Escrito no ano de 1663, o primeiro caderno de Atas da Câmara é um dos documentos mais antigos do Centro de Memórias de Jundiaí e, além de ter uma escrita razoavelmente fácil, ele está em ótimo estado de conservação. Já abordei em outras oportunidades os assuntos mais recorrentes sobre os quais o caderno versa, como, por exemplo, o pagamento de multas e o acordo para que determinados reparos fossem feitos na vila. O que talvez eu nunca tenha explicado é a quantidade de atas em que não há solicitações ou algo a declarar por parte dos oficiais e sua importância.

Ao todo, o primeiro caderno de Atas da Câmara de Jundiaí é composto de 63 atas. Desse total, apenas 27 atas requerem alguma coisa. Ou seja, em 36 documentos, o escrivão lavra uma ata para dizer que os oficiais da câmara não acordaram nada ou que nenhuma melhoria ou benfeitoria precisava ser feita, como vemos pela transcrição a seguir:

      Livro daCamara
Aos onze dias do mes de agosto de mil
eSeissentoseseSentaetres anos em esta
Vila fermozadenoçaSenhora do deste
rrodejundiahiemcasas do Comselho e
paços dellafizerão junta os ofisi
ais dacamera Comojuisornario
AntonioCoresmadalmeidaeloguo o vre
ador mais velho manoelperes calha
mares preguntou ao proCurador
do ConSelhopedroalves bezerra
Setinha que Requerer deu per Re
posta que não tinha que Requerer
deque detudofis este termo em que
Seasinarão eu pedro Dias ferreira es
CrivãodaCamera que oesCrevy
CalhamaresLemos+ CostaAlmeidaBezerra

 

Mas qual a importância de um documento que parece não mostrar nada? Pelo fato de o papel ser artigo raro no século XVII, poderíamos imaginar que esse tipo de registro nem aconteceria: afinal, por que gastar papel para dizer que nada havia sido acordado? É importante, no entanto, entender que lavrar essas atas serviam como espécie de memória para os habitantes da vila naquela época e mostra a organização, até um tanto rígida, de nossa localidade: não importava o que havia acontecido, determinadas tradições seriam sempre seguidas, como produção das atas em qualquer circunstância, isto é, havendo ou não coisas a serem feitas.

Em segundo lugar, esse tipo de documento nos permite observar, por vezes nas entrelinhas, os hábitos cotidianos dos lugares. Somente pela leitura das atas, sabemos que as reuniões eram feitas, em média, a cada quinze dias. Sabemos disso, pois temos as atas de algo a requerer e de nada a requerer. Se essa última não fosse lavrada, pelo fato de ser a de maior número, 36 como já dito, poderíamos pensar que os oficiais somente se reunião quando havia algum problema, o que não é verdade, como explicado.

Em terceiro lugar, é por meio desse tipo de documento que conseguimos estudar como era nossa língua em momentos passados. Ainda que o objetivo inicial do escrivão não fosse esse, sua escrita permite acessar algumas palavras que eram usadas e hoje não são mais, se era hábito fazer a concordância entre o sujeito e o verbo em uma frase, entre uma infinidade de outros estudos que podem ser realizados.

OUTROS ARTIGOS DE KATHLIN MORAIS

TRESLLADO DAS CARTAS DE DATAS DE 1657

PESQUISAS SOBRE JUNDIAÍ

JUNDIAÍ, 1754: MÃE E FILHA JULGADAS POR FEITIÇARIA

E COMO ESTÃO OS MUSEUS DE JUNDIAÍ?

DESORGANIZAÇÃO NO MÊS DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

A TINTA USADA NOS DOCUMENTOS DO SÉCULO 17

A HISTÓRIA DE JUNDIAÍ: POR QUE É TÃO DIFÍCIL UM CONSENSO?

QUEM FOI O ESCRIVÃO DAS CARTAS DE DATAS DE 1657?

AS ATAS DA CÂMARA ENTRE 1663 E 1669

Ainda que as atas com nada a requerer possam parecer pouco importantes, notamos que sua existência nos permite acessar tradições seguidas fielmente, aspectos de nossa língua e hábitos quotidianos de séculos passados, isso somente para citar alguns exemplos. (Foto acima: Flávio Morbach Portella)


KATHLIN MORAIS

Jundiaiense, doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela USP, mestra em Filologia e Língua Portuguesa pela USP, técnica em Conservação e Restauro de Documentos em Papel pelo SENAI e professora de Francês e Inglês na Quero Entender – Aulas Particulares.