Você costuma acordar, sentindo-se cansada(o)? Se pudesse, dormiria mais algumas horas? Já se sentiu em débito com seus afazeres, mesmo após um dia inteiro de trabalho e estudo? Sente que não fez tudo que deveria ter feito, que o dia deveria ter “rendido” mais? Tem um sentimento de culpa por não ter produzido o suficiente? Sejam bem-vindas e bem-vindos à Sociedade do Cansaço.
Uma pesquisa nacional do Ibope revelou que 98% da nossa população adulta se sente cansada. No levantamento, mulheres e jovens entre 20 e 29 anos sentiam-se ainda mais cansadas (99%). Mais de 60% das pessoas deixam de cumprir alguma obrigação por conta do cansaço; 63% delas já acorda com algum nível de indisposição. O estudo foi feito em 2013, início dos smartphones e anterior às experiências da pandemia.
Mas qual seria a explicação para tanto cansaço? A resposta não é simples, mas certamente não repousa no indivíduo. Quando temos um fenômeno sociológico, ou seja, que atinge as massas e esgarça o tecido social, a compreensão precisa focar mais na sociedade e menos no indivíduo. Esse é o meu convite aqui.
O título desta coluna é o mesmo do livro Sociedade do Cansaço, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, talvez o mais importante e influente pensador do contemporâneo no campo da sociologia do trabalho. O livro é pequeno, cento e poucas páginas, tamanho de bolso. Mas não se enganem, suas ideias são profundas e dizem muito sobre como sentimos, pensamos e agimos na vida pós-moderna.
A tese central do livro é a mudança do modelo de “Sociedade Disciplinar” para uma “Sociedade do Desempenho”, resultado da doutrina econômica neoliberal, a partir dos anos 1970. A sociedade disciplinar era aquela em que se garantia a realização do trabalho por meio do comando e do controle, dentro das instituições disciplinares. Poderia ser um chefe, um encarregado, um sargento, ou seja, alguém externo ao sujeito tinha o poder de garantir a plena realização do trabalho.
Na atual “Sociedade do Desempenho”, fomos transformados em “empreendedores-de-si-mesmos”, o famoso Você S/A. Assim, a lógica de competição e concorrência empresarial (livre mercado), que é fundamentalmente institucional, opera no nível individual. “O sujeito do desempenho é mais rápido e produtivo que o sujeito da obediência”. Ninguém precisa nos mandar, pois agora internalizamos a disciplina do sargento, do encarregado ou do capataz, dentro na nossa própria subjetividade.
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Nesta perspectiva, buscamos alto desempenho e aumento de produtividade, a partir da exploração exacerbada do próprio corpo, do tempo e da subjetividade. Tornamo-nos multitarefa, para produzir mais resultados com menos tempo. Mas a conta chega e o preço é caro: cansaço, esgotamento, exaustão, afastamento do trabalho, somado a sintomas de ansiedade, depressão, crises de pânico, entre outros agravos em saúde mental. Sem falar no sentimento de culpa, fracasso pessoal e vergonha.
É muito difícil escapar às narrativas sedutoras de positividade tóxica do nosso tempo, não ser afetada(o) por elas. Mas é possível amenizar seus impactos na nossa saúde. A frase “trabalhe enquanto eles dormem” é cruel e ignora aspectos centrais da saúde. Experienciar a vida com mais consciência dos riscos envolvidos, reduz sofrimento e aumenta o bem-estar. Nesta caminhada, compreender o cansaço como um fenômeno social é o primeiro passo, talvez o mais importante deles.(Foto: Mahdi Bafande/Pexels)
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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