GABARITO DE QUINTA

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Desde que a corte de D. João VI chegou ao Brasil, foi instalada e se estabeleceu na Quinta da Boa Vista, os serviçais escravizados foram encaminhados para o Quinto dos Infernos. E daí seguiu-se as diferenças de tratamento e consequentemente instituído um “gabarito de quinta” para diferenciar ou impedir que os negros ultrapassassem seus limites e ficassem constantemente presos no pentágono. Nunca num status de cinco estrelas, mas somente na representação das cinco pontas.

Sim, sempre apontavam como uma seta, indicando até onde deveria chegar os negros que ousassem ou tencionassem mudar de vida e conseguir um cargo público de destaque, como um juiz ou um promotor de justiça. Negros não poderiam tomar esses tipos de decisões e nem julgar. Os brancos decidiriam sempre e os negros, em contrapartida, só poderiam evidentemente ser julgados. 

Lembro-me, que no meu começo da vida profissional, fui trabalhar como office-boy num escritório de advocacia. Tinha um trio de advogados, um negro e dois brancos. O negro era o dr. Benedito de Lima Filho, que foi quem me admitiu, ensinou, instruiu e distribuiu as tarefas a serem realizadas.

Fui aprendendo com certa destreza, mas passava a maior parte do tempo sozinho no escritório. Um dos advogados morava em São Paulo e vinha duas vezes por semana, sempre numa correria desmedida, que pouco tempo sobrava além do cumprimento ou uma conversa rápida, atropelada. O outro advogado tinha um comércio na cidade, quase não aparecia no escritório. Era mais atencioso e até dialogava quando aparecia. Aos poucos foi deixando de lado a advocacia e tornando um comerciante de sucesso.

Sobrava-me o dr. Benedito, que era negro e já tinha tido uma passagem pelos cartórios e era muito conhecedor da lida e das rotinas forenses. Ele, inclusive, foi procurador do estado e também era muito conhecido e respeitado nesse meio. Mas, tinha uma mágoa muito grande, cheguei a vê-lo desanimar-se e até sentir vontade de abandonar tudo, a jogar a carreira pro alto.

Tentou várias vezes prestar concurso público para o Tribunal de Justiça do Estado e toda vez que ia consultar o resultado, tinha sido “aprovado”, mas com a nota “5”, que era a menor das notas do gabarito e não tinha como definir ações de competência para realizar a profissão. Essa nota sempre só o habilitava e não garantia o direito de ocupar a vaga automaticamente. Aprovado, mas fora das vagas disponíveis?????

Eu já percebia a má intenção predestinada aos negros e o grande mal que que isso lhes causava. Recordo também que naquela época, circulou uma fala de preconceito e racismo contra a nossa cor de pele. “Negro não tem vez”. Quando teria?

O grande motivo que me fez escrever este artigo foi a coincidência estabelecida. Todos os outros advogados negros daquela época, nos anos 1960 e 1970, período que trabalhei no cartório, também prestaram concursos públicos e também foram agraciados com gabarito de quinta.

Nenhum deles nunca atingia uma nota maior que essa no gabarito, por mais inteligente que fossem, se preparassem e dedicassem horas e horas de estudos e se esforçassem além do tempo de conhecimento que tinham, pelo exercício da profissão.

Outra coincidência eram os quatro primeiros advogados negros exercendo a profissão em Jundiai, eu os via diariamente. dr. Benedito de Lima Filho, dr. Iaro de Mattos, dr. Henrique de Paula Filho e dr. Rito Conceição. E para completar essa “cinquina” tem o dr. Eginaldo Honório, que apesar de mais recentemente, passou pelo mesmo constrangimento. Falava-se de uma escala de consideração na separação de classes, uma escala entre os números 18 e 14, para a classificação.

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Todos eles se sentiram desconsiderados, desprestigiados e inferiorizados. E sem saberem como, não querendo demonstrar preocupação, nunca esconderam os desapontamentos e se desmontavam nas mágoas que guardaram como um trauma insolúvel e sem a verdadeira justiça que garantem ser cega, mas não tem olho clínico na lei que lhe define. Lei que deveria ser igual para todos.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

LUIZ ALBERTO CARLOS

Natural de Jundiaí, é poeta e escritor. Contribui literariamente aos jornais e revistas locais. Possui livros publicados e é participante habitual das antologias poéticas da cidade.

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