, que impulsiona uma vida errante de milhares de trabalhadores iludidos com a esperança de enriquecer mas perdem a saúde antes mesmo de dar início a uma vida mediana. Da “mítica” Serra Pelada poucos saíram com a vida transformada para melhor antes de a área ser tomada pelos grandes empresários. E Marabá, maior município próximo, pode ser comparada às grandes periferias das capitais, onde meia dúzia de poderosos comanda uma massa envolta em medo da criminalidade e conflitos com os povos de ascendência indígena, que se adaptaram totalmente à vida urbana, ao dinheiro, aos esquemas (lembrando a figura controversa do cacique Tutu Pombo).

Não temos até hoje grandes e bons exemplos deixados na área de mineração brasileira. O que nosso ouro e demais riquezas desta terra deixaram ao nosso povo, nossas cidades? Hum… alguém estará dizendo que o atual governo é diferente dos anteriores? Mas a triste sina de Rondônia e Serra Pelada se deu justamente num período que o atual governo saudosamente faz apologia. Celebram o fantasma do “milagre econômico”. E o desenvolvimento da região Norte até agora apregoado traz resquícios dos métodos grotescos da velha ocupação (“ocupação” lembra imediatamente “coisa de partido de esquerda”, mas também se aplica à forma que o período militar incentivou o “desenvolvimento” da Amazônia). Formou cinturões coronelistas, onde predomina até hoje em muitos municípios a exploração sexual, prostituição, grilagem e tráfico de drogas, com toda a conivência das prefeituras e cúpulas da polícia e judiciário.

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Não se trata de se opor à atividade mineradora por uma visão ambientalista extremista. Mas sim questionar quais são os critérios técnicos para que permitam não repetir os erros passados e desenvolver a região dentro das normas ambientais. São Gabriel da Cachoeira, o município que engloba toda a região conhecida como cabeça do cachorro, é isolado, só acessível por via fluvial e aérea. Seria este o fator que leva a uma dedução que a atividade mineradora não leve para lá as quadrilhas garimpeiras, como se presencia em Rondônia, Mato Grosso, Pará e Roraima? Parece não ter base sólida essa visão, porque aviões de pequeno porte são como automóveis populares para muitos na região Norte. Ainda que a atividade seja colocada nas mãos de “uma Vale”, os prejuízos aos estudos científicos da fauna e principalmente da flora local serão imensos. O Brasil ganharia, e mais ainda neste período de pandemia que poderá trazer mais doenças desconhecidas num futuro próximo, se a região recebesse investimentos para pesquisa biológica, para os laboratórios. A mineração poderia prosseguir onde já marca presença aliando a ela projetos inovadores em educação e desenvolvimento sustentável, algo que já deveria existir há anos depois de assistirmos a tantos desastres sociais e ambientais provocados pela atividade. Como pode alguém autorizar uma nova área para exploração sem ter realizado projetos inovadores nas tantas existentes? Isto revela uma visão retrógrada, do ufanismo dos anos 60 e 70… “desbravamos o inferno verde”; expressão ouvida naqueles tempos, quando se ignorava que indígenas são pessoas como nós somos e afirmavam que floresta é um mundo hostil. São Gabriel poderia se tornar o primeiro município brasileiro a ser ponto de partida para pesquisa científica e turismo sustentável, que garantiria o desenvolvimento equilibrado da região. Mineração, ou garimpo como já se fala na própria imprensa nacional, nas bordas de dois países vizinhos, poderá atrair os quadrilheiros desses países para a destruição da floresta vizinha à nossa fronteira. O que resultará em impacto cá em nossas terras também, pois para rios não existem fronteiras. A contaminação segue.E as incertezas também seguem. Lamentável que a cabeça do cachorro esteja sendo ameaçada por “cabeças dinossauros”. Se o ufanismo se acentuar, alguém poderá até sugerir retomar o projeto da rodovia Perimetral Norte, que foi aberta só em Roraima e liga o nada ao lugar nenhum. Seu projeto ambicioso seria ligar o Amapá ao Acre, passando por Roraima, São Gabriel da Cachoeira, Vale do Javari. Se a legislação ambiental começar a ser atropelada (ou comprada), o Amazonas começará a trilhar o mesmo caminho do Pará, onde a Transamazônica criou cidades dominadas pelo coronelismo e quadrilheiros e a exploração irracional da floresta abastece mãos criminosas. O brasileiro e as instituições sérias precisam fiscalizar este projeto anunciado, para que ele não abra brechas para a destruição do estado brasileiro que pode sim trazer riqueza para o país sem ser por esses caminhos traçados por mentes paleozoicas. (Foto: Marcos Amend – ICMbio – Governo Federal)

GEORGE ANDRÉ SAVY

Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.

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