Acredito que esta será a publicação mais emocionada da minha coluna. E olha que já chorei, ri, me questionei, me senti incrível e insegura… Tudo isso enquanto digitava os tantos artigos autorais que passaram por aqui. Hoje, sinto-me tomada por orgulho e melancolia, com um fundo de luto. Esta é minha última publicação neste primeiro capítulo com o Jundiaí Agora e pensei muito sobre como seria este encerramento.
Será que deveria finalizar impulsionando mais uma vez os projetos culturais que acredito? Ou fechar com uma crítica ácida ao cenário político? Talvez algo extremamente pessoal? Refleti porque este espaço no JA foi muitas coisas. Foi muito eu. Este ser plural que quer fazer e alcançar tudo, e que deseja levar alegria, questionamento, denúncia e crítica para onde minha arte puder chegar. Por isso, concluí que o melhor caminho para este encerramento deveria ser o de revisitar tudo o que escrevi nestes dois anos de coluna. Mas não para dar uma “carteirada”. Quero compartilhar o que me motivou, no que acreditei, e o que quero deixar.
Ao abrir os quase 30 textos para relembrar, me espantei: como consegui escrever tanto, de forma tão diversa? Foram artigos com dados e estatísticas (minha tentativa jornalística), dissertações viscerais de opinião, crônicas, divulgação da cultura local, e outros que nem sei nomear. Apesar da variedade, meus textos sempre partiram de dois pilares que atravessam minha vida e trabalho: a crença na cultura local e o incômodo com injustiças dirigidas a grupos minorizados.
Sou naturalmente prolixa. Meu pensamento é rápido, inconstante. Sempre usei a escrita e a fala como ferramentas de expressão, mas nunca foram fáceis para mim. Tenho múltiplos interesses, projetos paralelos, ideias que se cruzam sem aviso. Por isso, sinto que tenho muito a dizer, mas nem sempre consigo organizar. Há quem diga que isso é culpa do meu ascendente em Gêmeos, outros dizem que é coisa de alma livre, artística. Hoje, pouco me importa a causa. O que sei é que esta coluna foi uma das formas que encontrei para atravessar esse caos criativo e aprender com ele.
Uma coluna escrita por uma mente cheia de devaneios? O resultado é, como diria minha mãe, uma mistureba. Já sobre o processo, devo dizer que escrever é curioso, demanda um tempo estranho. Às vezes, parece que estou há dias no mesmo texto quando, na verdade, são minutos. Outras vezes, passam-se horas sem que eu perceba. Rascunho, releio, apago, reconstruo.
Em diversas revisões, me vi decepcionada por não focar em um único tema. Me culpei por querer ser e fazer tantas coisas. Essa coluna, por vezes, alimentou essa autocrítica. Mas essa semana, relendo meus textos, sinto que começo a mudar esse olhar.
Essa “salada de frutas” textual foi escrita com paixão e com o desejo sincero de dar espaço a pautas e pessoas que, nesta região interiorana, raramente têm voz. Se quis ser entrevistadora, jornalista, fotógrafa foi também uma tentativa de suprir algo. Quando vi artistas, mulheres, LGBTQIA+, pessoas racializadas ao meu redor revoltadas com certos cenários, escrevi artigos de denúncia. Como aquele sobre um crime de transfobia horrendo ocorrido aqui no Estado, ou sobre o caso de feminicídio dentro da Galeria Beco Fino. Textos extremamente difíceis de escrever, e que me mostraram o quanto tem que forte um jornalista.
Outros foram duros não pela dor, mas pela raiva: como quando noticiei que, mesmo prontas, as Escolas de Samba de Jundiaí não desfilaram no carnaval deste ano. Mas nem tudo foi pesar. Quis também impulsionar pessoas e causas nobres que se perdem no noticiário em meio às manchetes ásperas.
Em Jundiaí, tantas pessoas talentosas passam por nós sem que saibamos quem são, sem que as valorizemos. Que perda imensa! Entrevistar artistas como Juliana Eva, Ariel Caê e Matheus Pethit foi um privilégio. Celebrar amigas e ‘ídolas’ ocupando o Sesc com shows inesquecíveis me encheu de esperança. Me senti crítica de arte ao falar da exposição histórica de Catendê Sarti, que me iluminou a alma.
Escrevi sobre a reabertura da galeria de Tao e Tama Sigulda, com uma pessoalidade tão grande que tornou o artigo em crônica. Trouxe a notícia da Primeira Balada Inclusiva de Jundiaí, que teve ingressos esgotados em poucas horas. Com honra, falei de coletivos como o CAIS, que cuidam de vidas trans/travestis em situação vulnerável com excelência. Quando perdemos Samy Fortes, ex-presidente do CAIS e ativista lendária, eu sofri, mas fiz questão de homenageá-la como podia.
Alguns textos foram extremamente pessoais: sobre ser uma trabalhadora da cultura, sobre a dupla jornada cansativa, sobre a necessidade constante de reinvenção. Falei sobre interseccionalidade, sobre transitar entre linguagens artísticas e como isso é libertador. Mais pessoal e opinativo, impossível.
Confesso: usei este espaço também para impulsionar meus projetos artísticos. Divulguei iniciativas do coletivo Tô de Drag, como o evento anual Drag Vibes, que busca apresentar nossa arte de forma humana. E também nossa primeira sessão de modelo vivo drag, um marco para a região.
Caso haja confusão mental em meio a diversidade de temas, há um texto que resume bem o porquê de eu ter aceitado ser colunista, mesmo com pouca experiência em escrita: o breve artigo sobre a importância de preservar a história LGBTQIA+. Nele, falo de projetos locais que prezavam manter nossa história regional viva. A intenção era clara: registrar quem somos. Sempre me desconfortou perceber que, de tanto tentarem nos apagar da história, muitas vezes conseguiram, e por isso temos que clamar por nosso espaço hoje.
Cada pessoa que mencionei, cada projeto que divulguei, foi uma forma de registro. Tentei documentar da maneira mais real possível as vivências, causas e propostas que moldam nosso cenário regional. As trocas, cada conversa, moldaram meu entendimento dessa terra rica em histórias e talentos invisibilizados.
Neste encerramento de ciclo, tudo o que desejo é que continuemos a levar nossa arte, cultura e diversidade para todos os espaços. Que possamos ir longe. E, quando as adversidades nos esmagarem, que encontremos acolhimento uns nos outros. Que jamais esqueçamos o poder do coletivo: mesmo pequeno em quantidade, ele é uma força transformadora e que vale a pena. Resistimos. Juntos.

ANNA CLARA BUENO
De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.
VEJA TAMBÉM
PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA
ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES