Alguém, algum dia, em algum lugar do Mundo pensou que viveríamos essa fase que estamos iniciando a travessia? Sim, iniciando, porque segundo cientistas renomados levaremos bem mais de dois anos para voltarmos ao estágio de liberdade que tivemos um dia. As fronteiras estarão fechadas e a liberdade de ir e vir será negociada, de forma diferente àquelas que tivemos até então. Não se trata de um filme de ficção científica, nem de um pesadelo que toma frações de nossos sonos. Este será nosso futuro imediato e até de meio prazo. Eu te entendo, Eduardo (da música Eduardo e Monica, é claro…).
Diante de todas as propriedades e impropriedades de nosso ilustre atleta governante, vemos as barbaridades dos colegas governados, que por não pensar ou por pensar pequeno emitem pérolas semelhantes às do grande político. Cansa ler que Florianópolis não tem caso da pandemia, que o prefeito de Curitiba não fechou o comércio ou que o vírus foi criado propositalmente. Quanto absurdo de uma só vez.
São frases infundadas e sem propósito a não ser desestabilizar ainda mais a insegurança reinante; dignas de serem punidas, pela não veracidade. Entretanto, cada vez que estas (e todas as demais do gênero) inadequadas afirmações pululam em nossos monitores ou conversas, seus apoiadores angariam mais uns desprevenidos que passam a reproduzi-las e a crer que emitem verdades e que são atualizados. Quanta ingenuidade. Ou melhor: quanta maldade.
A questão acima está no mesmo nível das psicopatias que alguns líderes políticos apresentam, onde o ciúme narcísico e a inveja doentia são a tônica de um discurso desprovido de lógica e recheado de alarmismo e bestialidade. Parecem partir de pessoas que são contra tudo e contra todos, sem condições de raciocinar e ponderar em suas ações e manifestações. Assemelha-se ao “esquadrão do ódio”, que já conhecemos desde os idos de 1968 (isso não é novidade para o brasileiro culto).
Por outro lado, numa outra investida, temos mais patologias egocêntricas, com demonstrações de falso saber e de conhecimento de uma ciência rasa e frouxa, em que nada converge, mas serve para levar a desordem e o medo a todo canto e a todos: na crise, surgem falsos mitos, falsos messias que se aproveitam da pouca cultura e da falta de saber, para fortalecer sua cultura do ódio e sua sociopatia, presentes no estridente falar dos indigestos.
É interessante que estes tipos estão sempre buscando aqueles que serão expostos a decapitação pública, mas não apresentam evidências contextuais nem historicidade daquilo que falam ou pensam. Até parece que não pensam, não é verdade? São tamanhos os absurdos, que chegam a calar e a impedir uma contraposição; diga-me que você também conhece alguém assim, por favor.
São coisas que beiram a cretinice, até; você lê uma postagem e a pessoa está a favor do Mandetta. Passam 24 horas, ela está contra. Agora faz um elogio ao Doria, amanhã, pede sua cabeça. Essa bipolaridade e inconsistência é própria dos imaturos e desavisados, que são muitos; desde nobres “influencers” até seo Chico, da pipoca da esquina. E assim caminha esta nação. Pagando alto preço por viver numa sociedade tão desigual, tão sem cultura clássica. Uma pobreza humana generalizada.
Estamos no momento em que a união contra a pandemia deveria ser uma guerra única, mas preferimos ficar pensando nas conspirações extraterrestres e infundadas, nas brigas destes desgraçados partidos políticos, de poderes menores e de mesquinharias. Enquanto isso, vamos perdendo três aqui, dois ali, um acolá e o vírus prossegue sua infestação.
Quando pensamos que até os profissionais do sexo foram atingidos pelo distanciamento social, mas que se reinventaram e estão faturando mais online do que ao vivo, percebemos que nunca mais seremos os mesmos. Nem agora, nem nunca após o confinamento seremos os mesmos. Estes profissionais do sexo estão investindo em conversar, para desestressar seus clientes, ou em conversas picantes para facilitar o sexo solitário.
Entretanto, estão aprendendo a ouvir porque grande parte destes clientes querem se queixar ou do confinamento, ou da falta de mais parceiros ou da enfastiosa presença da família, no isolamento. Isto nos permite antever que teremos muitas mudanças no pós-confinamento. As famílias atenderão a outras condutas e outras dinâmicas, diferente daquilo que estas duas décadas do século 21 apresentam como modelos de instituição. Aliás, talvez venhamos a ter menos falsidade e menos superficialidade no núcleo familiar; menos faz de conta, assim dizendo.
E as escolas? Aderindo ao modelo de distanciamento e as aulas passam ao modelo de acesso remoto; interessante, não moderno e não futurista, porque já é fato em grandes instituições de ensino mundo afora. Só não entendi ainda como será este acesso remoto com aquele docente que não tem notebook nem rede wifi. E com aquelas crianças destituídas do básico mais básico. Será que a seleção natural do Darwin vai se fazer presente?
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Escrevamos com letras garrafais: estamos diante de uma mudança fenomenal de civilização. Jamais seremos os mesmos. Estamos vivendo questões que mostram que nunca na história da humanidade o homem foi tão frágil; não temos respostas fechadas para o agora e nem para o amanhã. Aliás, não temos resposta para nada. Este colapso nos coloca diante de indefinições e incertezas em que se aponta como certo apenas o isolamento social.
A redução da mobilidade favorece a ciência a avançar em busca de saídas reais ou paliativos, enquanto não se descobre a vacina, mas garante uma taxa de sobrevida e de não contaminação numa escala maior. Este momento e este fato mudarão os paradigmas já existentes: não cruzaremos fronteiras sem um teste que nos apresente como não portador do coronavírus.
É, Eduardo…como eu te entendo.
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Aluno da FATI.
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