Vivências de FOME E FÉ

A moça é de vivências de fome e fé, desde pequenina, tanto em sua terra natal no Nordeste, como do lado de cá. A fé não aplaca a fome, mas impede que o coração murche.

Aconteceu em um dia desses. O gás acabou e ainda não era tempo do salário chegar. Combinou com o filho mais velho para ir à casa de um colega de escola e, no caminho, deixar o mais novo na casa de um amigo. Por certo, lhes ofereceriam almoço. Pelas dificuldades financeiras, fica difícil completar a cesta básica e, ainda, adquirir produtos de padaria, frutas… Ao final da tarde, ao sair do trabalho, onde trabalha na limpeza, avisaram-na sobre o décimo terceiro depositado. Emocionou-se. Não tinha dúvida de que era Deus que ouvira a súplica de sua alma de mãe. É testemunha, nessas suas três décadas de vida sofrida, de que Deus dá um jeito.

Na porta do banco, em que foi buscar o valor, estava um homem esquálido, ao lado de um cachorro. Olhos secos e rosto macilento. Imaginou que poderia estar com fome e lhe perguntou. Disse que sim. Ainda não comera naquele dia. Comoveu-se. Sem casa, pelas ruas, desfeito de esperança… E ela, que já foi tão vilipendiada e em quem atiraram pedras, sem qualquer julgamento, passou pelo caixa eletrônico e, em seguida, chamou o indivíduo para um bar próximo, onde lhe pagou um salgado e um refrigerante. Acrescentou, ainda, uma coxinha para o cão.

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Foi embora feliz: o dinheiro do gás, igual a almoço e jantar para os filhos no dia seguinte, e a imagem do trecheiro e do cachorro alimentando-se com satisfação. Tiraram-lhe muito em sua história, até mesmo a silhueta de sua dignidade, mas ela não permitiu que lhe extraíssem crença em Deus misericórdia com ela e com o próximo.

Bendito seja o Céu que habita nela! (Foto: Flickr)


MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.