Como é estranha a projeção dos outros.. Mesmos os amigos que nos conhecem bem, de uma certa forma, ainda que velada, despejam suas projeções sobre nós. As vezes elas vêm em forma de cobrança, sutil, delicada, sensível, porém incisiva e direta: você não escreveu sobre o Dia das Mães e nem falou da morte da Rita Lee. Realmente, caprichosamente, não o fiz, por acreditar que algumas situações são eternas e outras são marcantes pela própria razão de ser, mas vamos a elas.
Comecemos pelo Dia das Mães, daquelas que nos conduziram por todo espaço do Mundo concreto e abstrato, uma vez que elas nos guiaram desde o nascimento até o momento em que cada um tomou sua direção, seja esta direção aquela que for. Esta concretude nos deu base para um conhecimento do Mundo, geralmente diferente daquele que elas gostariam que conhecêssemos, afinal, qual mãe gostaria que seu filho tivesse contato com moléstias, desgraças, maldades e infortúnios?
Das mais ricas até a mais humildes das mães, todas sonham com seus filhos firmes e fortes seguindo a Vida com tranquilidade e firmeza, sem vacilos e sem descaminhos: para elas, todos serão grandes homens. Não se conhece, na história da humanidade, uma situação em que a mãe desejou um infortúnio à sua cria e isso fez com que ele se perdesse em ações degradantes. Elas estão sempre ao lado, tentando, a todo custo, garantir o melhor lugar e a melhor oportunidade aos seus. Mesmo que seja uma missão impossível.
Depoimentos são claros e expressivos, relatando os sonhos e os sacrifícios empenhados para que aquela criança tenha seu crescimento e desenvolvimento dentro de uma linha de eficiência e eficácia, nem sempre possível naquele contexto, porém são sonhados e são empenhados. Alguns conseguem se safar e driblam as impossibilidades com maestria, desenvolvendo uma resiliência nunca vista. Florescem no espaço mais insalubre do universo.
Outros, no decorrer do trajeto, não desenvolvem a habilidade social de se esquivar e acabam dando encontrões em propostas mais fáceis, situações mais duvidosas e descaminhos mais tentadores. Acabam por não avançar e se envolvem em propostas danosas, que marcam suas Vidas de maneira dura e sem brilho, derrubando por terra todos os sonhos e todas as boas perspectivas empenhadas.
E as mães? Tanto as mães dos exitosos como as mães dos menos exitosos continuam sendo mães e continuam acreditando que suas orações, preces, pedidos, vibrações serão atendidas e que tudo se transformará como num passe de mágica. Todos os filhos serão bem sucedidos. As mães são uma fábrica poderosa de Esperanças. Todas elas. Não há mãe que desista de seu filho, por qualquer que seja o problema que ele tenha criado: ela sempre acredita na vigésima quinta hora, momento em que o milagre acontecerá.
Ela está ao lado do filho no sucesso, na angústia, na dor, na vitória, na prisão, na viagem, no hospital, na Vida e na Morte. Sempre ao lado. Sempre acolhendo e sempre protegendo. E ela sempre espera pela missão bem cumprida e pelo bom desempenho, ainda que as evidências sejam contrárias. Oh, mães…quanto amor por nós, seus filhos. Penso, mesmo que talvez nós não sejamos os filhos que elas teriam escolhido, mas ainda lutam por nós. E nós, que tivemos de tudo e que recebemos tudo, lutamos por elas?
Quantos são os filhos que acompanham suas mães até os últimos suspiros? Quantos são os filhos que acolhem, orientam e ajudam suas mães em situações de rotina e em situações mais difíceis, como uma doença terminal ou uma doença degenerativa, sem abandoná-las em retiros, hotéis de idosos e asilos? Mesmo diante das dificuldades, elas estão ao nosso lado, diferente de nós que, frente ao primeiro obstáculo, terceirizamos a relação. Duro e triste dizer isto, mas é o desenho da sociedade atual.
E a Rita Lee? O que poderíamos falar de uma artista que quebrou paradigmas e alterou a moda, os costumes e a música brasileira? Ela, como outras também, foi pioneira num momento histórico brasileiro onde a regra era o silêncio e as emoções eram para ser vividas caladas. Não se expressava porque a censura contextual não permitia que se vivesse livremente, e ela…bem, ela vivia muitíssimo bem, obrigada.
Seu carisma não é coisa do seu período final, mas sempre se sobressaiu de forma que ela encantava pela voz, pela melodia, pelas letras e pela presença: ela era a musicalidade dela. Portanto, imponente e livre, transformando músicas em poesia e prosa, mas, acima de tudo, exercendo o direito de ser mulher e mulher livre. Estupendamente dona de sua história soube escolher momentos e locais para abrilhantar as nossas Vidas e, com isso, escolheu sua forma de morrer, que foi atendida pela família e amigos íntimos.
Rita Lee soube ser suave, quando a ocasião pedia suavidade e soube ser truculenta, quando a truculência brotava a sua frente: era inteligente para saber o momento certo de se expor e de fazer troças com seus algozes: não temos nenhuma passagem de sua Vida em que possamos dizer que ela se acovardou. Nem mesmo diante desta brutal doença que a acometeu: ainda diante disto, ela traçou suas estratégias e as cumpriu, com igual rigor, como vivera.
Sempre altiva, sempre serena e sempre perspicaz. Estas eram qualidades que a tornaram uma estrela de primeiríssima grandeza. E como tal, deixou o palco da Vida brilhando. Vejo-me sentado diante de meu notebook pensando em algo que me fascinava nela e, espero ter o dom e a graça de poder viver, numa outra dimensão:
Se Deus quiser/ Um dia eu quero ser índio/ Viver pelado, pintado de verde
Num eterno domingo
Ser um bicho preguiça/ Espantar turista/ E tomar banho de sol
Banho de sol, banho de sol, sol
Se Deus quiser/ Um dia acabo voando/ Tão banal, assim como um pardal
Meio de contrabando
Desviar do estilingue/ Deixar que me xinguem/ E tomar banho de sol, banho de sol
Banho de sol, banho de sol
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Diretor técnico da Clínica de Psicologia da Faculdade de Psicologia Anhanguera, onde leciona na graduação.
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