A sinceridade não é a tônica das relações atuais; num momento em que cada um busca demonstrar um mundo fantástico e uma fantasia inexistente, ser sincero virou artigo de quinta categoria. Daí, a convivência passa a ser uma arte de andar no fio da navalha, visto que ou fingimos ou demonstramos o que realmente somos e aceitamos as mentiras tidas como verdades e fazemos cara de satisfação.
Conversar de maneira sincera e estar aberto a ouvir é uma proposta de vida adulta, que tem seu inicio na mais jovem infância, num lar onde a mentira não encontra morada. É lá, desde pequenininho, que aprendemos o mal de uma mentira e a feiura expressa por palavras, gestos e insinuações não verdadeiras. A sinceridade é aprendida com exemplos de comportamentos retos e idôneos, que se nos apresentam no decorrer da Vida.
Os relacionamentos que não são fundados num diálogo real, com as verdades pululando de lá para cá, daqui para lá, favorecem a um final de muita dor e desconfianças. Cuidar da nossa forma de ser e da maneira como recebemos o outro é essencial para firmamos um contrato afetivo com alguém, de modo a termos claro que a sinceridade é a razão primeira desta forma de existir.
Na convivência sempre sobra um desafio, que a cada vez vai se tornando maior, a medida que a relação se consolida: saindo a fase inicial, o desafio sempre será o de olhar para si, de entender o nosso papel na relação e o papel do outro em nossa Vida. Cada etapa tem um desafio diferente, nem sempre agregador, mas sempre um desafio. Em alguns momentos queremos parar o Mundo e descer, em outros queremos que o Mundo gire mais rápido para vermos a consequência imediata e, em outros momentos, queremos que o tempo se arraste para podermos gozar dos bons momentos.
Etapas e tempo conectados com a sinceridade são os elementos que perpetuam cada ação, quando assumimos uma relação. Não há espaço para o egoísmo, a maldade, a decepção; mas isso existe ou será uma utopia? É possível estabelecermos tamanho grau de sincronicidade numa relação interpessoal? Haverá alguém que se enquadre nesses parâmetros? Quando os pares afetivos pontuam suas preferencias e suas realidades, criando um vínculo interpessoal, é gerado um circulo de empatia que assegura o fortalecimento da relação.
Se é utopia? Talvez seja, quando estamos diante de pessoas insensatas e insanas, como muitas de nossos relacionamentos; entretanto nem todos são tão afetados emocionalmente ao ponto de não reconhecer uma verdadeira amizade, amor ou carinho e desprezar a existência do vínculo afetivo saudável. Nossas intuições e escolhas seguem uma tendência que, muitas vezes nos surpreendem: ou repetimos ou renovamos o tipo de pessoas que temos ao nosso redor, num determinado tempo.
Repetir o bom, é bom demais. Repetir o ruim, é sinal de um ligeiro dedo podre na escolha, muito comum entre os menos antenados, menos atentos e mais vulneráveis. A vulnerabilidade ajuda a aceitarmos tudo o que se encosta ao nosso lado, sem um prévio juízo de valores, o que nos deixa expostos a todo e qualquer tipo de pessoa e relação nascida desta aproximação. A convivência assim é muito triste e muito maléfica para nossa saúde mental.
Entretanto, temos aqueles que mantêm um padrão em suas escolhas. Um alto nível de padrão que concentra tudo a seu favor, por oferecer tudo ao outro, também. São os que apresentam amigos de 20, 30, 40 anos… sempre da mesma forma, da mesma natureza e fluindo no tempo e espaço com igual desenvoltura. Quando temos buscas cautelosas, identidade de caráter e objetivos próximos, a sinceridade ancora e faz seu ninho, fortalecendo os laços e sustentando os momentos difíceis.
Na convivência sadia é importante compreender o ponto de vista do outro, mesmo não estando de acordo, e nestes relacionamentos bem alicerçados podemos dizer não sem ferir o outro, porque existe uma compreensão e porque a sinceridade é a base da relação. Haverá, nesse ponto, uma tentativa de flexibilidade e tolerância que nos possibilitará tentar entender os motivos que levam a pessoa a agir, falar, pensar da forma que você não gosta, mas haverá o equilíbrio e a ponderação exata da sinceridade que manterá a proposta da parelha afetiva.
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A sugestão é estar atento às necessidades do outro sem perder de vista suas necessidades primárias e básicas, senão seria uma sublimação, o que não preencheria a Vida de ninguém, além de trazer transtornos futuros por uma idealização a qual ninguém merece. A existência é síncrona: eu e o outro existimos ao mesmo tempo, independente de lugar e situação. Portanto ambos temos nossos problemas, vacilos, medos, inconstâncias, certezas, manias e demais pérolas de nosso interior. Nenhum de nós é aquele “alecrim dourado que nasceu sem ser semeado”, que povoa os postagens do Facebook, Instagran e demais redes sociais.
Somos humanos e como tal, temos pé de barro. Sujeitos a intempéries e inconstâncias, mas em busca de melhoras. Melhoras pessoais, melhoras nas relações, nas crenças, nas parcerias, nas atribuições, nas escolhas. O diálogo irá fortalecer cada passo, cada momento, mas não será sempre suave nem sempre agradável; as vezes será amargo e frio, doloroso e cruel. Mas sincero. Por isso, a convivência passa a ser uma arte de andar no fio da navalha, sempre. E quanto mais sincero, mais a navalha se torna afiada. Mas é uma arte saudável e desafiadora.(Foto: Marcos Santos/USP Imagens)
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AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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