Minha passagem pelo fã-clube de uma banda dos anos 80

fã

Anos 80. Não havia internet e os fã-clubes de artistas ajudavam a movimentar as correspondências nos Correios. Eram cartas e cartas trazendo as novidades do ator, atriz e principalmente cantores, músicos e suas bandas. Era aquela emoção ver um envelope do fã-clube na caixa de correspondências. O que estaria lá dentro? Nunca fui de ter ídolos, nunca fui fã de ninguém, por mais que admirasse determinados nomes do mundo artístico, suas obras. Mas como sempre me interessei em conhecer de tudo um pouco, fui membro de um fã-clube de uma famosa banda de rock nacional nos anos 80… é isso que contarei no decorrer destas linhas; minha experiência, aprendizados e reflexões da época, trazidas para o “culto” aos artistas que hoje presenciamos. O que mudou de lá para cá no conceito fãs e fã-clubes?

Titãs. Era a banda que apreciava, não só pelo estilo do som, mas principalmente o conteúdo das letras. Naquelas décadas os compositores se dedicavam semanas, meses trabalhando as letras. Eram mensagens subliminares extremamente criativas, ou então histórias cantadas, como do personagem Marvin, que inclusive me inspirou a escrever o primeiro livro. Foi o que me levou a escolher o fã-clube dos Titãs para participar; as letras de Marvin e Comida, que denunciavam os apuros das camadas mais necessitadas da população para buscar o pão de cada dia. No fã-clube, que posteriormente fui conhecer seu presidente, numa cidade do interior paulista, não apenas recebia fotos e recortes da banda, mas também convites para organizar grupos para ir aos shows pelo país, e comentávamos sobre as letras, fazíamos análises, o que gosto de fazer até hoje.

Numa época que tanto artistas como fãs pegavam em papel e caneta, a reflexão fluía calmamente, e podia se manifestar até através de desenhos. A parafernália nos palcos ainda engatinhava em se tratando de tecnologia, então o artista revelava seu potencial na voz, na qualidade de seu trabalho artístico, fruto de muita dedicação e inteligência. O som trabalhado levava o público a mergulhar no tema abordado naquela música. “Homem Primata”, por exemplo, abriu a mente para o questionamento acerca do capitalismo selvagem, a competição predatória, o vale-tudo por dinheiro, que dominava as mentes, levando as pessoas a se perderem na ética e no respeito. Letra e som que estavam distantes da força bruta vinda depois com os rappers, mas estimulavam as massas. Já o som mais pesado coroou o lançamento do álbum “Cabeça Dinossauro”, cuja música de abertura, em apenas três expressões deixava no ar a mensagem subliminar. Curiosamente foi a música mais aplaudida numa das turnês internacionais, pois foi uma mescla de instrumentos que envolveu o público, misturando o rock com ritmo tribalista. Inovações. Em apenas dois minutos de som e três expressões, atingiram o objetivo com a mensagem carro-chefe da banda, que é reflexão sobre o sistema social, ou, sistema político, pois a sociedade gira em torno de manipulações políticas.

“O blésqblom” veio depois, surpreendendo o público com a abertura na voz de um sertanejo e sua esposa. Os músicos da banda iam a campo coletar dados e formar as inspirações para suas novas composições. Esses detalhes característicos e marcantes da banda me seguraram por um bom tempo como membro do fã-clube, único que participei; tive um por dez anos naquela década, mas não era classificado como fã-clube, era apenas clube de colecionadores de material referente a transportes. Como membro de um fã-clube de banda, aprimorei meu trabalho intelectual na literatura e nas composições musicais, digamos, revolucionárias, que quebravam o tradicional sem cair na vulgaridade, na apelação. Mesmo naquelas canções que muitos podem questionar “mas isto é composição, é letra?” Exemplo a “Nome aos Bois”, onde a banda cita os nomes “odiosos” da época e da História. Melhor assim, do que usar os palcos para militância, como passamos a presenciar após a chegada do mundo virtual e da nova geração, Z e “Millenial”, que levou no embalo até alguns da “velha guarda”.

VEJA TAMBÉM

ROMANTIZAÇÃO

SOMBRAS PERSISTENTES DO PASSADO

JUNDIAÍ E SUAS DOZE CIDADES

Fã-clubes continuam existindo, mas muito diferentes daqueles, da época das cartas e do colecionismo de material físico em álbuns e estampados pelas paredes. Muitos presidentes daqueles clubes transformavam suas residências numa biblioteca, num memorial do artista, promoviam encontros, reuniões, faziam sorteios de brindes… e até conseguiam patrocinadores. O esforço para dar conta de membros em todo o país (e até fora do país) via cartas, telefonemas, coletar caixas e caixas de material composto por fotografias, revistas, jornais, obrigava os presidentes a elaborarem uma organização diária, horários predefinidos, como numa empresa. Era realmente trabalho, que exigia critério. Olhando a realidade hoje, vejo não só uma zona de conforto, como falta de organização e consequentemente perda dos valores, que começa na bagagem que boa parte dos novos artistas. ou, “artistas” trazem. Trabalha-se mais os videoclipes, os adornos do cenário e a roupagem do “artista” do que o conteúdo artístico. Quando tivemos, por exemplo, outra composição como Marvin, onde é descrita a vida do rapaz pela sobrevivência? Talvez em algumas composições de Rap anos atrás. Atual, não vi nada similar. Afinal, vejo nos fã-clubes contemporâneos muita adoração à figura do “artista” e pouca análise do valor de suas produções. Aliás, parece que analisar incomoda. Por isso cria-se premiações com novas categorias, onde se questiona sua importância de passar a existir. E isso em nível mundial. Efeito globalização? Ou efeito “globalismo”? Descobriremos lá na frente. Tudo o que está oculto uma hora será revelado. A modernização é inevitável. Seguimos em frente. Mas as boas produções, recheadas de valores realmente artísticos, não morrem… assim como as flores de plástico não morrem.(Foto: Mercado Livre)

GEORGE ANDRÉ SAVY

Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.

VEJA TAMBÉM

PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA

ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES