O esporte é tido como um dos maiores fenômenos da humanidade no Século XXI; praticamente em todas as culturas, a atividade física e esporte são partes essenciais do costume de um povo que, na prática motora tenta uma (re)união ou um confronto, deixando que se perceba a diferença entre povos e gestos. Esta leitura compreende um universo de ações maiores, que vai desde a atividade física no contexto escolar até os mais altos níveis do esporte competitivo.

Todos conhecemos as vantagens da prática de atividades físicas, em especial neste período, em que iniciamos o ano prometendo engajamento em alguma atividade, buscamos academias, clubes e personal trainer para nossa segurança física. Estamos cansados das velhas fórmulas batidas de papo: esporte é saúde, mente sã em corpo são, esporte não é droga….quando não nos tocamos que isso tudo é uma balela….uma mentira!!! Um engodo.

Há que se fazer a diferença explícita de cada coisa. Afinal, atividade física não é esporte. Atividade física é levantar e atender o telefone. Tomar banho, escrever ou digitar, amarrar o sapato, vestir a calça…isso tudo compõe um repertório de gestos configurados como atividades físicas. E isto não é esporte.

Outra coisa cansativa de ouvir ou conversar é a tal proposta de mente sã em corpo são: isso já ficou resolvido lá atrás, que o corpo abarca a mente e a mente é o corpo: nós somos o corpo e a mente. Isto se configura numa única coisa que representa exatamente aquilo que somos; não há divisão de corpo e alma, este dualismo já era. Tal enunciado não encontra representatividade no homem do século XXI, que vive em sintonia perfeita seu “corpomente” ou sua “mentecorpo” pois isso é uma única porção. Somente pode acreditar que temos em nossa calota craniana nossa alma escapará!!!

A questão mais polemica é aquela que impõe que esporte não é droga; ou que não existe droga no meio esportivo ou, pior ainda, que se a criança estiver no meio esportivo ela não terá contato com as drogas. Santa ingenuidade acreditar que uma redoma de purificação cobrirá as quadras, os clubes e as escolas, com anjos bons protegendo estes espaços. Seria estar desplugado do universo, sem contato com o contexto real em que vivemos em 2017, onde temos um ponto de drogas (se tivermos um apenas) em cada quarteirão. E, até mesmo, dentro de famílias estruturadas, tal acontecimento se faz presente, desestruturando aquilo que aparenta sólido.

Partindo deste referencial, do contexto brasileiro de 2017, podemos avançar para outro segmento social, que é o do esporte. Da prática esportiva que tanto grita aos nossos olhos e atrai multidões tanto aos eventos como às mídias, visto ser fascinante entrar num espaço regrado, mas caótico ao mesmo tempo. Talvez por ser paradigmático e imenso, ficamos hipnotizados com as estatísticas que o mundo esportivo nos apresenta.

Poderíamos pensar nos vultosos salários dos atletas de alta performance e compararmos com jovens de nosso entorno, bem formados, bem empregados, cultos, cujos provimentos não chegam a décimos dos salários de grandes atletas. Não é necessário citar nomes mas basta-nos pesquisar os salários dos atletas do Barcelona, que esconderemos nossos vencimentos. Por que temos tal diferença?

Precisamos entender que aspectos ideológicos e politicas financeiras se misturam oferecendo um cenário que poucos atentam ou buscam entender. Do ponto de vista político, o esporte é utilizado como forma de propaganda de ideologia e de regimes, o fortalecimento de um setor da sociedade que tem na contagem de medalhas ou vitórias uma questão política de primeira importância. E do outro lado, o ponto de vista econômico, onde o esporte entra resolutamente na era da mundialização e da globalização financeira com riscos de submissão ao reinado do lucro.

É necessário analisarmos o todo, ao invés de só a parte. Os meios (econômicos e ideológicos) suplantam a finalidade (esportiva), o conjunto do sistema se inverte e chega à sua própria negação, criando o carreirismo, admitindo (e denunciando, dialeticamente) o doping, participando e desvelando a corrupção e as trapaças, percebendo e fortalecendo o poderio, assustando-se e conformando-se com a segregação, somando-se a isso, a expansão e aprofundamento da relação com a mídia, no último quarto do século XX.

Foi decisivo para o esporte o advento da mídia esportiva, em especial da nova mídia, quando as transmissões esportivas passam a ser realizadas ao vivo e para o mundo inteiro. Este fator é preponderante no fortalecimento do esporte de alta competição: sem a ocorrência desta explosão midiática, os grandes momentos esportivos e os fenômenos que são gerados nele e por ele não seriam comercializados e não entrariam em nossas casas, com o impacto que o fazem. Para entendermos tal fenômeno, olhemos para as Olimpíadas e as Copas do Mundo, que são os únicos eventos não permanentes que alteram as dinâmicas urbanas nas cidades que os sediam.

Por causa das Olimpíadas ou Copas do Mundo, os horários televisivos são alterados. Nações ficam a mercê de confrontos esportivos desta grandeza. Atletas são endeusados e entronados, transformando-se em ídolos, cujas pessoas são pagas a ouro. Mesmo que representem nações falidas ou desconhecidas: eles são gigantes porque a mídia os divulgam ou, hoje, eles próprios de divulgam por meio de seus blogs. Essa relação esporte-mídia fica ainda mais imbricada com o aparecimento, a cada dia, de uma mais nova tecnologia de comunicação.

A bem da verdade, trata-se de uma tecnologia de interação, fundamentada no aparecimento das redes sociais, dos blogs e microblogs, que parecem alterar as dinâmicas clássicas da mídia televisiva, do rádio e jornais. O impacto dessas mídias é instantâneo, possibilitando que aqueles que estão conectados, em uma rede, contatem imediatamente com os novos fatos, informações, acontecimentos, inclusive, banalidades, mas em tempo real. Imediatamente. Fugazmente. Aqui está a receita do sucesso do esporte moderno.

Neste contexto é possível que continuemos a pensar que o esporte seja saúde, ao ouvirmos dos atletas que eles sentem muita dor, durante e após os treinamentos? Que vivem a base de analgésicos e precisam cuidar para que não haja ingestão de substância proibida pelo comitê antidopagem? Que seus períodos de treinamento ultrapassam uma carga de oito horas por dia e que não há possibilidade de permanência ao lado dos familiares?

Pode parecer pouco, mas ao analisarmos que nossos atletas começam essa prática de vida bem jovens, talvez nos perguntemos sobre a importância dos vínculos familiares ou da vida em sociedade. Estes paradigmas ainda existentes são conflitantes com a preparação do atleta de alta competição. Poderíamos incluir uma questão já emergente: por que será que muitos ex-atletas não conseguem manter uma vida regular após o termino da carreira esportiva, com casos de embriaguez e drogas nesta esfera social? Qual seria a resposta a isto, que não é tratado pela nova mídia, por não ser excitante?

Mais: de qual saúde se fala, quando ouvimos de ex-atleta medalhista de Natação que não conseguia dormir sem tomar várias drágeas de analgésico ou de ex-atleta de Voleibol que sua coluna vertebral doía tanto que não encontrava posição para permanecer parada? É desta saúde que estamos falando? Trabalhar estas questões, com criticidade e clareza, nos leva a pensar nas falas e atos que são ditos e desmentidos, seguidamente, ou insinuações, tidas como maldosas ou levianas ou ainda criminosas, mas que foram postadas consciente e verdadeiramente. Desta forma indagamos: o que dizer das novas mídias, elas não são potencializadoras da exposição perversa? Os facebook, instagran, whats e demais aplicativos não tornam seus usuários vulneráveis demais, diante de tamanha exposição?

Depois de desmistificar que atividade física não é esporte (correr na avenida Nove de Julho, andar de “bike” aos domingos, caminhar na Ferroviários não é esporte; é apenas atividade física) e que o tão propagandeado esporte não é lá tudo isto de saúde, nem que temos um corpo e uma mente separados, tão pouco que no esporte não há drogas, o que pensar sobre a vulnerabilidade a que os próprios atletas se expõem? As redes sociais são facilitadoras de um volume imenso de conexões. Quem tiver acesso ao meu “facebook” terá acesso aos meus comentários e à algumas fontes de notícias que me alimentam.

Isso será repassada numa escala gigantesca que eu não terei domínio sobre minha escrita ou fala ou imagem; isso faz com que cada noticia ou mensagem minha tenha múltiplos desdobramentos e consequências, assim, tais reflexões nos permitem afirmar que o esporte, nesse contexto, é gerador, ampliador e potencializador de uma vulnerabilidade, expondo seu produto, que são os atletas ou praticantes a uma excessiva exposição midiática, sem comparação.

É impressionante como entender deste fenômeno faz com que os grupos envolvidos com o micro-sistema esportivo possam analisar com melhor cuidado a relação de seus membros com a fugacidade das novas mídias, coisa que ainda não se passa. Conhecemos equipes que são proibidas de se conectar ou de estar portando um aparelho que possibilite enviar ou receber mensagens. Conhecemos técnicos que limitam o uso e outros que possibilitam o uso, garantindo uma certa “estabilidade emocional” do grupo. E ainda, aqueles que dizem que permitem que se faça uso de joguinhos pela internet; no fim sobra a questão: e abordar o problema da exposição, quem se adiantará a fazê-lo?

Talvez a melhor proposta fosse aquela que preparasse para o uso adequado desta ferramenta de comunicação, que atinge ao mundo, como um todo, e divulga, sem chances de ser “apagado” ou “recolhido” aquilo que já foi exposto. Ai mora a vulnerabilidade…uma vez exposto o nude, jamais será recolhido porque milhares ou bilhares de cópias estarão sendo vistas pelo mundo afora. E quem cuidará o vulnerável atleta que se expos, num momento de euforia ou insensatez?

Neste caso objetivo e direto, temos muitos exemplos, quase centena deles: a situação dos atletas se masturbando na Vila Olímpica, a atleta que briga na rede por causa de ofensas recebidas e dias depois expõe sua relação sexual com o namorado, a conversa sobre uso de maconha, a briga por causa do assédio do técnico, a discussão a respeito do “fifty-fifty” entre atleta e empresário, dentre algumas outras pérolas, encontradas nas redes sociais, sem necessidade de muita habilidade na procura ou no garimpo das informações. Isso é a tal vulnerabilidade.

É possível confrontarmos estes casos e notarmos que estamos diante de um “corpomente” mal preparado? Nestes casos não houve uma adequação nas estruturas, visto que faltou intelecto para prever a confusão que se criaria. Hoje, as postagens são feitas pelos próprios atletas de seus blogs pessoais; já não há a intercessão dos famosos agentes, que eram responsabilizados ou saiam em defesa. Assumir sua história talvez seja a grande ousadia que as novas mídias nos permitem arcar: fazemos nossa notícia, fazemos nossa história.

Mantendo a relação anterior, de exposição nas mídias e no favorecimento da vulnerabilidade, percebemos que o sadismo e o masoquismo aparentes anteriormente, extrapolaram os campos da atividade em si. Eles romperam barreiras e passam a atingir o dia-a-dia, a vida antes privada passa a ser descortinada para todos aqueles que queiram ter acesso, sem barreiras e censuras. Percebam que fatos do cotidiano de treinamento passam a ser expostos, pelas redes sociais, sem métrica nem censura, mas a vida pessoal também, como exemplifica a divulgação do próprio Ronaldo Nazário, que estava esperando o resultado do exame de DNA para a confirmação de outro filho, feito por meio do seu microblog, Este é apenas um exemplo.

Enxergar essa dinâmica como um cenário em que os atores, essencialmente, o atleta não esteja em situação de vulnerabilidade é uma ingenuidade a que não estamos submetidos. E ela corrobora com a descrição de que a vulnerabilidade social pode se manifestar em dois planos: estrutural e subjetivo. No plano estrutural, pode ser dada por uma mobilidade descendente e, no plano subjetivo, pelo desenvolvimento de sentimentos de incerteza, insegurança, de não-pertencimento a determinado grupo, de fragilidade dos atores.

E a Psicologia do Esporte tem se debruçado no estudo e intervenção da questão em pauta, de modo que o atleta, a comissão técnica e demais membros assessores do atleta possam receber as mesmas propostas e as mesmas intervenções: entender da fugacidade desta nova mídia e de sua interação no mundo em rede, equacionar o quanto e como se expor (tendo idéia precisa das vantagens e desvantagens desta exposição), aprender a aquilatar os perigos da superexposição e os benefícios de megapropaganda e acima de tudo ter planos para conter uma perturbação emocional, quando nada do que foi programado der certo.

Tem que ficar claro que diante da exposição das e nas novas mídias, voluntaria ou involuntariamente, o meio leva a fragmentação do atleta, atacado constantemente do ponto de vista físico, moral, social e emocional. Muitas vezes, a família que deveria ser a guardiã da formação desse jovem, sobrecarrega-o com todas as expectativas de salvação e ascensão social, muitos, nessa lógica, tornam-se empresários de seus próprios filhos em tenra idade.

Nunca se parou para pensar, mas o agravante é que a vulnerabilidade em todas as suas formas é um tema proibido no esporte. Ele não coaduna com contexto de competição, a imagem do atleta é sempre transposta para a superação, os problemas individuais não podem estar presentes e, em muitos casos, não podem ser considerados. Mas a exposição excessiva ou desnecessária é um tiro no pé daquele que não se controla e abre sua vida para o Mundo. Existe educação para este Mundo ciber e para toda a Cibercultura, basta os especialistas em Esportes acreditarem e se aperfeiçoarem neste espaço, em que convivem como amadores, querendo ser tratados como profissionais. A Cibercultura é uma quimera, que se não for decifrada destruirá cada um dos seus usuários.

afonso-2AFONSO MACHADO

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