Nos bastidores das delícias do paladar elas estão lá: pessoas invisíveis. Em cada canto, em todos os cantos, existe um José que ninguém enxerga. E um dia, a grande porta do bar se abre, do outro lado do balcão tem uma pessoa vestida com camisa polo, boné na cabeça e obrigatoriamente com um sorriso no rosto:

– Bom dia! Posso ajudar senhor!

– Um café! – Disse o freguês com cara de sono.

– Com açúcar, senhor? – pergunta o atendente.

Nervoso e irritado com a pergunta o senhor do lado oposto da vida responde:

– Não! Sem açúcar, bem amargo.

– Ok, meu senhor! Só um minuto, já faço!

É a xícara que bate na pedra fria, a cafeteira que apita, o pão na chapa que queima e o gerente que berra:

– Cliente esperando! Vamos gente!

O relógio também não descansa e o velho Tic, Tac, Tic, Tac…

– Bom dia! – Diz o atendente.

– O que tem no cardápio hoje? – pergunta o cliente, sem ao menos responder o bom dia!

– Filé de frango grelhado com creme de milho! – responde o atendente, que se chama José!

– Aiicredoo! Não gosto de creme de milho! – A dondoca sai brava, parece que foi o pobre José que inventou o creme de milho.

Tic, Tac, Tic, Tac…

– Boa tarde!! – Exclama o atendente!

– Quanto está o suco de laranja?

– R$ 4,50, senhor!

– Meu Deus do céu, esse país é uma droga, uma porcaria, onde já se viu um suco de laranja ser esse preço, esse lugar tá roubando…. Reclama, reclama. Tic, Tac, Tic, Tac – A fila enorme, José respira fundo e pergunta com paciência:

– Vai querer o suco, senhor?

O velho barão nem responde. Continua a lamentar.

 


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Ufa… Por hoje é só! Quase 12 horas de trabalho, chão lavado, cadeiras de pernas pro ar, coifa limpa, na saída é só levar o lixo!

– Boa noite!  Até amanhã – Despede-se o nosso amigo José. Ninguém responde. Aliás, naquele dia ninguém respondeu as suas tentativas de desejar um bom dia, uma boa tarde e uma boa noite. Como se ele fosse só uma xícara de café, um filé de frango e o pano de limpar a mesa.

E assim, termina o dia dele. Desce as escadas do ônibus. Cantarolando uma canção e caminha pelas ruas. Já em casa olha-se no espelho e sussurra:

– Boa noite José, durma bem!

O homem no espelho sorri e responde!

– Boa noite, para você também!

Tic..Tac..Tic..Tac!

E eu como observadora dessa história posso garantir-lhes que amanhã começa tudo de novo na vida de José. Mas, quem é José? Lembra-se daquele dia em que parou na padaria e tomou um café? José é aquele que serviu você. Ou aquela que limpou a mesa. Pode ser também aquele que lhe perguntou com ‘açúcar ou adoçante’?

José é aquele que perguntou com ‘gelo ou sem gelo’? José pode ser eu, pode ser você, pode ser o seu filho. José é pai, é mãe, é irmão, tem sonhos, tem dor, tem medo de perder o emprego. Mas, que pena! José sempre fica invisível. Porque servir bem é uma missão que poucos podem fazer e um número menor ainda é capaz de ver. Enquanto termino o texto, aceno com a mão, ele vem rápido porque o gerente é rigoroso aqui:

– Oi, José! Pode me trazer um café, por favor!

José sorriu, ele sabe que o meu é expresso bem forte e sem açúcar.

Ele só não sabe que hoje o que escrevo é para ele. Ele nunca saberá que posso vê-lo. E você, pode? (foto acima: cvv141.blogspot.com.br)

 

CANTOCIBELE VAZ DE LIMA
É nutricionista, especialista em qualidade e segurança dos alimentos. Atua na indústria alimentícia e como palestrante. Observadora e pesquisadora de comportamento humano na área da alimentação.