Quem aí está “À Procura da Felicidade”? Coloquei entre aspas o título do filme de 2006(foto), protagonizado por Will Smith, que conta a história de Chris Gardner, um afro-americano em falência financeira que, a partir do próprio esforço pessoal, supera as dificuldades e se torna um milionário. Trata-se de um ícone dos manuais de autoajuda e desenvolvimento pessoal.
Conforme apresentado no roteiro, o nome do filme é uma referência tirada da declaração de independência dos Estados Unidos, escrita em 1776, que diz: “Todos somos iguais, e temos os mesmos direitos… a Vida, Liberdade e à procura da Felicidade”. A frase traz uma sutileza interpretativa.
Notem que a garantia de direitos não se refere diretamente à felicidade, mas a sua busca. Nesta perspectiva individualizante, a felicidade passa a ser responsabilidade de cada pessoa, independente das condições externas estarem favoráveis. Aliás, se as condições externas forem desfavoráveis, este modelo espera que os indivíduos realizem uma manobra de voltar-se para dentro si, resgatando assim as forças interiores.
Como a felicidade se tornou um fenômeno de massas, um imperativo em nossa sociedade atual, formou-se uma indústria multibilionária do bem-estar e da realização pessoal. Sim, a felicidade virou uma mercadoria. Pseudocientistas e outras pessoas que se dizem especialistas em felicidade, oferecem livros, cursos e aconselhamentos, prometendo felicidade e sucesso. Na grande maioria dos casos, só funciona para quem os vende, não para quem compra.
Fiz um exercício no site da Amazon, seção de autoajuda, buscando livros com a palavra-chave “felicidade”. Na virada do século em 2001, havia 85 títulos. No ano da crise financeira mundial, em 2008, já somavam mais de 300. Atualmente, a mesma busca traz mais de 6 mil resultados. Com títulos impactantes e promessas sedutoras, oferecendo soluções descomplicadas e acessíveis, as autoras e autores revelam os caminhos secretos da felicidade, do sucesso e da plenitude.
Mas a felicidade pode ser conquistada por meio de instruções, regras ou procedimentos? Se as pessoas seguirem fielmente as receitas de autoajuda, alcançarão a plenitude? As estatísticas revelam que não. Eis o paradoxo: nunca tivemos tanta oferta de livros, cursos, coaches e demais especialistas em felicidade, como nas últimas duas décadas, ao mesmo tempo em que o período tem sido marcado pelo aumento contínuo dos transtornos de humor, tais como ansiedade e depressão.
O professor Christian Dunker argumenta que, após o final da Segunda Guerra, em menos de 40 anos, “a depressão passou de uma coadjuvante tardia no grande espetáculo da loucura […] à condição de atriz principal e diva preferencial das formas de sofrimento de nossa época”. Ele chamou este fenômeno de “hipótese depressiva”. A solução passa por um processo psicoterapêutico, nunca pela autoajuda.
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De alguma forma, essa cultura que privilegia a ação individual, egocêntrica e narcísica como estratégia para conquistar felicidade, acaba afastando as pessoas do senso de comunidade, de pertencimento, tão importantes para um sentimento de felicidade e bem-estar. Ao transformar o “Eu” e a “vida interior” nos únicos horizontes capazes de oferecer um sentido e uma direção, o individualismo dissipou as estruturas que tradicionalmente conectavam a vida das pessoas a uma noção social maior, de sentido e propósito.
Assim, as pessoas miram na felicidade, mas acertam a tristeza. A autoajuda da felicidade criou um ciclo vicioso. Para se livrar de estados emocionais vulneráveis, as pessoas consomem autoajuda que, por sua vez, intensificam a angústia. A frustração, o isolamento e a solidão produzem mais sofrimento. Por isso que a felicidade, mesmo sendo desejável, não pode ser o objetivo. Se tiveres sorte, ela será uma consequência fugaz, inesperada e, principalmente, compartilhada.(Foto: Divulgação)

MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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