Entre 1975 e 1985 ouviu-se muito falar da evasão de cérebros. Em toda roda culta e bem antenada falava-se de jovens que haviam concluído o curso universitário e que estavam saindo do país, rumo a um futuro mais edificante e mais digno; geralmente iam para os Estados Unidos. Alguns poucos partiam para a Europa, visto que os EUA ofereciam guarida mais segura e mais promissora.
Com o passar de alguns poucos anos, nossos jovens saiam para complementar seus doutorados, nas tais bolsas-sanduiche, e ficavam por onde houveram partido: concluíam por lá seus doutorados, empregavam-se nas próprias universidades que os haviam acolhido e seguiam carreira. Não foram dez, nem vinte; inúmeros doutores tiveram problemas com as agências de fomento, que os cobrava judicialmente.
Mas os cérebros se evadiam.
Atualmente, a famosa evasão continua, com mudança de clientela; é sabido que diretores clínicos de grandes hospitais americanos e alemães são profissionais formados por escolas brasileiras que receberam incentivos de outras nações e partiram na aventura de dar certo, em outro lugar. Em quase todos os setores profissionais temos brasileiros trabalhando com destaque e reconhecimento em cada canto do mundo.
A história atual, diferencia-se das anteriores, porque hoje partem profissionais já experientes e já bem-formados. Desta maneira, seria interessante pensarmos porque esta evasão é tão forte e tão presente entre os nossos expoentes culturais. Ouvi, na Universidade onde trabalho, que é uma covardia virar as costas ao país que formou e alicerçou um profissional, em busca de mais regalias econômicas e profissionais.
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Como ouvi também, que o ideal é ir logo, para não ser o último e ter que apagar as luzes do departamento onde se está vinculado. Tirando estes dois extremos (um melancólico e outro desaforado) percebemos que aqueles que partem em busca de outro espaço profissional, fazem-no com dor pela partida e por deixar para trás seus nichos profissionais e suas crias acadêmicas. Mas sempre resta uma pergunta difícil de responder: por que, afinal, partem? O que falta por aqui?
Numa análise bem simples, a primeira coisa que falta é interesse das autoridades nacionais pelo desenvolvimento da ciência nacional. Muito se fala, muito se promete, mas pouco se vê construir ou edificar, quando pensamos em pesquisas de nível de excelência. Temos os cérebros, mas não temos o material para elaboração.
Muito possivelmente estes cérebros sejam profissionais que foram capacitados acadêmica e resilientemente, pois há muito a universidade brasileira vem se arrastando dentro de uma crise que não permite que se perceba a existência nem do túnel tão pouco da luz que dizem existir ao seu final. As promessas são refeitas anualmente, os compromissos devem ser cumpridos pontualmente e as possibilidades de crescimento vão minguando e se deteriorando, porque em ciência, na Era da Fugacidade, as coisas são sempre para ontem. Algumas podem ser para hoje.
Mas será que nossos cérebros evadem apenas por falta de recursos materiais? Será, mesmo que nossos acadêmicos abandonam suas funções apenas por um laboratório melhor formado, melhor estruturado, com mais verbas e mais apoio? Existirá ou existirão outros motivos?
Num momento em que começamos a formar, no ensino universitário, pessoas com sérios problemas de alfabetização, numa época em que muitos professores universitários não conhecem um livro além daquele que usou em sua graduação, e num período em que educar já não faz sentido para a sociedade, cujos valores estão sucateados, entendo que a saída é por novos ares, mais valorativos e mais consolidados do que simples encontro de laboratórios e promessas governamentais.
Está difícil perceber que a nova geração, tanto faz se ela é Y, Z, W ou Ω, esteja interessada em boas propostas educacionais, visto o fato que elas consomem o que existe e busca seus indexadores no mercado de trabalho, fazendo com que o nível de ensino não seja o problema. O problema é quando se vai ter direito ao diploma?
Se o diploma é bem valorizado ou se é conseguido por meio de propostas pouco lícitas, já não faz diferença, porque ele traz valores agregados: conhecimento em informática, um inglês razoável, certo grau de desinibição e lá se vai para o mercado de trabalho, produzir mais do mesmo. Mas voltemos ao raciocínio inicial: por que ainda evadem?
Num país onde pesquisador não tem valor e onde pesquisa básica e pesquisa aplicada parecem ser a mesma coisa, fica difícil sustentar a proposta de manter cérebros produzindo por aqui. O desinteresse governamental é tamanho e o descaso com a educação e cultura é tão gigantesco, que ideias se desgastam e começa-se a buscar um local em que o valor pela produção humana ainda seja o mote.
Noto entre meus pares um ar de profunda tristeza e de uma angústia dolorida, provenientes do descaso das políticas públicas de fomento. Aos olhos desconhecidos, ser professor universitário parece ser tarefa das mais simples: gradua-se, especializa-se, conclui-se mestrado e doutorado. Pronto, temos um professor universitário. Sim, temos….temos alguém com a titulação que confere a ele postular ser um docente universitário.
No entanto, para este acima descrito faltam: engajamento em linhas de pesquisas, compor um programa de pós-graduação estrito senso, publicar com periodicidade e inovação, orientar seus mestrandos e doutorandos, formando opiniões próximas as suas, que um dia divergirão, sadiamente. E mais duas pequenas coisas: credibilidade e reconhecimento de seus pares e de sua comunidade.
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Analisando a situação do patamar em que me encontro, penso que estas duas pequenas coisas sejam as que encorajam o cidadão a arrumar sua mala, pegar seu passaporte e sumir para onde o recebam bem, com um acolhimento próprio das pessoas capacitadas e hábeis, possibilitando um crescimento vertiginoso e edificante, que poderia haver ocorrido em nossos espaços.
Como percebem, o problema não fica por conta apenas e tão somente da falta de verbas para pesquisas e estudos: o problema está no pequeno reconhecimento dado ao pesquisador nacional. Um cérebro disfuncional num deserto de improdutividade e de alunos desinteressados em transformações que se iniciam na transformação pessoal, na leitura de seu próprio mundo.
Não acredito que nossos cérebros em evasão, atualmente saem com descrédito de sua instituição ou de seu departamento. Creio, sim, que os cérebros que se preparam para evadir e os que se foram recentemente, saem desacreditando num país que tem muito para crescer, mas que não se preocupa em valorizar quem deve ser valorizado.
Num local como este, em que capacitados são ignorados deixamos espaço para assassinos serem tomados como heróis e ladrões desonestos ocuparem cargos de gerência, sem nunca serem molestados. Será que a evasão de cérebros preocupa a alguém? Não me parece…não me parece….Tais contradições são tidas como sábias e impertinentes. Insolúveis no Brasil dos anos 2017.
(foto principal: www.lancaster.ac.uk)
AFONSO ANTONIO MACHADO
Docente e coordenador do PPG- Desenvolvimento Humano e Tecnologias da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia.