Estou iniciando um memorial que me foi pedido, para inscrever-me numa seleção na qual tenho bastante interesse. Escrever minha história remete-me a escrever sobre minha fé, crença, minha formação. A escolha sempre é cautelosa, em especial por ser conhecedor de cada emboscada presente em quase todas as vertentes religiosas e formadoras existentes, diminuindo minha chance de ser inocente em me apresentar.
Não caberia o disfarce da ignorância nem a frágil inocência se entrasse em algo que não se afinasse com minhas convicções: leio muito, vivo intensamente cada escolha e garimpo cada uma das coisas que se me aproximam, com total voracidade; minha intensidade não me permite vacilos nem desculpas que não me sejam consentidas, nunca agindo com falsidade ou negligência: a certeza sempre me acompanhou.
Mas vamos lá: sim, sou uma pessoa feliz, vivo tranquilo em meu sossego e paz pessoal. Morar só, em meu apartamento, é minha escolha. Não me é solidão: é escolha e paz, que cultuo com respeito e intensidade. Neste espaço entra e vem quem eu quero, enquanto eu só vou onde quero. Não me rendo a convites ou imposições, pois escolho com critérios de segurança para minha saúde mental: desenvolvi um senso apurado de escolha e não me exponho se não sentir segurança. Isto me leva a perguntar se posso escolher o tamanho e a profundidade do risco que quero correr.
É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido em pensamentos
Sobre o meu cavalo…
Sou feliz da minha forma e jeito, sempre diante de cada escolha que faço. Não idealizando: meu mundo não é maravilhoso como o fantástico Mundo de Alice, nem sou amigo do Mágico de Oz, visto que não habito um espaço mágico nem psicótico. Meu mundo físico, espiritual e mental é simples, frágil, intenso e verdadeiro, possibilitando-me curtir minhas perdas, viajar a fundo em minhas dores. Esperneio se me percebo idiotizado. Grito quando sou enganado. Brigo por “verdades sinceras” e duras. Dou risada sozinho ou na rua ou em público, na mais pura expressão de alegria e satisfação, sem vergonha de expressa meu interior.
Acredito ser essência de algo que crê e por crer, escolho com rigor: minhas escolhas são levadas a sério, quando estou com alguém, estou com este alguém até o fim, em qualquer sentido que isto possa ter. Aprendi, desde menino, a empurrar limites até o insustentável e a buscar espaços físicos e temporais para estar com aqueles a quem amo e me dedico. Se me proponho a fazer algo, faço, sem esperar que me cobrem ou sugiram que estou atrasado ou em falta ou que fiz por obrigação ou com má vontade. Se me envolvo, me esparramo, me entrego, me permito por ter consciência de que vale a pena.
Nem sempre acerto pois nem sempre estou no lugar, na atitude ou com a pessoa certa, mas se algo der errado, avalio criteriosamente e retomo minha caminhada, ainda que me custe momentos de dores íntimas e psíquicas, porém minha resiliência me move para a luta e, assim, marcho em continuidade. São inúmeras as vezes que me vejo perguntando o que me leva a agir assim? O que me faz ser essa pessoa estranha e dura em certos aspectos? Como consigo conviver com estas propostas de Vida, tão singular?
O meu pai foi peão, minha mãe solidão
Meus irmãos perderam-se na vida
A custa de aventuras
Descasei, joguei, investi, desisti
Se há sorte eu não sei, nunca vi…
Percebo que a primeira resposta é que esse sou eu. Mas, olhando mais para dentro, numa proposta intimista, eu sei que tenho uma fé inabalável. Pratico meu credo religioso com vigor e estudo. Estudo muito tudo isso, porque não quero ser pego de surpresa e desconhecer algo que me diz respeito: preciso me conhecer e me ampliar, de modo a ser melhor em minha partida (que um dia, fatalmente, acontecerá), porque as pessoas esperam que sejamos melhores e eu acredito nisso.
Mas falar em ser melhor, não é uma determinação cristã: é uma determinação humana! Não interessa por onde eu caminhe, religiosamente ou confissionalmente, a ideia é ser melhor. Como já tive oportunidade de comentar em crônicas anteriores, vim de formação católica familiar, com passagens por comunidade de jovens, equipinhas, etc. Conheci a igreja evangélica, o Kardecismo e o Candomblé e, em todas estas etapas sempre ouvi e percebi que se pregava a paz e a fraternidade, voltadas para uma mensagem que atendesse aos preceitos da religião ali pregada. Mas a questão não é a religião e sim a fé.
Então, mais uma vez entendo que é preciso coragem para assumir todos os atalhos seguidos, quando se tem uma vida pública e uma caminhada independente dos outros. Esta autonomia e escolha me custam caro, uma vez que cada palavra e cada gesto tomam um rumo absurdo e um questionamento incomensurável; não me lembro de alguém me perguntando se sou feliz ou se me encontrei; mas sou sondado porque querem saber se estou apoiando o Lula ou se pago plano de saúde ou ainda se vou continuar a trabalhar, apesar da aposentadoria e o que farei com o dinheiro (que absurdo!!!!).
Me disseram, porém, que eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar, só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar…
Tirando três ou quatro pessoas especiais da minha vida, nunca me perguntaram se estou feliz. Nunca me perguntaram se vivo tranquilo em meu sossego e paz pessoal, se sinto alegria em minha solidão e em meu silêncio. Nunca me arguiram sobre os porquês de minhas escolham e vontades, o porquê de viajar para longe sozinho e de minhas decisões solo. E até me sinto feliz por estas ausências de questionamentos, pois não sou chegado a dar satisfação aos outros. Aprendi, desde cedo, a tomar conta de minha Vida.
A curiosidade é grande e as indagações são recorrentes, mas eu creio e vivo a minha Vida, da minha maneira e sem reservas, comigo: sou intenso e coloco-me em comunhão com os que me circundam e partilham. Não faço propagandas, não creio em sorte nem acredito em castigo divino: o Deus que eu creio não tem tempo nem intenções punitivas, já que Ele é criador e me ama. Minhas dores psíquicas e meus sentimentos estão em comunhão com minha Fé, não me ferindo por errar, nem me cobrando sacrifícios incríveis.
Sou caipira, pira, pora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida…
Nunca fui afeito ao fanatismo, apesar de reconhecer que exista e que se torna quase que um hábito, entre praticantes de credos religiosos. Mas a falta de estudos e de conhecimento é uma constante num grande núcleo de qualquer comunidade religiosa, apesar de não me atingir e me fazer ser um peixe fora do aquário. Lamento, mas não me rendo: sem fanatismo, com muito conhecimento, certeza e fé, assim procuro me nortear. Ter a certeza que renasço a cada dia, a cada olhar no espelho, a cada interiorização me dá mais prazer em viver, acolhendo-me e acolhendo aos meus comigo. Isto me faz impertinentemente feliz.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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