Escritor mora em Ribeirão e vive vive ‘VIRTUALMENTE’ em Jundiaí

Três horas e 260 quilômetros separam Jundiaí de Ribeirão Preto. O escritor Emerson Cássio Gáspari, de 49 anos, é jundiaiense e mora há 33 anos na ‘Califórnia brasileira’. Mas nem a distância nem o tempo fazem Gaspari esquecer a cidade natal. Ele costuma dizer que ‘vive virtualmente em Jundiaí. E acabou de escrever um livro que relata sua infância na cidade. Nesta entrevista, o escritor – que acompanha o ‘Jundiaí de Antigamente todos os domingos – deixa claro que não é feio ser saudosista:

Vem sempre para Jundiaí?

Com uma situação financeira apertada, vou pouco à cidade. A média de uma vez por ano: geralmente quando lanço meus livros aí, depois de lançá-los aqui. Em alguns deles, fico explicitado o amor e a saudade infinita que sinto da minha terra natal. Quando digo que “vivo virtualmente em Jundiaí” é porque, mesmo após três décadas aqui, nunca me desliguei; muito pelo contrário: não há um único dia em que eu não lembre com carinho de minha cidade; até porque ouço programas na Rádio Difusora e tenho muitos amigos novos ou antigos, que converso via Facebook. Leio as notícias daí, diariamente no computador e procuro participar de tudo(assim como fiz, no Jundiaí Agora!), pois passo quase todo o tempo em casa, atarefado com meus livros. Então… também sou torcedor fanático do Galo: costumo brincar, dizendo que virei “tricolor” aos sete meses de vida, quando meus pais me levaram, ainda bebê, para recepcionar os heróis jundiaienses que chegavam vitoriosos, com o título da 2ª Divisão invicto, de São Paulo, na Praça das Bandeiras. Mas falo sério quando me considero “o maior torcedor do Paulista e o maior jundiaiense, fora de Jundiaí”.

Como convive com a saudade?

Tenho um grande amigo aqui, o Sr. Mário Pellizzari, de 78 anos, cujos pais nasceram onde depois foi fundada Itupeva, que bate no peito e repete que é “paulistano de nascimento e jundiaiense de coração” e também torce pelo tricolor. Cultivo hábitos que me remetem à cidade sempre, como pedir à alguém que passe por Jundiaí, para que me traga uma “Turbaína” (Zero, pois sou diabético!), pois vivi na avenida Dr. Cavalcanti, rua onde fica a Ferraspari e onde o caminhão de refrigerantes passava vendendo o produto direto ao consumidor, todos os sábados, pela manhã, nas inigualáveis garrafas de vidro. Até hoje, sei cantar de cor o hino de Jundiaí, que aprendi no Catecismo, na inesquecível gravação de 1966, na voz de Aguinaldo Rayol. E guardo objetos e matérias que me ligam à querida “Terra da Uva”. A saudade que sinto de Jundiaí é tamanha, que muitas noites, com a insônia provocada pelos problemas, não conto carneirinhos: ao invés disso, imagino-me flutuando ao sabor dos ventos, naquele momento, como uma asa-delta, sobre a cidade, de madrugada. Minha fantástica imaginação providencia tudo em riqueza de detalhes e assim, após alguns instantes, consigo finalmente adormecer em paz.

Do que mais sente falta?

Obviamente sinto maior falta da Jundiaí de ontem do que a de hoje, já um pouco contaminada pelos vícios sociais que o progresso trouxe. Como esquecer de homens como Joseph Pfulg? Sidney Mazzoni? Pedro Geraldo de Campos? Tobias Muzaiel? Hélio Luiz Lorencini? Geraldo Tomanik? Dos prefeitos Pedro Fávaro e Walmor? Do Carlitos jundiaiense? Da “Maria dos Pacotes”? Como ignorar meu colégio, o Divino Salvador, com professores maravilhosos como Chico Poço, José Maria Magalhães Filho, Eva Kump? Uma segunda casa para mim e que moldou o meu caráter, mais até do que a família? Como esquecer da querida Ponte Torta (estou tentando comprar uma réplica, inclusive, mas não tenho tido sucesso!), do Spiandorello, da Galeria Bocchino, da Festa da Uva, do Bolão? Dos gols de Ricardo Diabo Loiro e das cestas de Magic Paula? Do Jayme Cintra lotado, cantando ‘Galo, Galo, Galo’?

VIRTUALMENTE
Paixão pelo Paulista: o escritor e o treinador Vagner Mancini, campeão com o Galo na Copa do Brasil de 2005

Por que não volta a morar em Jundiaí?

Meu desabafo é na verdade, uma declaração de amor à uma cidade para onde um dia haverei de voltar. Daí dizer (com seriedade) que, no dia em que eu falecer, caso não esteja morando em Jundiaí ainda, que meu último desejo é ser cremado e ter as cinzas lançadas em Jundiaí, um pouquinho em cada canto: no terreno da casa onde morei (já demolida) e que já tentei de todas as maneiras, obter uma foto (no endereço de minha vida: avenida Dr. Cavalcanti, 976 – fundos), no colégio onde estudei, nas proximidades da Catedral e a maior parte, no gramado do Jayme Cintra. Se você leitor, rir destas minhas declarações, tenha uma certeza: ou não nasceu nesta cidade abençoada ou realmente é um filho ingrato e insensível. Não são lembranças pueris: fazem parte do meu dia-a-dia. Como os filmes que assistia no cinema, os gibis que comprava no calçadão, as missas aos domingos que assistia na Catedral, os passeios nos supermercados da cidade, a lembrança das fabriquinhas de maria-mole nos bairros, exalando aquele cheiro adocicado tão agradável, o prazer de acompanhar minha mãe às feiras-livres, de ir nadar no São João e na Esportiva, de dançar no salão do Grêmio, de ficar observando, ainda menino, os jovens adentrarem à Discoteca “Signus” (defronte a minha casa), com suas calças boca-de-sino, cabelos “black-power”, medalhões pendurados no peito, ao som de ABBA & outros, além de dezenas de outras coisinhas menores, que não saem de minha mente, insistentemente recordadas por meu coração jundiaiense. Se vocês acham que isso é loucura, aprendam que isso é o que se chama convencionalmente de “saudosista”, algo cada vez mais em extinção, numa sociedade que só enxerga o presente e o futuro, desprezando a riqueza que seu passado pode oferecer.

O senhor está escrevendo mais um livro?

Estou escrevendo meu sétimo livro. Sou o recordista de livros de futebol do interior em menor período: lancei cinco obras em 1017 dias (precisava ajudar nas despesas do tratamento de câncer que acometeu minha esposa, felizmente resolvido). Milton Neves e Fernando Soléra fizeram o prefácio dos dois primeiros. Adilson Freddo escreveu o do quinto. O sexto livro não é sobre futebol: é sobre minha família; conta experiências de 150 anos que alguns parentes tiveram. Cada capítulo um parente-personagem e um ensinamento, uma lição de vida. Sou um escritor independente, que vende seus humildes livros, pelo Facebook ou e-mail. Neste sexto livro, “Reflexões de um Saudosista”, escancaro minhas “memórias afetivas”, desde a primeira, em setembro de 1971, quando eu, com quase três anos e meio, sofri uma brutal separação de meus avós (que haviam me criado até então), na estação ferroviária de Jundiaí.

VIRTUALMENTE
Recordista: o jundiaiense que mora em Ribeirão Preto é o escritor que mais escreveu livros em um curto espaço de tempo

Como foi a sua infância?

Minha infância em Jundiaí foi intensa; magnífica, divina e como puderam perceber aqui, verdadeiramente inesquecível. Vivo a vida com sensibilidade apurada, intensa, como se fosse morrer em breve. Não me atrai a tecnologia e o tempo que ela rouba das pessoas, fazendo-as verdadeiros “zumbis” pelas ruas, com um celular na mão. Sou de uma geração que não ficou “vendo a banda passar”, como se dizia. A vida fútil que as pessoas levam hoje, destoa do mundo em que cresci e me fiz pessoa, cidadão. Quando vocês me perguntam o que havia de melhor e pior na cidade, sou forçado à responder: tudo o que descrevi era “de melhor” e apenas uma coisa “de pior”: o dia em que forçosamente tive de acompanhar meus pais, para outra cidade. Neste dia, torci para que as coisas dessem certo (embora não tenham dado!), mas não deixei Jundiaí se apagar dentro de mim. Já fui matéria de TV, sites e jornais, por meu amor desmesurado por minha terra, mas não importa: quem dá à estas matérias um tratamento jocoso ou carrega no sensacionalismo (e sei perceber isso fácil, pois cursei jornalismo até o fim, embora não tenha obtido o diploma, por não ter conseguido pagar os últimos meses de mensalidade) não merece o respeito de seus telespectadores ou leitores mesmo que estes não se apercebam).

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Como são seus dias em Ribeirão Preto?

Hoje, vivo aqui para não ficar longe de Barretos (localidade próxima, onde minha esposa comparece periodicamente para exames de verificação do câncer tratado) e por uma condição financeira instável, fruto das inúmeras oportunidades que me negaram aqui. Mas um dia, se Deus permitir, haverei de voltar em vida! Respirar o ar da Serra do Japi, tomar uma Turbaína geladinha e degustar uma coxinha de queijo! Neste dia, muitas lágrimas descerão pelo meu rosto, mas o coração estará recompensado e todos vocês que tiveram a paciência de ler este depoimento até aqui, serão testemunhas. Aliás, quem quiser, pode me requisitar amizade no Facebook… com certeza, você encontrará muitos conterrâneos lá!