Se nos relacionamentos humanos houvesse respeito, não haveria necessidade de existir punição dos excessos. A frase atribuída a Voltaire exemplifica o enunciado “Uma conduta irrepreensível consiste em manter cada um a sua dignidade sem prejudicar a liberdade alheia”. O fato é que o homem sempre agiu de forma diferente e outra solução não houve, senão criar um sistema para controlar comportamentos prejudiciais ao salutar convívio em sociedade. A prisão na sua origem não teria a natureza de punição, mas a garantia de que o indivíduo estaria acautelado, aguardando solução para seu destino. Quando nessa fase ocorria o arrependimento e de alguma forma a compensação do que fora danificado, essa pessoa era liberada para convívio em sociedade. A partir do Século XIX, a prisão passa a ser utilizada como pena, um tipo de sanção, resultado de um julgamento imposta àquele que tivesse praticado ato contrário à lei. No sistema jurídico moderno a pena tem ou deveria ter o caráter intimidativo e de ressocialização. A prisão representaria a prevenção de que não ocorreria o crime e em ocorrendo, que esse preso fosse de certa forma responsabilizado e após cumprir a pena, reconduzido ao convívio social materializando a sua ressocialização. A intenção é justa porém a sua concretização se torna difícil, conforme demonstra a aplicação da pena de prisão ao longo da história penal e processual no país e no mundo. Basicamente o ordenamento jurídico penal brasileiro contempla penas de prisão, para casos simples; penas de detenção para crimes menos graves ou de menor potencial ofensivo; e pena de reclusão, essa normalmente prevista para crimes graves. O sistema jurídico brasileiro não há a previsão da pena de morte, salvo nos casos de guerra, com previsão pelo Código de Processo Militar. Dos cerca de 193 países no mundo, 92 deles têm previsão de pena de morte, no seu ordenamento jurídico penal, sendo que somente 57 deles efetivamente a aplicam. Quanto as polêmicas posturas contra e a favor desse tipo de pena, na medida que as pesquisas avançam, conclui-se que não é ferramenta efetivamente capaz de intimidar a prática criminosa, pouco representando para a redução da população prisional. O sistema prisional brasileiro é caótico.

Segundo dados obtidos através do Ministério da Justiça, conforme Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias realizado em 2014, divulgado somente no início de 2016, o Brasil contava com uma população carcerária superior a 620 mil presos, distribuídos pelos estabelecimentos prisionais no país. Dados estatísticos recentes oriundos do Conselho Nacional de Justiça dão conta de que esse total de presos ultrapassa em 700 mil, contando com um déficit de mais de 350 mil vagas nos presídios. Em 16 anos, a população carcerária cresceu mais de 167% enquanto o número de vagas foi reduzido, ou seja, mais que dobrou o número de presos e reduziu-se em dobro o número de vagas no sistema. Com base nesses indicadores, calcula-se que o Brasil possua a quarta maior população carcerária do mundo, enquanto os Estados Unidos teriam mais de dois milhões de presos em 2013, a China mais de um milhão e seiscentos mil em 2014 e a Rússia com mais de 644 mil presos, também em 2014. Conforme estudos realizados a média mundial de presos por 100 mil habitantes é de 144 encarcerados, enquanto no Brasil essa média ultrapassa a casa dos 300 presos por 100 mil habitantes, ou seja, nossa população carcerária atinge o dobro da média mundial para os mais de 207 milhões de brasileiros. Todos os estados têm problemas generalizados com seus sistemas prisionais.

Dessa situação emergem os mais variados problemas com as suas mais variadas consequências para a sociedade. Conforme relatório divulgado pela Anistia Internacional no início de 2015, o Brasil é um entre os 176 países do mundo, tido como dos mais violentos, com uma média de mais de 130 homicídios por dia, índice superior ao encontrado em alguns países em situação de confronto bélico. A sensação de impunidade seria um dos maiores incentivadores dessa violência crescente no país, que seria oriunda e motivada pela violência policial em flagrante desrespeito aos direitos humanos, somado a falência do sistema prisional. O relatório não faz menção direta ao conjunto de normas que regulamentam o assunto. Quanto a reincidência criminosa, o relatório aponta ainda que sete entre 10 presos voltam a praticar novos crimes quando deixam o sistema prisional. Tais indicadores confirmam as assertivas de que as prisões brasileiras se transformaram em verdadeiras escolas do crime. O grupo criminoso originado em São Paulo, conhecido como primeiro comando da capital, tem hoje atuação nos vinte e seis estados brasileiros, mais o próprio Distrito Federal, atingindo também outros países da América Latina, conforme recentes notícias veiculadas na mídia. É certo que a impunidade é consequência da ineficácia do Estado em fiscalizar e disciplinar o preso em geral, no cumprimento da pena. O sistema prisional brasileiro é um dos poucos no mundo que prevê a visita íntima, como ocorre na Austrália, Dinamarca, França, Irlanda, entre outros. O considerado direito do preso, está previsto legalmente e considerado por parte da doutrina como equivalente a direito fundamental, conforme dispõe a Lei de Execução Penal de 1984, no seu artigo 41, assunto também tratado pela Resolução nº 01 de 30 de março de 1999, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, orientando os órgãos públicos vinculados a estabelecimentos prisionais que assegurem tal direito ao preso. (CNPCP). Nessa mesma vertente, até os adolescentes infratores passaram a ter direito as visitas íntimas, conforme a Lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012, no seu artigo 68, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Se isso resolve ou gera violência dentro e/ou fora dos estabelecimentos prisionais, não se sabe pois que não há estudos comprovando ou não uma eventual influência de comportamento do preso, porém certamente deve ter algum reflexo na vida prisional. Há registros de rebeliões de presos em razão da suspensão das visitas íntimas a que teriam direito.

 

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Na reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública – CONSESP, na cidade de Goiânia/GO em novembro do ano passado, a presidente do Supremo Tribunal Federal, informou que um preso no Brasil custa aos cofres públicos, cerca de R$ 2.4 mil (dois mil e quatrocentos reais) por mês. Multiplicado esse valor pelos cerca de 700 mil presos existentes, chega-se a valores consideráveis na economia do país, valores esses que faltam à educação, à saúde e por aí afora. Nesses valores estariam computados somente os valores relacionados diretamente com as despesas com o preso, mas deixando de incluir as indiretas, como a remoção ou transferências internas no sistema, o transporte para audiências judiciais, entre outras. O número de policiais empregados na escolta de presos repercute na falta que representam para o policiamento ostensivo, feito pela polícia militar ou mesmo na realização das atividades de polícia judiciária, como nos casos envolvendo policiais civis. Vale lembrar que a Lei nº 11.900 de 2009 regulamentou artigos do Código de Processo Penal no sentido de possibilitar a realização de audiências judiciais através do sistema de videoconferência, o que representa avanço não só na redução de custos mas como medida de propiciar maior segurança a todos os envolvidos nessa situação.

Tramita no Congresso Nacional, projeto de emenda constitucional – PEC 308/2004, que cria as polícias penitenciárias federal e estaduais, os quais ficariam responsáveis pela realização de atividades policiais nas dependências prisionais, garantindo a segurança e a integridade física dos presos, bem como participando de ações de recaptura nos casos de fugas das unidades prisionais. Outra medida que tem demonstrado algum resultado positivo, é a implantação de presídios gerenciados através de parcerias público privadas – PPP, como ocorre no complexo penitenciário em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte em Minas Gerais. O presídio conta três unidades distintas, com cerca de mais de 2000 detentos, cumprindo pena tanto no regime fechado como no semiaberto. Até então, não houve registro de rebeliões, motins ou mesmo mortes de presos ou monitores do presidio, estando previsto para 2018 a ampliação do complexo com a construção de mais duas unidades prisionais no local. Todo o efetivo empregado é contratado, havendo interferência da polícia militar somente quando solicitada e para as escoltas fora do estabelecimento prisional. Pode ser um modelo a ser seguido pelos demais estados. (foto acima: EBC)

 

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Segundo pesquisa realizada em 2016 no Brasil, nos 26 Estados, mais o Distrito Federal, ocorreram mais de 400 mortes violentas no interior dos estabelecimentos prisionais, com maior ênfase aos situados na Região Norte e Nordeste do país. As recentes rebeliões de presos ocorridas país afora, tem demonstrado o quanto caótico se encontra a situação do sistema prisional brasileiro, com uma população carcerária em ritmo crescente, com número de vagas reduzido, falta de uma política de segurança pública definida, tudo levando a crer que serão necessárias mais que meras promessas políticas, como as apresentadas no famigerado plano de segurança nacional, para a solução quadro do caótico em que se encontra o sistema prisional brasileiro.

 

CAÓTICOJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.