
Era sexta-feira, 14 de março deste ano. Cheguei do trabalho, fiz o ritual sagrado: guardar a bolsa, tirar relógio, anéis e a guia de proteção. Os gatos estavam agitados, mas ignorei — o cansaço estava “hard”. Fui para o quarto, sem eles, tirei sapatos, meias, a camiseta e deitei na cama, pronto para começar a relaxar. Lá fora, chovia — uma chuva calma, quase simpática. Às 20h02, recebo a mensagem: “Oi, Édinho, tudo bem?” Era a Robéria Eichenberg, amiga dos tempos de Prefeitura de Jundiaí. Eu ia responder com meu tradicional “tudo, e você?”, quando veio a bomba: “Édinho, parece que o jornalista Emerson Leite sofreu um acidente de moto agora há pouco. Não sei se é verdade. Consegue descobrir?”
Dei aquele pulo da cama que até o gato assustou e comecei a apurar. Falei com o Ivan Marcos Machado, do portal Jornal da Região. Ele disse que não sabia se era o Emerson, mas tinha recebido um vídeo de um acidente — justamente na rota do nosso “Mimi”. Compartilhou comigo. O vídeo estava escuro, chuviscando, e eu ainda alimentava a esperança de que não fosse ele… Essa esperança acabou quando o Marco Antonio Sapia, do portal Jundiaí Agora, confirmou: o Mimi havia concluído sua missão por aqui. As lágrimas vieram junto com o grito: “Gato, que coisa você foi fazer?!”
Eu o chamava de Gato, e ele respondia: “Miauuuuu.” Depois disso, nem ouvi mais os pingos da chuva insistentes nas telhas de zinco. Só veio o choro de criança, daqueles de soluçar. Sentei na cama e um turbilhão de lembranças me atropelou — tantas histórias boas vividas com o Mimi, tanto profissionalismo, tanta bagunça saudável…
Tudo começou em 1991, precisamente no dia 28 de maio, no Jornal da Cidade. Eu havia sido contratado na véspera, à noite. Emerson Moura Leite foi apresentado pelo chefe de reportagem, Luiz Alberto Lessi. O Mimi era office boy — corinthiano, amante de esportes e da resenha — e fazia de tudo: arquivava jornais, atendia ligações, resolvia pepinos e distribuía bom humor como se fosse salário.

Naqueles primeiros anos, tivemos fatos de relevância cômico-dolorosa. Mimi era rápido no serviço e mais ainda nas tiradas. Era folgado — com ‘F’ maiúsculo —, mas que saudade desse folgado. Entre provocações, ele pegou “na veia” minha e do Sapia (que, convenhamos, não é exatamente o Dalai Lama da paciência). Resultado: uns cascudos pedagógicos. Sentamos ele na cadeira do jornalista Silval Miguel e, mesmo com os “tungés” na cabeça, ele ria. Ria e devolvia em dobro. Bendito humor que fazia o dia valer a pena.
Até que um dia conseguimos deixá-lo na mesma saia justa que tanto nos fazia vestir. A empresa de manutenção das copiadoras estava lá, e o carro do técnico estacionado em frente à janela. Minha mesa ficava do outro lado, e eu, tranquilo, observava o vai e vem do gancho de prancheta pendurado na janela. Uma, duas, três… 15 vezes! Levantei e segurei o gancho. Alguém puxava de lá, eu de cá. Resolvi dar uma de Newton e empurrei o gancho para ver se acertava o engraçadinho. Claro que isso não aconteceria. Só que aconteceu outra coisa: o gancho escapou e pá! — amassou o capô do Golzinho da empresa.
Afastei-me da janela em modo ninja; a Marina, que estava ao lado, idem. Só que o técnico viu “alguém” e, um minuto depois, entra na redação vermelho, bufando: “Quem tava segurando o gancho?! O cara da Xerox olhou pra cima e me viu com o cabo na mão! Tá achando que fui eu!” A cena: impagável. O Mimi, com cara de inocente, parecia uma mortadela pendurada na quitanda do seu Zé. Algumas semanas depois, pediu dispensa, mas nunca se afastou do JC.
E ele cresceu — e muito. Não na estatura (isso seria milagre), mas em competência. Voltou ao JC com o futebol amador na ponta da caneta. O pai, seu Lazinho, cuidava da circulação. De office boy a repórter foi um pulo. Sob o comando do Anelso Paixão, o Mimi virou o braço direito do editor — ou melhor, o motor da editoria de esportes.
Entrou na Faccamp em 2008. Eu, da turma de 2009, encontrava com ele na cantina. Na época, estava no Jornal de Jundiaí, com matérias incríveis. Pensa num profissional querido, simples e determinado. Viveu como morador de rua por uma semana para uma reportagem, e em outra encarnou motoboy pelas ruas de Jundiaí. Tudo por amor ao jornalismo — e ao drama bem vivido.

Político sem fazer politicagem – Em todos os lugares, o Emerson criava leveza e profissionalismo. Trabalhamos juntos na Alesp — ele com o deputado Pedro Bigardi (PCdoB), eu com Ary Fossen (PSDB). Adversários políticos, mas colegas de respeito. Trocar figurinhas era quase um ato diplomático. Fazíamos isso por bilhetes, estilo 007. Um aperto de mão nos corredores e pronto — mensagem entregue. Nada de segredos de Estado, só bastidores de imprensa, esses que os jornalistas adoram transformar em novela mexicana.
Da Alesp, fomos parar na Prefeitura. O convite veio via Osmil Crupe, após o famoso jogo do Bigardi com a imprensa. Eu não joguei — as juntas agradeceram —, mas fotografei. Emerson mandou eu “dar uma sumida” até a posse. E lá estava eu, no dia 1º de janeiro de 2013, na missão de organizar coletiva e depois acompanhar o ato no Paço.
E o mundo, redondinho que é, fez das suas: o office boy em quem dei uns cascudos virou meu chefe. E, claro, não levou pro coração. Os meses iniciais foram intensos: nova equipe, novos secretários, pedradas de todo lado — mas seguimos firmes. Fiquei até junho, quando fui pro gabinete como secretário executivo.
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Na assessoria, chegou uma jornalista para redes sociais: Isabela Regina da Silva — a Belinha. Olhares cruzaram, faísca acesa e pimba! Namoro, noivado, casamento. Poucos anos depois, dia 17 de novembro, a festa! Entre Vingadores e a bateria da Gaviões da Fiel, o Mimi casou radiante. Eu, já no modo Heleninha Roitman incorporada, pedi um mambo (Renata Sorrah que me perdoe), peguei a bandeira do Corinthians (sou são-paulino!) e saí correndo pelo salão com corintianos atrás. Devolvi, claro — e caí no samba até evaporar o álcool. Do amor dos dois veio a Liz, a filha, orgulho do pai.
É… Emerson Moura Leite, você partiu “aos 47 do primeiro tempo”. Cedo demais pro nosso coração entender. Mas vai ver o Cara lá de cima precisava de leveza, de riso, de um corintiano debochado que soubesse narrar os bastidores do céu. A saudade é gigante. Mesmo longe, um sempre acompanhava o outro. E quando conversávamos, parecia que tínhamos nos visto ontem. Assim era o Mimi: provocador, afetuoso, impossível de não gostar.
Bom, Emerson… espero ter feito jus ao que foi trabalhar e conviver contigo. Abraços, Gato. E mia aí, onde quer que esteja.

MIGUEL ÉDI GOMES
É jundiaiense, tem 54 anos. É formado em jornalismo pela UniFaccamp e atualmente faz parte da equipe da Assessoria de Imprensa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
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