Os primeiros relatos sobre o açúcar e sua docilidade remontam da época de Alexandre “o grande”, conquistador da Índia Oriental. Sob o comando de Alexandre, um general observou que os nativos utilizavam um “tipo de mel” extraído da fermentação da cana de açúcar, e o batizou de “sal indiano”.

Em 650, os árabes conquistaram a Pérsia e iniciaram a disseminação da cana-de-açúcar pelo mundo ocidental. As cruzadas abriram as portas para os cristãos conhecerem-na, bem como, a Espanha, no século XII, na região da Andaluzia.

O açúcar era caro e utilizado para fabricação de remédios (durante a Peste Negra) e conservação de alimentos. Um quilo de açúcar, atualizado, seria o equivalente a 300 reais.

Na Idade Moderna, esculturas em açúcar conferiam “status” ao anfitrião de festas e encontros de intelectuais.

Somente a partir do século XVII, com a expansão das lavouras de cana no Ocidente, é que o preço caiu significativamente a ponto dessa delícia adentrar a culinária e ali ficar cativo.

Podemos observar que, até então, o único doce conhecido por nós era aquele advindo do mel e das frutas consumidas “in natura”. Mas, a partir do momento que colocamos o açúcar refinado da cana na língua, muitas sensações nunca d’antes descritas, passaram a dominar nossa fisiologia.

Analisando, grosso modo, as nossas células dependem da insulina para poder aproveitar a glicose circulante no sangue, proveniente dos alimentos consumidos. Exceto os neurônios.

Essa molécula trafega, livremente, entre os neurônios e afeta a região cerebral conhecida como sistema límbico (onde estão os mecanismos de controle do querer, gostar e aprender), causando dependência similar àquela encontrada em dependentes químicos de ópio, cocaína e Cannabis (maconha).

Um estudo desenvolvido com ratos, na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, bem como, na Universidade de Queensland (Austrália), utilizando altas doses de açúcar, mostrou que, quando famintos, os animais consumiam grande quantidade elevando as concentrações de dopamina (um neurotransmissor associado ao prazer). O uso crônico dessa artimanha leva à diminuição da mesma molécula, exigindo um consumo maior de açúcar para alcançar o mesmo nível de prazer.

Assim como dependentes químicos.

O mesmo estudo mostrou que animais que mantém consumo alto de açúcar e comem compulsivamente na fase adulta, enfrentam consequências neurológicas e psiquiátricas, afetando o humor e a motivação,podendo estar associados ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas como o Alzheimer (alguns estudiosos do assunto, observaram a associação entre o Alzheimer e diabetes, o que os levou a propor mais um tipo de diabetes, o tipo 3).

Além disso, a forte associação de diabetes e obesidade/sobrepeso concorre para um estado preocupante.

O diabetes é uma doença silenciosa e insidiosa. Como no Brasil não temos o hábito investigativo das nossas condições de saúde, ela pode passar despercebida por anos: a Organização Mundial de Saúde (OMS) relata em torno de 10 anos até que se descubra ter alta concentração de glicose sanguínea (acima de 180mg/dl) constantemente.

A partir daí, o estrago já está feito.

Vários estudos associam o uso excessivo de açúcar com déficit de aprendizagem (em adultos e, principalmente, em crianças), alterações de humor e depressão.

Além disso, a quantidade excessiva de açúcar circulante altera a circulação sanguínea e afeta órgãos importantes, a saber: olhos (pode levar à cegueira permanente), rins (diminuição em sua atividade e até mesmo perda do órgão), diminuição da sensibilidade periférica (a pessoa passa a sentir menos dor e ao se machucar não percebe, causando feridas de difícil cicatrização).

Mesmo diante de todas as informações negativas, a glicose é importante para meu organismo? Sim, porém, em doses homeopáticas. De fato, se tirarmos totalmente o açúcar de nossas vidas, ele não faria a menor falta. Temos várias formas de obter glicose, inclusive, armazenando na forma de glicogênio no fígado e músculos, pois, nosso cérebro é exigente: só a aceita para lhe produzir energia.

A falta dessa pequena molécula também causa dissabores: problemas de visão, irritabilidade, ansiedade, suores, enjoo, sonolência, confusão, fraqueza, fome e, se não corrigir logo, podem ocorrer convulsões, desmaios e, inclusive,o coma, que poderia terminar com morte neuronal.

A melhor solução é a moderação, nem mais, nem menos, principalmente, quando o assunto é açúcar. A OMS indica um consumo máximo de 50 gramas de açúcar (aquele adicionado às bebidas, aos doces), ou seja, o equivalente a 1 colher sopa, pois, consumimos largamente outras fontes de glicose, como massas e pães.

Outrossim, acrescento que uma das maiores descobertas nessa área, foi realizada pelo Dr. Jenkins, da Universidade de Toronto. Ele e seus colaboradores estavam procurando por fontes de carboidratos seguras para o consumo por diabéticos, quando, entre 1980-1981, determinou o índice glicêmico (IG) dos alimentos. É claro que, para qualquer que seja o método, há apoiadores e pessoas contrárias à ideia. Eu, particularmente, a considero fantástica, pelo fato de, conhecida a fonte de carboidrato, pode-se antever o quanto será exigido de um órgão vital para nós: o pâncreas.

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Os alimentos fontes de carboidratos que são digeridos rapidamente e liberam glicose rapidamente na corrente sanguínea, tendem a ter um IG elevado (açúcares e massas em geral). Os alimentos fontes de carboidratos que são absorvidos mais lentamente liberam glicose mais gradualmente na corrente sanguínea (fontes de carboidratos integrais e algumas frutas), e tendem a ter um IG menor, o que equivale a uma menor demanda de insulina, induzindo um melhor controle,em longo prazo, da glicemiae dos lipídios no sangue.

Como todos sabem, quanto mais se exige da máquina, mais cedo ela encerrará suas atividades. Assim é para o coração, para os rins, inclusive para o pâncreas.

E, o que seria da nossa vida sem um docinho, não é?

Seja parcimonioso e consuma com moderação que nada de mal lhe ocorrerá. Já dizia Paracelso, no século XVI: “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. (Foto: www.jornalciencia.com)


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.