A Justiça Eleitoral decidiu, nesta tarde, cassar o diploma do prefeito eleito de Itupeva, Marco Antônio Marchi, e do seu vice, Alexandre Ribeiro Mustafá (foto acima). Pela sentença, os dois – acusados de utilizar um jornal para atacar o ex-prefeito Ricardo Bocalon (foto abaixo) – ficarão inelegíveis por oito anos.
Os donos do jornal A Gazeta de Itupeva, Manoel Fernando Rossa Lancha e Herickson Almeida dos Santos, receberam a mesma pena. Marchi e todos os outros podem recorrer. A ação foi movida pela coligação ‘O Futuro de Itupeva em Nossas Mãos’, formada pelo PTB-PPS e PTdoB.
No início da noite, a assessoria de imprensa da Prefeitura divulgou que Marchi e o vice receberam com surpresa a decisão judicial, “que absolutamente não corresponde à realidade dos fatos ocorridos durante a eleição municipal de Itupeva, e será objeto do recurso cabível, a ser examinado pelas instâncias superiores da Justiça Eleitoral”.
A nota prossegue: “É importante ressaltar que a decisão assim proferida não contou com o apoio do Ministério Público Eleitoral, que se manifestou pela extinção da ação, por reconhecer que as alegações dos autores não retratam fatos capazes de por em dúvida a eleição;
O prefeito Marcão Marchi manifesta a todos os itupevenses que recebe com tranquilidade a decisão judicial e aguarda com serenidade que seja reexaminada e reformada pelas autoridades do Poder Judiciário Eleitoral;
Continua em marcha a atual administração municipal, na busca por reconstruir o município, recuperando as finanças e melhorando sempre a qualidade das obras e serviços postos à disposição dos munícipes de Itupeva”.
A decisão, na íntegra:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Autos ne 316-24.2016.6.26.0065
COLIGAÇÃO O FUTURO DE ITUPEVA EM NOSSAS MÃOS (PPS – PTB – PtdoB) ajuíza a presente AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL contra MARCO ANTONIO MARCHI (candidato a prefeito), ALEXANDRE RIBEIRO MUSTAFA (candidato a vice-prefeito), HERICKSON DE ALMEIDA DOS SANTOS e MANUEL FERNANDO ROSSA LANCHA. Alega, em síntese, que os rėus, com unidade de designios, fizeram veicular propaganda negativa contra o atual prefeito e candidato e reeleição e positiva em face dos réus. Diz que o fizeram através do jornal “Gazeta de Itupeva”, criado no ano de 2015, sob a responsabilidade de MANUEL FERNANDO ROSSA LANCHA, tendo como proprietário HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS. Assegura que, no entanto, o verdadeiro dono e “mandante do jornal” ė o réu MARCO ANTONIO MARCHI, conforme apurado nos autos ne 10000970-37.2016.8.26.0514. Indica as diversas reportagens do periódico que, a seu ver, configuram propaganda negativa e positiva, de forma antecipada, inclusive. Pede, em consequência do que expõe, a cassação do diploma dos candidatos a prefeito e vice-prefeito, impondo-se-lhes, outrossim, a declaração de inelegibilidade. Com a inicial, vieram documentos (fls. 14/64).
Citados, MARCO ANTONIO MARCHI e ALEXANDRE RIBEIRO MUSTAFA ofertaram resposta em que negam a realizaęao de propaganda eleitoral positiva ou negativa, nem antecipada. Afirmam, outrossim, a inocorrėncia de abuso de sua parte. Nem que o jornal “Gazeta de Itupeva” sėja de sua propriedade. Negam, outrossim, dirigir ou orientar as matėrias jornalisticas do periodico, muito menos financia-lo. No mais, sustentam os descalabros da gestao do prefeito candidato a reeleięao e requerem a improcedėncia do pedido (fls. 73/88).
HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS contesta o pedido alegando, em suma, que o jornal “Gazeta de Itupeva” nao ė orientado nem financiado pelos rėus MARCO ANTONIO MARCHI (candidato a prefeito), ALEXANDRE RIBEIRO MUSTAFA. Aduz, nesse sentido, que o periodico ė mantido com a receita oriunda da publicaęao de anūncios, “diferentemente dos variados jornais que circulam em Itupeva, custeados por verbas publicitarias da Prefeitura”. Sustenta nao ter praticado companha eleitoral positiva ou negativa. Requer a improcedėncia (fls. 97/103).
MANUEL FERNANDO ROSSA LANCHA foi citado pessoalmente (fl. 109), mas optou pelo silêncio (fl. 277).
0 feito foi saneado, fixado ponto controvertido, facultando-se as partes a produęao de prova documental em 10 (dez) dias ou requerer, no interregno, “a expedição de oficios aos orgaos que, a seu ver, confirmem ou infirmem a asseręao”. (fl. 117)
Aos autos sobrevieram manifestações e documentos de fls. 122/197, bem como o deferimento da expedição de oficios como requerido a fls. 131/132, e juntada de novel documentação oriunda da Câmara de Itupeva (fl. 215), casas bancarias e Receita Federal. (fls. 217/224, 231, 237, 239/243, 248, 250, 252, 269 e 271)
Em memoriais de alegaęoes finais, as partes reiteram suas tęsęs juridicas, concordando a parte re, com o pedido de extinęao (sem ou com resoluęao de mėrito) deduzido pelo Ministėrio Pūblico e dele discordando a parte autora. (fls. 282/298)
Ė o Relatorio,
Decido:
De proêmio, impende o registro que não cabe, in casu, a extinção anormal do processo, haja vista a não existência de vicio a amparar a pretensão. Nesse sentido, tem-se que o pedido vertido na inicial compreende a cassação dos diplomas dos eleitos, de modo que a efetivação a diplomação, antes de ensejar a carência superveniente do pedido revela-se como a própria condição de procedibilidade, anotando-se que, sem a diplomação, não haveria interesse necessidade no pedido de cassação dos diplomas. Concernentemente ao mérito, tenho que restou bem demonstrado que HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS, então exercente de cargo comissionado na Câmara Municipal de Itupeva (fl. 215), teria fundado, no ano de 2015, o jornal “Gazeta de Itupeva”.
Esse jornal, como revelam suas matėrias, pode nao ter sido concebido para fazer propaganda em favor dos rėus e em detrimento do entao candidato a reeleięao, mas ė nitido que suas reportagens sao ao menos hostis ao candidato a reeleięao e, ao mesmo tempo, indicam MARCO ANTONIO MARCHI como alternativa vantajosa para assunęao do poder local.
Isso tambėm fica nitido na defesa que HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS apresentou nešte processo. Poderia ter se limitado a dizer ser ele o proprietario do jornal; poderia ter se limitado a dizer que os demais rėus nao sao seus financiadores. No entanto, foi alėm, para, fazendo justamente aquilo de que seu jornal foi acusado, criticar o candidato a reeleięao e prestigiar os adversarios dėstė, orą rėus. Nesse sentido, extrai-se da peęa de resistėncia, em texto voltado a negar que os rėus candidatos financiassem o periodico: “diferentemente dos variados jornais que circulam em Itupeva, custeados por verbas publicitarias da Prefeitura”. Orą, na propria defesa judicial do jornal, em ato falho, HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS nao deixa duvida acerca do proposito da concepęao daquele veiculo de imprensa…
Nao causaria espėcie um integrante do poder local, na qualidade de exercente de cargo em comissao, conceber um jornal favoravel a ex- integrante da Camara Municipal (dela afastado apenas em razao de anterior decreto de inelegibilidade por ato praticado quando presidente da Camara), o candidato a prefeito MARCO ANTONIO MARCHI.
Nao causaria espėcie desde que HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS tivesse patrimonio compatlvel com tai empreitada, fato que a documentaęao inserta nos autos nao robora.
Assim, o que se tem ė que os rėus candidatos foram beneficiados, em sua campanha, com o jornal “Gazeta de Itupeva”, e nao ha demonstraęao alguma a desmentir que tai jornal foi concebido com esse proposito, em conjunto com todos os demais rėus.
Alias, O fato de MARCO ANTONIO MARCHI e ALEXANDRE RIBEIRO MUSTAFA nao figurarem formalmente como proprietarios do jornal em questao nao desnatura o ilicito, na medida em que foram os beneficiados pelas matėrias, consoante ja se decidiu:
“Nesse ponto, não socorre ao representado Barros Munhoz a alegação de que não possui vinculo com os mencionados semanários. Ainda que não faça parte do quadro societário das empresas responsáveis por sua edição e publicação, tai circunstancia não o isenta, por si só, do ilícito aqui apontado. Além disso, ė evidente sua proximidade com os periódicos, haja vista a forma como ė retratado e a simpatia que lhe ė dirigida. Também ė irrelevante argumentar não ter sido responsável pelas matérias veiculadas. A sanção eventualmente imposta recai sobre o candidato beneficiado pelo ato praticado em desrespeito a Lei Complementar n° 64/90, independentemente de sua participação.” (AÇÃO DE INVESTIGACAO JUDICIAL ELEITORAL N° 797-22.2015.6.26.0000 – CLASSE N° 3 – ITAPIRA – SAO PAULO, Rel. Dės. Mario Deviene Ferraz).Mas no caso dos autos existe a prova do vinculo, consoante se dessume da conversação telemática reproduzida a fls. 40/43, em que “Herikson” (HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS) admite agir sob a orientação de “Marcão” (MARCO ANTONIO MARCHI), cujo assunto ė assim ementado: “Gazeta de Itupeva”:
“Oi, Gabrielle,
Falei com o Marcao, ele combinou com o Sr. Dalvo e ele vai acertar com vocė” (fl. 41).
Boa noite, Gabrielle, tudo bem?
Em conversa com o Marcao Marchi, ele me passou que vocė pede mais tempo para analisar. 0 Gazeta de Itupeva. Entao, a fim de facilitar o seu trabalho, que nos ė tao importante, lhe envio urna primeira metade da proxima edięao pra adiantar o processo” (fl. 43).
Evidenciou-se que, por duas vezes, em ocasiões distintas, o rėu HERIKSON revelou que as decisões/deliberações envolvendo o jornal “Gazeta de Itupeva” estavam subordinadas a orientação/aprovação do rėu MARCO MARCHI. Nada nos autos afasta as conclusões da coligação autora segundo as quais: “(…) estą mais do que comprovado que o rėu Herikson, por si só, não detém capacidade econômica para bancar periódico impresso que cobriu toda a cidade de Itupeva, criado um ano antes das eleitores com o único objetivo de desequilibrar a disputą eleitoral (…)”.
Nessa esteira decidiu recentemente o colendo Tribunal Superior Eleitoral: “1. A jurisprudência desta Corte Superior fixou-se no sentido de que ‘o uso indevido dos meios de comunicação social caracteriza-se pelą exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos demais, ocasionando desequilíbrio na disputą eleitoral’ (AgR-REspe n° 730-14/ MG, rel. Min. JOAO OTAVIO DE NORONHA, DJe 2.12.2014r (REspe n° 76682 – Balsamo/SP, Acordao de 03/02/2015, relatora Ministrą Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Dile de 11/03/2015, p. 163/164).
0 colendo Tribunal Superior Eleitoral já deixou assente que, “2. No que concerne ao uso indevido dos meios de comunicação, o entendimento jurisprudencial do TSE preconiza que a caracterização do ilícito decorre da exposição massiva (sic) de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros, afetando a legitimidade e a normalidade das eleições. Precedentes” (AgR-REspe n° 34915 – 4:Minas Do Tocantins/TO, Acordao de 11/03/2014, relator Ministro Jose Antonio Dias Toffoli, DDe de 27/03/2014, p. 72).
No caso dos autos, como se não bastasse, a autora demonstra, a partir de vários excertos do periódico criado e mantido pelos rėus, que as matėrias atreladas ao candidato a reeleição eram sempre hostis, com atribuição de responsabilidade por fatos que assolaram, na ocasião, diversas cidades paulistas e outro tanto de unidades federativas, como aquela publicada na segunda quinzena de março de 2016:
“Itupeva sofre com maior enchente dos últimos tempos, bairros as margens do Rio Jundiaí foram invadidas pelas águas. Enquanto a população sofre com enchentes, Bocalon gasta mais de 12 milhões com propaganda, só em um contrato de 2016 são 3 milhões” (fl. 4)
Ja em 30 de setembro de 2016, um dia antes da eleięao municipal, constou do periodico:
“FICHA LIMPA: Justięa confirma candidatuna de Marcao Marchi pana prefeito de Itupeva. 0 candidato a prefeito Marcao Marchi estą deferido. A Justięa aprovou sua candidatura, ele nao deve nada a Justięa”.
Do cotejo das duas noticias, identificam-se, ao mesmo tempo: hostilidade do jornal para com o candidato a reeleição e absoluta torcida para o candidato MARCO ANTONIO MARCHI, com o seguinte texto de caráter apelativo: “A Justiça aprovou sua candidatura, ele não deve nada a Justiça”. 0 jornal, outrossim, coloca-se como testemunha do candidato preferido: “ele não deve nada a Justiça”.
A predileção de um candidato por empresa jornalistica em detrimento de outro já foi aferida pelo E. Tribunal Regional Eleitoral, consoante se dessume do Recurso Eleitoral n° 567-29.20126.26.0244, de lavra do Dės. Roberto Maia:
“Como ja consignado por estą c. Corte no julgamento da AIDE 388-56, apensada a AIDE n° 669-12 para julgamento conjunto, as condutas de empresas jornalisticas que ultrapassam a merą liberdade conferida a um veiculo de informção escrita, para assumir posição favorável a um determinado candidato, ameaçam o equilíbrio entre os partícipes do pleito e a normalidade do processo eleitoral.
In casu, a transcrięao retro realizada das materias que cobriram a campanha dos recorrentes corrobora o alegado na exordial, visto que coloca em pieno e exclusivo destaque a realizaęao de seus comlcios, indicando-o, inclusive precocemente, como vitorioso nas eleięoes que ainda se realizariam.” (g.n.)
No caso, como se viu, ha mais do que predileęao de um candidato pelo citado orgao de imprensa: o jornal foi mesmo criado com o fim de desiquilibrar a campanha em favor dos candidatos rėus, podendo-se concluir, sem sombra de duvidas, que as materias contrarias ao entao prefeito constituiam, sim, propaganda negativa antecipada, e que aquelas favoraveis a MARCO ANTONIO MARCHI tambėm constituiam propaganda positiva vedada.
Como no caso dos autos os beneficiarios das irregularidades tambėm concorreram para a pratica, a questao nao se esgota na cassaęao dos diplomas, mas determina, ainda, a imposięao da inelegibilidade.
Forte nesses argumentos, cabe indicar a existėncia de emblematico julgado do TSE: “caso o candidato sėja apenas beneficiario da conduta, sem participaęao direta ou indireta nos fatos, cabe eventualmente somente a cassaęao do registro ou do diplomą, ja que ele nao contribuiu com o ato” (REspE 13.068).
E tambėm nesse sentido, colhe-se da jurisprudėncia:
“RECURSO ELEITORAL – ACAO DE INVESTIGACAO JUDICIAL ELEITORAL – ABUSO DOS MEIOS DE COMUNICACAO – SENTENCA DE IMPROCEDĖNCIA. 1. 0 ŪSO ABUSIVO DOS MEIOS DE COMUNICACAO IMPOE A NECESSIDADE DA PONDERACAO DE DOIS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES – 0 PRINCIPIO DA LISURA DO PLEITO E 0 PRINCIPIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA -, SENDO IMPERIOSO QUE SE AVALIE COM CAUTELA 0 CONJUNTO PR0BAT0RI0. 2. AS LIMITAVĘS IMPOSTAS PELA LEGISLACAO ELEITORAL NAO CONSTITUEM OFENSA AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE LIVRE MANIFESTACAO DO PENSAMENTO E DE LIBERDADE DE INFORMACAO E COMUNICACAO. 3. DEMONSTRADO 0 VINCULO ENTRE OS RESPONSAVEIS PELAS PUBLICACOES E OS CANDIDATOS BENEFICIADOS PELAS MATERIAS. 4. RECURSO PROVIDO PARA DECLARAR AS INELEGILIBLIDADE DOS RESPONSAVEIS PELAS EMPRESAS JORNALISTICAS E CASSAR O
REGISTRO DOS CANDIDATOS.” (RECURSO n2 58465 – Rio Das Pedras/SP – Rel.
Dės. Roberto Maia Filho – Publicaęao: D1ESP – Diario da lustięa Eletronico do TRE-SP, Data 24/06/2014).
No que tange a potencialidade para o desequilíbrio de urna eleição, já se viu que o uso irregular dos meios de comunicação não exige, para configuração da vedação, o próprio desequilíbrio, bastando o uso irregular; no caso dos autos, porém, não se poderia afastar, de pronto, a efetiva consumação do próprio desequilíbrio, haja vista que a diferença entre o primeiro e o segundo colocados no pleito não passou de 4% de votos •
Posto isso, julgo procedente a representação para, reconhecendo o ūso indevido dos meios de comunicaęao sočiai, declarar a inelegibilidade dos rėus MARCO ANTONIO MARCHI, ALEXANDRE RIBEIRO MUSTAFA, MANUEL FERNANDO ROSSA LANCHA e HERICKSON ALMEIDA DOS SANTOS, por oito (8) anos, e cassar OS diplomas de MARCO ANTONIO MARCHI e ALEXANDRE RIBEIRO MUSTAFA, nos termos do artigo 22, XIV, da Lei Complementar ns 64/90, bem como, consoante a norma do artigo 222 do Codigo Eleitoral, declarar nulos os votos a eles atribuldos e determinar a retotalizaęao do pleito proporcional, urna vez confirmado o r decisum pelo E. Tribūnai Regionai Eleitoral (CE, art. 257, § 29).
P.R.I.C.