Cerca de duas semanas antes da Festa do Morango de 1992 — ano de eleições municipais, sempre uma mistura explosiva —, a agenda da assessoria mesclava divulgação de evento com inauguração de obra pública. E lá fomos nós: eu, Denise e o mestre fotógrafo Nilson Cologni, rumo à inauguração, à noite, de uma pequena ponte na Roseira, região do Caxambu. Era uma sexta-feira fria de julho, daquelas que o vento já chega trazendo rinite e fofoca.
Prefeito, secretários, vereadores, candidatos, moradores — um público eclético e tremendo de frio. Depois da solenidade, um agricultor local ofereceu um coquetel “simples”: massas, vinho e o caos. Cumprimos as funções jornalísticas e, claro, fomos prestigiar o vinho.
Entre risadas, taças e boas intenções, surge dona Alvarina, mãe do então prefeito Walmor Barbosa Martins, sempre presente e simpática. Conversava com todos, com a taça em punho. Em um desses momentos, observei algo suspeito e disparei:
— Deh, sua língua tá roxa!
— Dih, a sua também!, rebateu ela.
Olhei pro Nilson. Roxa também. Gargalhamos como se tivéssemos descoberto o antídoto da seriedade. Moral da história: o vinho era legítimo, mas o pigmento parecia importado da Crayola. No dia seguinte, ainda sob efeitos colaterais da alegria, tínhamos compromisso: a Corte do Morango participaria de um show da FIAT na Av. 14 de Dezembro. O problema? Ressaca coletiva e nenhum óculos de sol. O astro-rei fritava nossos miolos com prazer.
Denise teve a ideia salvadora:
— Vamos na banquinha de camelô, ali na Praça das Rosas. Rápido, em frente ao Hospital São Vicente de Paulo, ninguém vai nos ver. Boca santa.

Cenário de comédia: três criaturas curvadas, de ressaca, escolhendo falsificados que combinassem com o rosto de quem não queria ser reconhecido. Até que ouvimos:
— Dona Denise Oliveira! Édi Gomes! Nilson Cologni!
Congelamos. Viramos em câmera lenta: Baptistele, chefe de gabinete do prefeito, passeava com o cachorro e nos pegou em flagrante de humilhação pública.
Denise, num golpe de reflexo:
— Baptistele, o Édi perdeu os óculos e estamos ajudando ele a escolher. Temos evento da Festa.
Ah, Denise… atriz de método, nota 3 de real, mas com talento de Oscar.
Ele desconversa e solta:
— Estão sabendo da dona Alvarina?
O tempo parou.
— Não…
— Passou mal de madrugada. Está no São Vicente.
Silêncio. Ele se afastou e nós três, em uníssono:
— Foi o vinho.
Quando nos olhamos de novo: as línguas continuavam roxas. A gargalhada foi respeitosa, mas quase exigiu um balão de oxigênio.
A “Ídola” da Sabedoria – Nem só de vinho vive uma assessoria. Denise também brilhava na Rádio Cidade, apresentando o programa ‘Fala Mulher’. Em 1º de maio de 1994, ela me chamou para acompanhá-la na festa dos Metalúrgicos, na Estrada Velha de São Paulo. Lá estávamos nós, muito bem recebidos pelo presidente Elizeu Silva Costa e diretoria, quando notamos uma mulher com uma bolsa enorme nos observando fixamente. Os alarmes internos dispararam. Denise cochichou:
— Tô com medo. E se ela tiver uma faca?
— Deh, nessa bolsa cabe um facão…
E lá fomos nós, correndo como dois fugitivos de filme B. A mulher correu também! Paramos, ofegantes, e Denise, já entregando a alma:
— Pode levar tudo!
A mulher sorriu e disse:
— Você é a Denise da Rádio, né? Eu te escuto! Lê um “Minutos de Sabedoria” pra mim?
Eu, pronto pra virar segurança, e Denise, trocando o susto por emoção, abriu o livrinho e leu. A fã saiu feliz com autógrafo, e nós… precisando trocar as “pumpers” de tanto rir.
Fábio Júnior, o OIIIIII e o pé na porta – De volta à Festa do Morango, era o dia do show do Fábio Júnior. A produção dele era rígida: ninguém no camarim além da equipe e autoridades previamente credenciadas. Eu, Denise e Nilson, claro, éramos a barreira humana. Até que surge uma figura da administração municipal com comitiva, sobrinhas, amigas, papagaio e periquito, querendo entrar. Denise, firme:
— Não pode.
— Você sabe com quem está falando?
Denise, que mede o mundo de cima pra baixo, respondeu na classe e no gelo:
— Não sei e não quero saber. Ordem do gabinete.
Fim da excursão VIP. Todos pro meio do povo, com os mortais.
Minutos depois, o cantor surge, mãos nos bolsos, abre os braços e solta o clássico:
— OIIIIIIII!
Fomos para fora também e em um ‘morrinho’ assistimos o show. Lá, Denise virou adolescente em Woodstock. Rodava o cachecol, chorava, berrava, cantava “Pai” como se fosse trilha da própria vida. No fim, voltamos pra coxia, Fábio passou novamente, outro “OIIIIII”, e sumiu como miragem. Nós? Fomos à praça de alimentação, brindar com uma cervejinha — afinal, aprendemos a lição: bebida boa é a que não deixa a língua roxa.
A Fanfarra, o microfone e o “pau” mais famoso da imprensa local – E, para encerrar os melhores momentos com Denise Oliveira, vem a cena impagável do lançamento da Fanfarra Municipal, durante o desfile de 7 de Setembro. Estávamos no palanque das rádios. Pela Rádio Cidade, lá estavam o radialista Ari Ribeiro e o operador Cássio. Eu, Denise e Nilson fazíamos a cobertura para a assessoria. Tudo dentro do script: hino, aplausos, e aquele cheiro de pipoca e verniz de trombone no ar.
Quando a fanfarra começou a passar, Nilson se posicionou na junção dos canos do palanque para conseguir uma boa foto. Denise, sempre solícita, auxiliava ele para não cair — porque a boa assessoria também serve de tripé — enquanto Ari narrava o desfile com sua voz solene de locutor de rádio FM da madrugada.
Tudo ia bem. Até que os alunos que carregavam os mastros das bandeiras resolveram voltar por dentro e pararam bem em frente ao nosso palanque. Nilson, preocupado com a foto, me cutuca e sussurra:
— Pede pra eles tirarem o pau dali!
Sem medir a acústica, e editar o substantivo, eu simplesmente berrei:
— Ô! TIREM O PAU DAÍ!
Silêncio.
O detalhe técnico? O microfone de Ari Ribeiro estava aberto — e bem na minha frente. A frase ecoou alto e clara para toda a audiência da Rádio Cidade. Denise me cutucou, Cássio — que já era branco — empalideceu de vez, Nilson quase despencou da estrutura tentando segurar o riso.
E Ari, com a classe de quem já viu de tudo no rádio, salvou a transmissão ao vivo com a seguinte pérola:
“Os amigos da imprensa escrita solicitam, neste momento, que os alunos retirem os mastros das bandeiras do palanque”. Tradução simultânea impecável.
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O público aplaudiu, a fanfarra seguiu, e eu aprendi duas lições: nunca grite perto de um microfone de rádio. E, principalmente, que nenhum 7 de Setembro é tão patriótico quanto aquele em que se segura o mastro e a imprensa pedia, em rede aberta, pra tirarem o pau dali.(Fotos: Nilson Cologni)

MIGUEL ÉDI GOMES
É jundiaiense, tem 53 anos. É formado em jornalismo pela UniFaccamp e atualmente faz parte da equipe da Assessoria de Imprensa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
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