O ator José Mayer surgiu para o mundo no papel de Osnar, na novela Tieta, que tinha, entre seus atributos, a habilidade de fazer as mulheres que conviviam com ele erguer a sobrancelha sempre que o assunto oferecia alguma relação com suas partes íntimas. Osnar não foi o seu primeiro personagem, nem Tieta sua primeira novela. Mas foi a partir dali que ele ficou nacionalmente conhecido e, também, particularmente conhecido. Virou mania associar o ator aos atributos do personagem.
Osnar surgiu numa época em que nem machismo nem feminismo eram pautas correntes nos programas matinais, tampouco fazia parte da bula de ativistas de plantão. Aliás, aquela era uma época em que raramente se via ativistas e o mundo era muito mais divertido. Não que o tema não merecesse ser tratado com seriedade.
Que assédio sexual é algo deplorável, não existe sombra de dúvidas. Que precisa ser banido de todos os níveis de relações, tanto sociais quanto profissionais, não se discute. Mas o que justifica esse clima de IngSoc que vem tomando conta da nossa sociedade?
Experimentamos uma semana em que o esporte favorito de oito em cada dez pessoas foi execrar publicamente com o José Mayer. Bem nos moldes dos encontros de execração pública, que George Orwell descreve no livro 1984, em que membros perseguidos pelo partido eram humilhados publicamente.
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Outra característica aos moldes do Grande Irmão: a emissora decidiu cortar as cenas em que o ator aparece na novela Senhora do Destino que, por incrível azar, está sendo reprisada no período da tarde justo no momento em que o mocinho caiu em desgraça.
Mais um pouco e vamos apagar de vez toda dramaturgia que contou com a participação do ator. E José Mayer, o monstro do momento, jamais terá existido na televisão brasileira, começando pelo avantajado Osnar.
Por que, em nome da punição do machão pelo assédio, devemos assumir sua execração pública e a destruição da sua imagem, como se sua atitude tornasse maldita sua própria existência?
Era de linchamentos – Na mesma semana em que José Mayer foi linchado virtualmente, um linchamento real quase aconteceu em uma pequena cidade no interior do Rio de Janeiro.
Tudo porque um boato descrevia um casal em um carro branco e os responsabilizava pelo sequestro de crianças. Um vendedor de iogurte e de queijos que circulava por Araruama com um carro branco e acompanhado por uma mulher, acabou cercado por uma multidão que ameaçava matá-lo. Seu carro foi incendiado por outra mulher, que acabou presa.
O homem estava indignado e, durante sua entrevista ele revelou que o motivo de sua indignação foi por ter sido “detonado numa rede social”. Nem o vendedor de queijos escapa da teia das redes sociais.
Talvez os casos estejam entrelaçados. Talvez estejamos tão envolvidos em nossos alter egos virtuais que já não estamos mais conseguimos diferenciar o que é ficção de realidade. O que é possível e não permitido. O que é trágico e o que é apenas imaginado. Se aquele casal fosse de fato trucidado pela multidão, teríamos uma tragédia real que seria traduzida apenas pelas imagens do Instagram. E mesmo aqueles que se sujassem com seu sangue ainda assumiriam difundir que tudo não passou de uma fantasia produzida pelas redes sociais. (foto acima: redes sociais)
RONALDO TRENTINI
Jornalista e escritor. Com passagens pelo Jornal de Jundiaí, Jornal da Cidade, Jornal O Tempo e A Tribuna de Jundiaí. Foi secretário de Comunicação na Prefeitura de Jundiaí. Escritor independente, é autor da série Mistério & Sombra, disponível na Amazon.com.br, entre outros livros.