Nunca haverá repórter policial como FERNANDO DIAS

fernando dias

Todos os dias Jundiaí acordava com o vozeirão do repórter policial Fernando Dias. Nas rádios em que trabalhou, ele era uma estrela. Afinal, quando estava no ar, a audiência ia às alturas. Terminava os boletins sempre com o mesmo jargão: “amanhã estaremos de volta se Deus quiser. E ele quer”. Fernando também era o setorista nos jornais, responsável por uma página inteira de notícias todos os dias. E ai de quem dissesse que um anúncio iria roubar espaço de suas matérias. Virava bicho. Fernando Antônio Bonetti Dias, que morreu no dia 26 de junho de 2010, não era formado numa faculdade. Era forjado pela vivência nos distritos policiais e leitura dos boletins de ocorrências, inquéritos e denúncias. A cobertura de tudo o que acontecia nas delegacias de Jundiaí e região era integral. Ele estava ‘on’ 24 horas. Eram tempos em que as centrais de atendimento da Polícia Militar, Bombeiros, PM e Polícia Civil ficavam na cidade. Não era incomum o policial perguntar, às 2 ou 3 da madrugada, se ele estava dormindo. É claro que estava. E a resposta era espirituosa: “Não estava não. Estava sentado, ao lado do telefone, esperando você me ligar”. E, mesmo de madrugada, se telefonassem, lá ia o Fernando até o local do assassinato, acidente grave ou incêndio com seu bloquinho de anotações, gravador e máquina fotográfica. Ah, ele também dirigia o carro da empresa ou o veículo da família para chegar até o local da ocorrência. Era um profissional 4×1, generoso e leal. Compartilhava informações com o repórter do jornal ou rádio concorrentes. E avisava quando tinha uma informação exclusiva.

Quando ligava na redação e percebia que um repórter novo estava do outro lado da linha, costumava se identificar como “major Bonetti”. Era uma espécie de trote já que a pessoa que falaria com Fernando diria ao ‘foca'(os novato das redações), depois de desligar o aparelho, que o major iria processá-lo ou algo do gênero. Entre os colegas com mais intimidade era chamado de ‘Bié’. No dicionário, esta palavra quer dizer ‘pessoa ingênua, fácil de enganar’. O significado, porém, nada tem a ver com Fernando Dias. Ele discutia de igual para igual com policiais e delegados. Sabia o Código Penal de cor e salteado. Mas isto não o impediu de dar um fora que se tornou história recorrente nas redações. No início dos anos 1990, no plantão policial que ficava ao lado da Delegacia de Investigações Gerais(DIG), no Anhangabaú, o repórter copiava os boletins de ocorrência. Ao lado dele, um investigador lia atentamente a página social de um jornal. Até que o policial perguntou: “Fernando, o que quer dizer ‘eclético’?”. O papa das notícias sanguinolentas deu uma tragada e com o olhar parecido com o da foto principal deste texto(acima), disparou uma saraivada de palavrões. “Você quer saber o que é ‘eclético’? Eclético é um #@!XX#. É também *&&*$$#@ e *%$@@#”, disse. O policial olhou para o jornalista e respondeu seriamente: “Tudo isso que você falou está certo porque o jornal está dizendo que o eclético repórter Fernando Dias está fazendo aniversário hoje”. Até quem esperava para ser atendido riu…

O tempo passou, as páginas dos jornais amarelaram e começaram a ser trocadas pelas telas dos computadores, os repórteres aposentaram as máquinas de escrever, os rolos de filmes foram trocados por máquinas digitais. Fernando Dias obviamente envelheceu. E os problemas de saúde foram chegando. O coração foi o primeiro a dar sinais. O repórter policial, que sempre andou armado, fumava muito. E quando vinham com conselhos, a ironia dele se fazia presente. “Fernando, pare de fumar. Você está morrendo aos poucos”, falavam alguns ‘tiras’ para ele. E Fernando respondia: “Tudo bem. Eu não tenho pressa para morrer”. Também tomava muito café. Quando a garrafa térmica ficava vazia, gritava: “Teresa(a esposa dele), traz mais café”. E dona Teresa saia da cozinha, pegava a garrafa e a abastecia numa rapidez jamais vista.

Depois do coração, o diabetes gritou alto e o jornalista teve parte de uma perna amputada. Só que não perdeu a vontade de trabalhar. Montou uma redação na casa onde morava, na rua Bela Vista, com direito a fax, computadores e até rádio que rastreava as frequências dos órgãos de segurança. Ele parou de ir às delegacias. As delegacias é que passaram a ir até um Fernando Dias de cadeira de rodas e que não gostava da prótese. Os próprios policiais levavam cópias dos BOs e fotos. Aproveitavam para ficar um pouco e prosear. Algumas vezes, se a notícia fosse muito boa, ele dirigia apesar da deficiência. Fernando Dias acabou sendo vítima do próprio coração e virou notícia nos principais veículos de comunicação locais e das cidades vizinhas.

O Jundiaí Agora perguntou para alguns jornalista ‘das antigas’ se tinham alguma história envolvendo Fernando Dias. Confira:

Hoje assessor de comunicação, Miguel Edi Gomes conta que acompanhou o repórter policial na cobertura de um acidente na rodovia dos Bandeirantes. “O Fernando dirigia uma Variant azul que era dele. Pegamos a alça de acesso da dom Gabriel. De repente, ele cismou de colocar filme na máquina. Só que ele não parou no acostamento para fazer isto. Mandou que eu segurasse o volante em plena curva para acessar a rodovia”, diz. Edi também lembra das guerras de bola de telex que aconteciam na redação. “Para quem não sabe o telex era uma máquina que funcionava o dia inteiro. Fazia um barulho infernal e imprimia as informações enviadas por agências de notícias. O papel tinha praticamente a largura de uma folha de sulfite. As bolas feitas eram compactadas com folhas e mais folhas e depois enroladas com durex. Algumas chegavam a pesar quase meio quilo. Só que o Fernando Dias, ao invés de jogar uma destas bolas em mim, lançou um copo cheio de água”.

Valéria Nani, que também foi repórter policial, relembra o acidente que sofreu com o carro do jornal. “Foi na estrada da Van Melle, no meio da madrugada… Não tinha sinal de celular. Eu estava indo para o local de encontro de cadáver. O Fernando e os policiais me esperando e eu acidentada na estrada de terra. Ele ficou preocupado, voltou para me procurar porque sabia que eu não falhava. Fui socorrida por ele. Ficou esperando a chegada do guincho, armado, porque o lugar era sinistro”.

Marco Antônio Sapia, editor do Jundiaí Agora, lembra um episódio que poderia ter acabado em morte. “Quando o delegado Paulo Bicudo assumiu a Seccional de Jundiaí, que ainda ficava na rua Prudente de Moraes, chegou mostrando serviço. Mandou os policiais abrirem os próprios armários e num deles encontrou objetos furtados. Ele fez questão de chamar a imprensa para contar o que tinha acontecido e quais seriam as providências que tomaria. Os dois jornais deram a notícia. No dia seguinte, eu e o Fernando estávamos na cozinha da Seccional, tomando café, quando um dos policiais acusados por Bicudo apareceu e, completamente transtornado, pegou a arma que carregava na cintura e a apontou para nós. Foram segundos angustiantes: o ‘tira’ gritava que a imprensa tinha destruído a vida dele e que iria nos matar. E nós, mudos e pálidos, só olhando o revólver indo de um lado para o outro. A cena não levou mais do que um minuto, até que um outro policial apareceu e dominou o primeiro”.

O ex-repórter fotográfico Mário Vassalo lembra que o ‘major Bonetti’ era respeitado pelos policiais e também pelo Exército que o homenageou várias vezes. “Ele passava na minha casa, de madrugada, dirigindo uma Variant II, para fotografar uma ocorrência. Com ele não tinha tempo ruim”.

Nelson Manzatto escreveu no JundiAqui, em 2020, um artigo sobre o repórter policial. “Fernando Dias tinha um problema sério: a diabetes não o deixava em paz e ele não conseguia lutar contra ela. Aliás, aceitava-a com a maior tranquilidade. Tanto que começou a ficar difícil a passagem dele pela redação: foi operado dos dois calcanhares, fazendo com seus passos fossem transformados numa caminhada de cadeira de rodas. Depois, veio a cirurgia que lhe amputou parte de uma das pernas, mas isto não o impedia de dirigir e de ir em busca da informação. Fernando era assim: apaixonado pela notícia!

Equipe esportiva da Rádio Difusora em Santos, 1973: Luiz Antônio, Wilson Martins, Luís Geraldo, Fernando Dias e Hélio Luiz. Fonte Jornal da Cidade. Pesquisa e acervo Mateus Ferreira

Atenção para o tamanho do gravador do repórter!

Em outubro de 1987, as primeiras policiais militares femininas começavam a trabalhar em Jundiaí. A tenente Vanda e a cabo Margarete foram entrevistadas por Fernando Dias

Fernando, o delegado Djahy Tucci Júnior(de gravata) e o também repórter policial Gil Gomes, falecido em outubro de 2018. Gil veio a Jundiaí pelo programa ‘Aqui Agora’, do SBT

Na foto acima, tirada numa delegacia dos anos 1980, alguma policial tenta mostrar a arma que o jornalista portava

Fernando também era responsável pelas transmissões das sessões da Câmara de Jundiaí. Na foto acima ele provavelmente está sendo informado de uma ocorrência policial…

Com os ‘tiras’, bom relacionamento: Fernando era respeitado por policiais civis, PMs, bombeiros e guardas municipais

O jornalista sentava na mesa dos investigadores e anotava os detalhes das ocorrências. Esta, da foto, provavelmente é de uma apreensão de armas e munições feita pela PM

Esta imagem, só Deus e o próprio Fernando Dias poderiam explicar: ele, apontando uma arma para a cabeça do Homem-Morcego. Que ‘Bat mistério’…

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