Os vereadores bolsonaristas de Jundiaí se regozijaram, na sessão da última terça-feira(29), ao anunciarem a implantação da primeira escola cívico-militar da cidade a partir do segundo semestre deste ano: a EE João Batista Curado, no jardim Tarumã. Só faltaram abrir uma champanha e brindar a conquista com direito a tim-tim. Fizeram discursos enaltecendo as qualidades deste modelo que prioriza a disciplina. Uma rápida pesquisa na internet mostra que as escolas cívico-militares estão longe de ser um mar de rosas ou a solução para os problemas educacionais do país. Existem casos de assédio sexual, abuso de autoridade, censura, cerceamento e punições. O Supremo Tribunal Federal(STF) liberou o funcionamento delas em São Paulo. Porém, ainda não decidiu se são constitucionais. Agora, resta saber quais vereadores de extrema-direita irão matricular os filhos na escola do Tarumã.
Paraná – O site Brasil de Fato publicou, em julho de 2023, várias denúncias de pais e alunos de escolas cívico militares do Paraná. “Em agosto de 2021, um policial militar aposentado foi preso após denúncias de assédio sexual contra estudantes de um colégio Cívico-Militar de Francisco Beltrão. Segundo informações do Sindicato dos Professores do Paraná, o caso já vinha sendo investigado pelo Ministério Público. O caso corre em segredo de justiça e detalhes não podem ser divulgados”.
Em março de 2023, uma aluna da Escola Estadual República do Uruguai, em Curitiba, foi ameaçada por ter pintado o cabelo. O site afirma que “o pai da menina, Márcio Fernando Sedlak, autorizou o tingimento. Os diretores militares, no entanto, informaram que a aluna teria que retirar a tinta, sob pena de não entrar na escola caso não o fizesse. Márcio, então, foi à escola, garantindo que a filha pudesse assistir às aulas. Ele afirmou que naquele dia acompanhou a formação da fila e viu os militares tirando várias crianças e adolescentes com cabelos tingidos ou descoloridos e colocando-os no centro do pátio. Minha filha sofria coações verbais diárias”. Os abusos cessaram após a reportagem do Brasil de Fato entrar contato com a Secretaria de Estado de Educação.
No Colégio Cívico-Militar Manoel Ribas, de Guarapuava, ocorreu caso semelhante. Um estudante de 12 anos também ameaçado de expulsão por manter seus cabelos mais compridos. “Bernardo tem cabelo comprido desde os sete anos de idade. Faz parte da personalidade dele”, conta a mãe Silvana Rocha. Conforme o site, “pressionada pela direção e frustrada com a falta de ação do Núcleo Regional de Educação de Guarapuava, a mãe procurou a Secretaria da Educação, que apontou a orientação como equivocada e contatou a escola”. Ela relatou que depois disso, o sargento que é da direção disse que vamos deixar o ‘Bernardo assim como tá por enquanto’.

O site relata ainda que dois policiais militares aposentados foram denunciados pelo Ministério Público do Paraná por crimes de ameaça e violência contra adolescentes. Eles ocupavam cargos de gestão e monitoria em um Colégio Cívico-Militar de Imbituva. “Segundo a denúncia, no dia 6 agosto de 2022, um dos militares retirou um aluno da sala de aula por ter escrito a frase ‘vida louca’. O militar o ameaçou dizendo que “já tinha matado vários”. Depois disso, ainda segundo a denúncia, o policial deu um soco na cabeça do jovem. O diretor teria acobertado o caso. Os dois teriam sido afastados”
Santa Catarina – Em setembro de 2022, de acordo com o jornal A Verdade, estudantes da Escola de Ensino Básico Ildefonso Linhares, em Florianópolis, denunciaram casos de assédio contra crianças e adolescentes. Na época, o programa havia sido implementado há apenas quatro meses. Até aquele momento 12 meninas, estudantes do ensino fundamental, denunciaram os assédios por parte de um capitão reformado do Exército. Eles organizaram um ato na frente da escola e cobraram respostas da direção(foto abaixo).

“A primeira denúncia foi feita ainda em maio, quando uma estudante resolveu buscar ajuda da secretaria da escola e denunciou o abuso. A resposta que obteve foi o silenciamento e a tentativa de amenizar a situação, contradizendo a denúncia do crime de assédio, alegando que o agressor ‘era carinhoso’ e a vítima havia entendido errado. Além da deslegitimação dos fatos ocorridos, visto que os estudantes relataram que têm ouvido em sala de aula por parte de alguns professores que, o que está acontecendo se trata apenas de “fofoca” e “mentiras” o ocorrido com a vítima”, informou o jornal. Alunos do Instituto Federal de Santa Catarina também protestaram contra casos de assédio.
Em setembro de 2022, o UOL também publicou reportagem a respeito de denúncias de alunos de escolas cívico-militares do Distrito Federal, Paraná e Rio de Janeiro. “Todas as pessoas ouvidas contaram que a relação entre policiais e professores e alunos é turbulenta e que até o conteúdo passado em sala de aula foi prejudicado após a implantação do modelo”, afirma o site de notícias. Por ocasião do Dia da Consciência Negra, estudantes incluíram charges que tratavam da violência policial contra negros. Professores relataram que o então diretor disciplinar pediu para que a equipe pedagógica retirasse o mural feito pelos alunos. “A pressão e a perseguição depois desse episódio aumentaram, relatam os educadores. Professores têm pedido licença médica, remanejamento e dizem que não têm aguentado a pressão. Segundo Miriam, a equipe disciplinar tem visto professores como inimigos”. Outro fato recorrente, de acordo com os denunciantes, é o encaminhamento de alunos para a Delegacia da Criança e do Adolescente por conta de problemas considerados menores, segundo pais e professores.
Rio Grande do Sul – O Colégio Militar de Porto Alegre, segundo o site Extra Classe, é uma instituição de ensino que emprega servidores civis e forma alunos civis. Em 2023, os docentes procuraram o Ministério Público para denunciar abusos que vêm ocorrendo no local. Os militares instalaram câmeras em salas de aulas. Também fazem censura e controle externo dos conteúdos, além de interferirem com alunos. Quem tem acesso às dependências internas durante os horários letivos pode notar um oficial circulando pelos corredores, atento ao que acontece dentro das salas. “É a primeira vez (nossos professores civis mais antigos têm 29 anos de colégio) que sofremos retaliações sobre o que ensinar, como ensinar. Tudo relacionado à forma está sendo regulado pela direção e o conteúdo de ciências humanas está sendo ministrado, em sua grande maioria, por militares. Não estão sendo renovados vagas em concursos para professores e professoras de filosofia, sociologia, história, geografia. A “escola sem partido” está totalmente partidarizada”, exemplifica outro professor que falou com o site sob a condição do anonimato. Muitos professores respondem a sindicâncias internas e também são confrontados com pais de alunos para explicar conteúdos abordados em sala de aula.
Análise – O ex-coordenador do Grupo de Pesquisa Estado, Políticas Públicas e Educação Profissional, do Instituto Federal de Educação do Paraná (IFPR), e atual professor da Unicamp, Lucas Barbosa Pelissari, disse ao Brasil de Fato que as escolas cívico-militares surgiram contexto político pós-impeachment de 2016, com a aplicação de políticas neoliberais e o fortalecimento da extrema-direita, com isso, a militarização das escolas.
”É uma plataforma bastante prejudicial a formação dos jovens, que precariza a educação no sentido da qualidade, no direito público à educação, mas com ares de fortalecimento. (…) E com isso essas escolas excluem o pensamento crítico, enfraquece a instituição escolar, e cumpre com o papel de recrutamento para movimentos ligados ao bolsonarismo”, analisa.
ESCOLAS CÍVICO-MILITARES: O QUE SÃO, COMO FUNCIONAM E PORQUÊ O GOVERNO FEDERAL SUSPENDEU O PROGRAMA???
As escolas cívico-militares foram criadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019, através do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). O programa é adaptado ao sistema tradicional de ensino público. Militares passam a ser responsáveis por todos os aspectos não-letivos da escola – organização, código de conduta, regras de comportamento, segurança e atividades extra-classe –, instaurando, em uma escola com os mesmos recursos financeiros e infraestrutura física das demais escolas públicas, um sistema que se pretende superior. Em julho de 2023, o governo Lula suspendeu o programa. A Secretaria de Educação Básica alegou que:
- o programa induz o desvio de finalidade das atividades das Forças Armadas, invocando sua atuação em uma seara que não é sua expertise e não é condizente com seu lugar institucional no ordenamento jurídico brasileiro;
- a execução orçamentária dos recursos de assistência financeira destinados às escolas do Programa ao longo dos anos de 2020, 2021 e 2021 foi irrisória, comprometendo investimentos que poderiam ser mobilizados em outras frentes prioritárias do Ministério da Educação e, salvo melhor juízo, indicando ineficiência no processo de implementação;
- a justificativa para a realização do Programa apresenta-se problemática, ao assumir que o modelo de gestão educacional, o modelo didático-pedagógico e o modelo de gestão administrativa dos colégios militares seriam a solução para o enfrentamento das questões advindas da vulnerabilidade social dos territórios em que as escolas públicas estão inseridas e que teriam as características necessárias para alcançar o tipo de atendimento universal previsto para a educação básica regular, ignorando que colégios militares são estruturalmente, funcionalmente, demograficamente e legalmente distintos das escolas públicas regulares.
Contudo, os estados tem autonomia para implantá-lo. Em São Paulo, as escolas seguirão o Currículo Paulista, definido pela Secretaria da Educação(Seduc), que também será responsável pelo processo de seleção dos monitores. Caberá à Secretaria da Segurança Pública apoiar a Secretaria da Educação no processo seletivo e emitir declarações com informações sobre o comportamento e sobre processos criminais ou administrativos, concluídos ou não, em que os candidatos a atuar como monitores nessas unidades de ensino possam estar envolvidos. Em maio de 2024, o governador Tarcísio de Freitas teve projeto de implantação do novo modelo aprovado pela Assembleia Legislativa.
No mesmo mês, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) buscou o Tribunal de Justiça para barrar a decisão de Tarcísio, argumentando que o programa implica na contratação de militares da reserva para exercer funções disciplinares nas escolas, o que pode comprometer a autonomia pedagógica e a qualidade do ensino. Para a Apeoesp, a militarização das escolas pode gerar um ambiente de repressão, violar os direitos dos alunos e professores, e que os militares não estão qualificados para exercer funções pedagógicas. O Tribunal de Justiça(TJ) barrou o projeto em agosto. Três meses depois, o ministro Gilmar Mendes, considerou que o Tribunal de Justiça de São Paulo invadiu a competência do STF ao suspender o modelo. Isso ocorreu porque a Lei Complementar 1.398/2024, que instituiu as escolas cívico-militares, também é questionada em processos que tramitam no Supremo, nas ADIs 7.662 e 7.675. Mendes, contudo, afirmou que a decisão dele não envolve o mérito do debate sobre a constitucionalidade, cujo julgamento ainda será realizado.
VEJA TAMBÉM
PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA
ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES