Ah, a inesquecível Cica! Gerações passaram por ela. A indústria levou o nome da cidade para o Brasil todo. Hoje, uma homenagem através de onze fotos e o texto de Max Gehringer, administrador de empresas e escritor, autor de diversos livros sobre carreiras e gestão empresarial, que trabalhou na Cica como office-boy.

O texto foi publicado originalmente no Facebook do Sebo Jundiaí, do professor Maurício Ferreira e conta a história da fábrica, desde seus fundadores até o encerramento das atividades. Mais relata a vida e os negócios de personalidades importantes do início do século passado e que hoje emprestam o nome e sobrenome para ruas e bairros importantes :

Alberto Bonfiglioli nasceu em Bolonha e aportou no Brasil em 1910, aos 13 anos. Em dezembro 1916, concluiu o curso comercial (graduando-se como ‘guarda-livros’) na Academia Comercial Mercúrio, situada à Avenida São João, 173, São Paulo.

Em 1926, tornou-se procurador em São Paulo da firma Carraresi & Cia, de Santos, do imigrante florentino Ugo Carraresi, classificada como “despachantes aduaneiros e agentes marítimos e de seguros (para importação e exportação)”. Dois anos depois, Alberto Bonfiglioli iria constituir sua própria firma nesses mesmos moldes.

Em 1928, aos 30 anos, Bonfiglioli iniciou as atividades da ‘Alberto Bonfiglioli & Cia’, sociedade para despachos aduaneiros, com sede à Rua Bela Vista, 12 – São Paulo. A firma teria como sócios o comerciante Alberto Bonfiglioli, o fazendeiro e comissário de café Orlando Paschoal Guzzo, e os comerciantes Antonino Messina, Salvador Messina e Francisco Messina. Essa seria a primeira empresa a reunir em sua sociedade três dos futuros fundadores da CICA – os senhores Bonfiglioli, Messina e Guzzo.

Em março de 1939, Alberto Bonfiglioli ingressou no setor bancário. O anúncio de sua nova empresa informava: “Casa Bancária Alberto Bonfiglioli S.A. – Efetua todas as operações bancárias – depósitos, cobranças, cauções, descontos. Rua 3 de Dezembro, 50 – São Paulo”. Em janeiro de 1943, a razão social da empresa seria mudada para “Banco Auxiliar de S. Paulo S.A.”

Em maio de 1943, um ano e meio após a fundação da Cica, os negócios de Alberto Bonfiglioli estavam indo de vento em popa, segundo nota publicada pelo jornal Il Moscone – “Vejam o comendador Alberto Bonfiglioli. Agora, na Avenida Paulista, ostenta o mais belo palacete das finais aristocracias locais. Deu um pontapé na prudência e entrou com bola e tudo no gol da fortuna”.

Embora Alberto Bonfiglioli seja sempre mencionado como ‘comendador e dono do Banco Auxiliar’ quando do início das atividades da Cica, ele ainda não era nenhuma das duas coisas. Desde sua diplomação como contabilista, usava o título de ‘ragionere’ (perito contábil, em italiano). Em julho de 1937, recebera o grau de cavalheiro (‘Cavaliere dela Corona d’Italia’), um degrau abaixo do grau de comendador, que lhe seria finalmente concedido em maio de 1943, vinte meses após a Cica ter começado a funcionar. Da mesma forma, o Banco Auxiliar somente adotaria essa razão social quando a Cica já existia há mais de um ano.

À parte de suas atividades comerciais e industriais, Alberto Bonfiglioli era torcedor e dirigente do Palestra Itália, a gloriosa agremiação do Parque Antárctica. Em 1931, foi nomeado membro do Conselho. Em 1936, contribuiu para a construção das quadras de tênis do clube. Em 1937, ofertou cinco contos de réis para a construção das piscinas. Em 1938, foi eleito vice-presidente do Conselho Deliberativo (oficialmente chamado de ‘Grande Conselho’). Em setembro de 1942, participou da histórica reunião em que o nome da associação foi mudado para ‘Sociedade Esportiva Palmeiras’.

MessinaOs irmãos Salvatore e Antonino Messina imigraram da Itália para o Brasil, mas não ao mesmo tempo. O nome de Salvatore surgiu bem na imprensa antes, em 1909, enquanto Antonino Messina chegaria ao Brasil dez anos depois, em 1918 ou 1919, ao final da Primeira Guerra.

Um terceiro irmão, Francisco (Francesco) também aportaria no Brasil na década de 1920. Não há notícias quanto ao pai do trio, também chamado Salvatore (razão pela qual Turillo, filho de Antonino, foi batizado como Salvador Messina Neto).

Nos jornais brasileiros do início do século XX, até 1938, a grafia dos nomes dos irmãos Messina podia aparecer tanto no original italiano quanto na tradução para o português – Salvador ou Salvatore, e Antonio ou Antonino.

Em 3 de julho de 1909. O jornal O Commercio de São Paulo publicou a ata da sessão da Junta Comercial realizada no dia anterior, na qual Salvatore Messina obteve “o registro de sua firma comercial”.

Em agosto de 1921, o Correio Paulistano publicou a autorização municipal para uma “aprovação de letreiro” solicitada por “Antonio e Salvador Messina”. A firma, situada à Rua Aurora 39-A, no bairro de Santa Ifigênia, é classificada como “secos e molhados, etc”.

Em junho de 1928, a relação de estabelecimentos comerciais registrados da cidade de São Paulo listava a empresa de Antonino e Salvatore no número 41 da mesma Rua Aurora, agora com a denominação de “vinhos, queijos, consignações e importados”.

De 1927 a 1930, o jornal Pasquino Coloniale, editado em São Paulo para a colônia italiana, publicou anúncios da “Casa Trinacria”, de “Antonio, Salvador Messina & Cia”, no endereço da Rua Aurora. O único produto anunciado era o azeite de oliva marca SASSO, importado da Itália.

Ao contrário de Alberto Bonfiglioli, que se tornara uma figura de grande visibilidade pública e era citado em colunas sociais, Antonino Messina era discreto e reservado. Durante toda a década de 1930, não há nenhuma foto dele em jornais paulistanos, e todas as notícias a seu respeito mencionam apenas a sua atividade como comerciante.

Em 1931, a firma dos irmãos Messina já se tornara uma referência na capital paulista. O Pasquino Coloniale publicou uma resposta à carta de um leitor que indagava onde se poderia encontrar um determinado produto italiano: “Não sabemos se existem fabricantes na praça. Quem lhe pode informar é Antonino Messina, ou então Salvatore, igualmente Messina”.

Em 1935, a firma aparece com a razão social “Salvatore Messina & Irmão”. O endereço na Rua Aurora se expande, incorporando ao número 39 os prédios números 35 e 111. Nesse mesmo ano, é anunciado o início da importação da Itália do Extrato de Tomate marca CIRIO (‘Estrattoconcentratodipomodoro, la base dellebuonecucine’).

Em setembro de 1938 (pouco antes do início da Segunda Guerra), o anúncio do Extrato de Tomate marca CIRIO é expandido no jornal Il Pasquino: ‘Estrattodipomodoro italiano CIRIO é la marca di garanzia. CIRIO é um nome di fama mondiale. La Societá Generale dele Conserve Alimentari CIRIO, com sede in Napoli, possiede in Italia 10 grandiose fabbriche di conserve, e uma in Argentina’.

Essa menção à fábrica CIRIO na Argentina é intrigante, porque um mês antes, em 27 de agosto de 1938, o mesmo jornal havia publicado uma notinha irônica sobre as importações de Antonino Messina, insinuando que os produtos ‘italianos’ eram na verdade argentinos: “Beddamatri… – strilla Antonino Messina – io i migliori prodotti italiani li faccio venire dall’ Argentina…” (Como pode – brada Antonino Messina – os melhores produtos italianos eu trago da Argentina…)

Foi por essa época que começou a brotar a ideia de montar uma empresa para fabricar extrato de tomate. Os negócios bancários de Alberto Bonfiglioli iam muito bem, a empresa de importação de Antonino Messina também, e o Dr. Orlando Guzzo tinha sólidos conhecimentos de agricultura no interior de São Paulo. Os três já eram sócios há mais de uma década, e em uma conversa surgiu a proposta de usar a boa aceitação que o extrato de tomate CIRIO vinha tendo como ponto de partida para um novo empreendimento conjunto.

JundiaíSegundo o censo de 1940, a comarca de Jundiaí tinha 58.203 habitantes. Pertenciam então a Jundiaí e depois foram emancipados: Rocinha (hoje Vinhedo), Secundino Veiga (hoje Várzea Paulista), Campo Limpo, Cabreúva, Louveira, Itupeva e Jarinu. Excetuados esses distritos, em 1941 o núcleo urbano de Jundiaí mal chegava aos 30 mil habitantes, e os principais empregadores da cidade eram a Cia. Paulista de Estradas de Ferro e diversas empresas de tecelagem.

Estrategicamente, Jundiaí era uma opção bastante favorável para a instalação de uma fábrica. Além da cidade ser um entroncamento de ferrovias ligando a capital ao interior e ao litoral para o escoamento da safra do café, em janeiro de 1940 havia sido inaugurada a Via Anhanguera, com pista única entre São Paulo e Jundiaí, e que poderia ser acessada a apenas 2,5 quilômetros da Cica.

A decisão pela instalação da Cica em Jundiaí deveu-se a contatos que Bonfiglioli e Messina tinham há tempos com membros da colônia italiana da cidade. Dentre eles, Sperandio Rappa, estabelecido em Jundiaí como comerciante desde o final do século XIX, e que prestava um serviço indispensável a cidadãos italianos recém-chegados ao Brasil – a concessão de empréstimos em uma época em que bancos eram escassos e não emprestavam dinheiro a quem não tivesse bens para oferecer como garantia.

Mario Rappa, um dos descendentes do patriarca Sperandio, tinha afinidades comerciais e esportivas com Alberto Bonfiglioli. Além de industrial, Mario Rappa era o presidente honorário do Palestra Itália Football Club de Jundiaí, uma equipe de futebol razoavelmente forte nos anos 30. Além disso, assim como Bonfiglioli, também Mario Rappa tinha o grau de ‘cavalheiro’ da república italiana. Desde o início da Cica, e por mais de trinta anos, o nome de Mario Rappa apareceria nos balanços da Cica como principal membro do Conselho Fiscal.

Outro ‘paesano’ que certamente teve influência na escolha do local onde a Cica viria a ser instalada foi Attilio Vianello. Estabelecido em São Paulo desde 1888, Attílio havia sido importador e representante de firmas italianas no Brasil, e investiu parte do dinheiro que ganhou em terrenos na capital e em várias cidades do Interior. Em Jundiaí, possuía desde a década de 1910 uma grande propriedade que começava ao pé do morro onde ficava a parte alta da cidade (no qual seria construído o popular ‘Escadão’) e se estendia por ambos os lados do Rio Guapeva. O bairro do Vianelo marca hoje os limites da antiga propriedade e a Rua Atílio Vianelo homenageia seu dono original, que faleceu em 1939. Vizinha a esse latifúndio, havia uma razoável extensão de terras onde a Cica seria construída.

Pitangueiras O amplo espaço entre a rua Bom Jesus de Pirapora e as proximidades da Rua Brasil (onde começava a ‘estrada para São Paulo’) ainda era desabitado até a década de 1930. A atual rua João Ferrara era apenas um caminho de terra que ia do prédio da fábrica Bombix (atualmente ocupado pela Polícia Rodoviária) até a cerâmica de Napoleão Mazzali (cujo terreno que seria comprado pela Cica no final dos anos 60).

À direita desse caminho (onde atualmente, entre outras construções, está a Coopercica), havia uma plantação de amoreiras. À esquerda, onde hoje se situa o Jardim Cica, uma plantação de pitangueiras, que na década de 1940 dariam nome ao bairro.

Essa boa gleba de terras planas foi adquirida pelos fundadores da Cica em 1938. Para a construção da fábrica foi destinada uma área triangular de 950 metros de frente e 500 metros na parte mais larga, fechando o ângulo na direção da primitiva ponte de madeira sobre o rio Guapeva, no limite com a propriedade da família de Attilio Vianello.

Construção da fábrica Nenhuma notícia foi publicada nos jornais paulistanos sobre os planos de Alberto Bonfiglioli, Antonino Messina e Orlando Guzzo para construir uma fábrica de alimentos em Jundiaí, e igualmente nada foi divulgado quando de sua inauguração em agosto de 1941. Isso, apesar de Alberto Bonfiglioli ser figura obrigatória, quase diariamente, nos jornais da colônia italiana de São Paulo, mas como banqueiro ou desportista.

Também o jornal A Comarca, de Jundiaí, cujos arquivos estão conservados até hoje, não publicou nenhuma nota sobre a edificação da fábrica durante todo o ano de 1941, apesar de a obra ser uma das maiores que estava em andamento na cidade. O motivo mais provável é o de que a fábrica começou a funcionar antes de estar totalmente pronta, e por isso deixou de ter uma inauguração com a cerimônia apropriada.

Outro imigrante italiano residente em Jundiaí, Giacomo Venchiarutti, era empresário (uma de suas empresas era o Cine Polytheama), arquiteto e construtor, e foi quem se encarregou das obras civis. Inicialmente, foi aberta a rua (logo denominada Rua Cica), na qual foi construída uma fileira de casas para os primeiros funcionários mais graduados. As obras começaram no final de 1939 e o primeiro pavilhão a ser edificado foi o da descarga e processamento de tomates, a futura ‘Seção de Extrato’. O primeiro escritório ficava nesse pavilhão, e futuramente seria a ‘Seção de Frutas’.

Foram também construídas a indispensável estação de captação e tratamento da água do Rio Guapeva, que passava dentro do terreno, a chamativa chaminé, e a primeira parte da residência anexa à Cica, que seria ocupado por Antonino Messina e sua família. No mais, galpões provisórios foram erguidos para armazenagem de materiais e produtos acabados, e as obras definitivas prosseguiriam pelos anos seguintes. A ‘Seção de Doces em Massa’ ganharia prédio próprio em 1945. A ‘Seção de Geléia’, depois denominada ‘Produtos Diversos’, em 1952.

O filho de Giacomo, Vasco Venchiarutti (que seria eleito Prefeito de Jundiaí em 1948 e construiria em sua gestão o parque da Festa da Uva, o Bolão e o Viaduto da Ponte São João) tinha 20 anos em 1941 e estava se formando em Arquitetura. A partir de 1945, Vasco seria contratado para projetar e comandar a expansão das instalações da Cica. Foi dele o projeto, em 1951, para a construção da Torre, a característica mais marcante da fábrica.

O início das operações da Cica ocorreu em 25 de agosto de 1941, uma segunda-feira. Mas a existência da Cica somente começaria a emergir na imprensa um ano e meio após a fábrica estar funcionando. As primeiras referências à fábrica (e ao Extrato Elefante) apareceram em dezembro de 1942, em anúncios simultâneos em jornais de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Paraná.

O extrato de tomateA primitiva ‘massa de tomate’, nome não registrado e que podia ser utilizado por qualquer empresa, vinha sendo importada de países europeus desde a década de 1850, em latas de meio quilo. Era basicamente um molho simples, constituído por tomate triturado e sal. No Brasil, a massa de tomate era produzida por empresas regionais desde 1890, eventualmente engrossada com fécula de mandioca. A Peixe (Indústrias Carlos de Britto & Cia.), de Pesqueira-PE, fundada em 1898 e primeira grande empresa nacional de conservas, lançou a sua Massa de Tomate em 1911, e a manteve em linha por quase 50 anos.

Em 1926, para escapar da concorrência pelo nome genérico da massa de tomate, a Peixe lançou o ‘Extracto de Tomate’, cujas vendas começaram devagar, mas ganhariam força a partir de 1929. O reclame apregoava que a polpa, sem pele e sem semente, era “pré-aquecida a termo compressão e concentrada a baixa temperatura em tachos a vácuo, mantendo integrais as preciosas vitaminas A, B, C e G”.

Esse processo era novidade na América do Sul, mas o nome ‘extrato’ não era original. Ele já existia há muitos anos na Itália. Era contra esse Extrato da Peixe (já sem o ‘c’ central de extracto, excluído na primeira reforma ortográfica na década de 1930), que o Extrato Elefante teria que competir diretamente.

Caminhões estacionados esperando…

O mercado A tarefa da Cica seria altamente complicada, porque a Peixe era uma potência. Líder disparada do mercado brasileiro, sua fábrica em Pesqueira processava 700 toneladas de tomate por dia, sendo a maior parte cultivada em fazendas próprias (3 mil alqueires plantados). Contando a lavoura e a fabricação, a Peixe empregava perto de cinco mil pessoas em 1940, e seu extrato de tomate era exportado para os Estados Unidos. A Festa do Tomate, evento que marcava em Pesqueira o início da colheita anual no dia de São João, era inaugurada pelo próprio Ministro da Agricultura, como foi em junho de 1941.

Além disso, a Peixe já tinha há bastante tempo uma linha completa de produtos (doces em massa, geleias, compotas, ketchup e outros, totalizando mais de 80 itens), enquanto a Cica estaria começando com um único item, o Extrato. No ano de 1940, a Peixe havia comercializado cinco mil toneladas de derivados de tomate, e oito mil toneladas de outros itens, com destaque para a Goiabada. Enquanto a Cica iria inaugurar sua primeira unidade, a Peixe possuía sete fábricas, sendo quatro em Pernambuco, e três outras em São Paulo, no Rio e em Minas Gerais.

Apesar das adversidades que precisou enfrentar, a Cica iria assumir a liderança do mercado nacional na segunda metade da década de 1950, um feito que por si só diz muito sobre a competência e o comprometimento de sua primeira leva de dirigentes e empregados.

O nome ‘Cica’ – Desde o século XIX, “Conservas Alimentícias” era a denominação oficial dada pelo Ministério da Agricultura a estabelecimentos que produzissem alimentos processados e envasados, e diversas fábricas pelo Brasil adotavam essa denominação para sua razão social. Em 1890, existiam no Rio de Janeiro, entre outras, a ‘Companhia Manufactora de Conservas Alimentícias’, a ‘Companhia Provisora de Conservas Alimentícias’.

…para entregar matéria-prima e abastecer com mercadoria

Da mesma forma, “Comércio e Indústria” era a designação genérica dada a empresas de qualquer setor que produziam e comercializavam seus produtos. Quando da constituição da Cica, usou-se o nome mais óbvio que ainda estava disponível, ‘Industrial’, com a vantagem de que as letras iniciais da razão social Companhia Industrial de Conservas Alimentícias formavam um acrônimo pronunciável, ‘cica’.

O curioso é que o vocábulo ‘cica’, originário do tupi, significa ‘sabor amargo das frutas quando verdes’, mas pouca gente sabia (ou sabe) disso até hoje, e o nome foi adotado apesar de significar o contrário do que os produtos da Cica pretendiam ser.

A marca ‘Elefante’ Bem antes da Cica, já existia no Brasil uma infinidade de produtos com a marca ‘Elefante’, que simboliza força e resistência. Nos primeiros trinta anos do século XX, Elefante foi marca de cerveja, de cimento, de cigarro, de arame farpado, de sal de cozinha, de arroz e polvilho, de cachaça, de giz, de tinta zarcão, de brochas e pinceis, de camas e colchões, de óleo de rícino, de pólvora, de carreteis de linha, de correias de couro, e de vinho de laranja.

Mas também existia nesse rol paquidérmico um produto alimentício, um extrato de tomate importado da Itália – ‘Estratto di Pomodoro di Parma marca Elefante’. Ele pode ter sido a primeira inspiração para os futuros donos da Cica, por ter sido utilizado na década de 1930 nas cozinhas das famílias italianas mais abastadas de São Paulo, que incluíam os Bonfiglioli e os Messina.

Em 1984, a Cica fez uma grande fez com direito a show do Fofão…
…e apresentação de um elefante, símbolo da empresa(Arquivo: Nelson Thadeu)

As propagandas iniciais do Extrato Elefante da Cica, de dezembro de 1942 até junho de 1943, mencionavam “duplo concentrado de tomate”, expressão que constava também na lata. Em agosto de 1943, o produto e os dizeres da lata foram alterados para “triplo concentrado”, com o lembrete publicitário “é melhor e rende mais”.

Em algum momento ao final da década de 1950, surgiria o jingle da tarantela napolitana, que reforçaria e explicaria essa característica do processo (“O Extrato de Tomate Elefante / é puro, é triplo concentrado / a Cica só trabalha com tomate selecionado”).

‘Se a marca é Cica…” O famoso slogan “Se a marca é Cica, bons produtos indica” foi lançado em janeiro de 1944, quando já havia uma linha diversificada de produtos para suportá-lo. As propagandas individuais eram simples, diretas e sem ilustrações.

O slogan foi criado pela agência de propaganda Pettinati, uma das mais famosas do mercado publicitário na época, e que detinha a conta da Cica. Para alívio dos pesquisadores futuros, a Pettinati inseria seu nome no pé dos anúncios, algo não muito comum naqueles tempos.

A escolha da agência do comendador Francisco (Francesco) Pettinati não era aleatória – os empresários da colônia italiana de São Paulo utilizavam preferencialmente seus serviços. Além disso, Francesco era, assim como Alberto Bonfiglioli, conselheiro do Palmeiras desde os tempos de Palestra Itália.

LogotipoO primeiro logotipo da Cica também foi obra da agência Pettinati, encarregada de toda a comunicação visual nos primeiros quinze anos. O logotipo foi moldado em concreto no alto do portal de entrada para a Seção de Extrato, à direita de quem entrava pela Portaria. O conhecido logotipo com o elefante de corpo inteiro somente surgiria em agosto de 1953, quando a Pettinati ainda era a agência de propaganda da Cica.

Monte Alto – Em 2 de março de 1947, o Jornal de Notícias-SP publicou: “Monte Alto – Indústria – Acaba de ser instalada nesta cidade a Companhia Industrial de Conservas Alimentícias, que se dedicará à fabricação de extrato de tomate”.

Bem antes disso, em 1939, o jornal Correio Paulistano havia mencionado o Dr. Orlando Guzzo como “fazendeiro de café em Jaboticabal”, cidade vizinha a Monte Alto. Muito provavelmente, foi o Dr. Guzzo quem sugeriu o local para a instalação dessa segunda unidade industrial da Cica, participou de sua construção e seria o responsável por sua operação.

Mônica e Jotalhão Em uma propaganda para a TV em 1964, a Cica havia utilizado um desenho animado de seu Elefante selecionando tomates na esteira da linha de produção e no laboratório (‘Você sim, você não’, dizia o cuidadoso elefante). Em 1969, a agência de propaganda Proeme, fundada em 1962 e que assumira a conta da Cica em 1966, teve a ideia de transformar aquele único comercial em uma série diferenciada, e fez um acordo com Maurício de Sousa para utilização de seus personagens – inicialmente, a dentuça Mônica e o elefante Jotalhão – em comerciais do Extrato de Tomate Elefante.

Como até então os personagens de Maurício de Sousa ainda não tinham vozes, porque ainda só existiam na versão impressa, foi preciso providenciá-las para os desenhos. O vozeirão do Jotalhão foi provido pelo ator Murilo Amorim Correa, e a voz da Mônica pela dubladora profissional Magali Sanches. Quem viu TV na década de 1960 irá se lembrar dos dois. Murilo interpretava o comendador italiano Vitório, da dupla cômica Vitório e Marieta, da TV Record. E Magali Sanches dublava o personagem Will Robinson, o garoto da série de TV ‘Perdidos no Espaço’.

Rodolfo Marco BonfiglioliAntonino Messina faleceu em 1966. Alberto Bonfiglioli, em julho de 1967. Seu filho mais velho, Rodolfo Marco Bonfiglioli, ficou sendo o novo presidente do grupo Auxiliar e da Cica. Na partilha da Cica (em proporção ao número de ações com direito a voto), a família Bonfiglioli ficou com 72%, e o restante dividido entre as famílias Messina, Guzzo e Guerrazzi.

Rodolfo Marco Bonfiglioli era vice-presidente do Banco Auxiliar desde 1952 (quando tinha 22 anos) e da Cica desde 1954. Seu hobby era a caça. Em 1950, aos 20 anos, havia sido campeão paulista de tiro ao pombo. Em anos futuros, empreenderia grandes safáris na África.

Ao assumir a presidência, Rodolfo Marco Bonfiglioli mudou a dinâmica da Cica. Entre 1968 e 1970 foram implantadas novas áreas, como Recursos Humanos, Marketing e Planejamento. Mas a principal mudança seria a chegada de executivos de São Paulo, que iriam tomar a frente de todos os setores da empresa, em substituição à primeira geração de chefes que já estavam na empresa há um quarto de século. Essa substituição foi paulatina – os chefes antigos foram mantidos e ganharam bons cargos, mas já sem a voz de comando que seus cargos anteriores lhes permitiam ter.

Esse processo tirou da Cica aquela imagem de ‘empresa de família’, que sempre tivera por base mais a confiança nas pessoas que ocupavam funções de liderança, e não nos eventuais diplomas que elas possuíssem. Embora dolorida para muitos, a mudança funcionou, pelo menos operacionalmente, e durante quinze anos a Cica continuaria crescendo, com a instalação da Cicasul, da Cicanorte, da Cicatrade e da Cica Argentina, e sua dianteira no mercado brasileiro nunca chegaria a ser arranhada.

Turillo – Para os jundiaienses que trabalharam na Cica, Salvador Messina Neto, o Turillo, foi durante décadas a cara da empresa, qualquer que fosse o título que ostentasse. Mesmo após as atividades da Cica terem sido encerradas, Turillo se manteria como presença constante em todas os encontros de ex-funcionários.

Venda Em junho de 1985, a Cica publicou seu balanço referente ao exercício fiscal de maio 1984 a abril 1985. Os resultados eram expressivos: faturamento de 639,4 milhões de cruzeiros, lucro operacional de 58 milhões e lucro líquido de 18 milhões. Em dólares da época, 206 milhões de faturamento, 18,7 milhões de lucro operacional e 5,8 milhões de lucro líquido.

Até então, a Cica era financeiramente sólida e já dominava o mercado nacional há três décadas. Mas em 19 de novembro de 1985 o Banco Central decretou a liquidação extrajudicial do Banco Auxiliar SA, uma medida que pegou de surpresa o mercado leigo e os próprios funcionários do banco.
No ano fiscal encerrado cinco meses antes, em junho de 1985, o Banco Auxiliar havia reportado um lucro líquido de 5,9 bilhões de cruzeiros. Somente após a intervenção do Banco Central é que se soube que a Corporação Bonfiglioli (então constituída por 44 empresas) vinha tendo sérios e crescentes problemas financeiros já há cinco anos, devido aos pesados empréstimos que contraíra. O passivo do Banco Auxiliar era de 700 bilhões de cruzeiros.

A derrocada pública do braço financeiro do grupo Bonfiglioli arrastou as demais empresas das quais a família Bonfiglioli era acionista majoritária, dentre elas a Cica, que em dezembro de 1985 entraria em processo de concordata preventiva. Com quase 60% de participação no mercado brasileiro de conservas, em janeiro de 1986 a Cica foi colocada compulsoriamente à venda, por determinação do Banco Central. Seu valor era estimado entre 250 e 300 milhões de dólares.

A primeira empresa a manifestar interesse na aquisição foi a Souza Cruz, mas em fevereiro de 1987 quem fechou o negócio foi o Grupo Ferruzzi, de Ravena, na Itália, já presente no Brasil em negócios de agropecuária, construção e comércio exterior. O valor da transação foi de 205 milhões de dólares (155 milhões pela compra, e mais 50 milhões de dólares em dívidas da Cica que seriam assumidas pelos compradores). Em maio de 1987 a Ferruzzi passou a comandar a empresa.

Esse foi o momento em que se encerrou a história da Cica sob o comando da família Bonfiglioli e de seus diretores associados, após 46 anos de existência, dos quais 30 anos como líder de mercado.

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Em 1992, a Cica foi comprada pela Gessy Lever, por 250 milhões de dólares. De 2003 a 2009, a indústria foi gradativamente desaparecendo, com suas marcas sendo aos poucos substituídas por marcas globais da Unilever. Em setembro de 2010, A multinacional americana Cargill adquiriu da Unilever as marcas Cica, Elefante e Pomarola. (Texto de Max Gehringer)

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