O deputado está em palpos de aranha. Depois do discurso que fez não há como voltar atrás. Foi a gota d’água. Certamente quer contentar sua base de apoio político no Rio de Janeiro, seu domicílio eleitoral. Está evidente que provocou um choque entre dois poderes da República e, geralmente, isso não traz boas coisas. Afinal, diz o parlamentar, há a garantia de liberdade de expressão, palavras, opiniões e votos. Este é um princípio mundialmente consagrado nas democracias ocidentais e um dos documentos que melhor espelha isso é a primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos. Nota-se, redigida no final do século 18. No Brasil essa garantia vem sendo estabelecida desde a primeira Constituição da República em 1891. É verdade que nos períodos ditatoriais, como no Estado Novo, de Getúlio Vargas, nenhuma garantia democrática funcionava. Por isso, o deputado, amparado no seu direito de opinião, disse o que disse e não esperava ser punido pelo conteúdo de sua mensagem, por mais contundente que fosse considerada.
Os controladores do país estão de olho no Congresso Nacional, uma vez que ali ainda há uma oposição organizada contra o governo que tem como bandeira o combate à corrupção e afastar do pais o risco de uma ascensão dos comunistas ao poder. Os discursos contundentes são originados no parlamento e também nas manifestações públicas, como grandes passeatas no eixo Rio de Janeiro – São Paulo. Afinal por mais forte que seja o poder do executivo, ele não consegue impedir que alguns Estados da federação sejam governados por gente da oposição. Por isso os analistas avaliam que se vive um momento crucial para a democracia no Brasil e a qualquer momento o executivo pode lançar mão de um ato de força e impor um governo totalitário. Para tanto vai precisar do apoio das forças armadas, especialmente o Exército que mantém vivo o ideal salvacionista de impedir que a esquerda chegue no poder. As intervenções militares nos governos anteriores deixam claro que nada mudou e que a qualquer momento, se a conjuntura se agravar, pode voltar.
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A gota d’água é o discurso do deputado. Provavelmente se não houvesse uma ação do poder executivo teria passado desapercebido. O tema central atinge o ânimo do nacionalismo. O parlamentar não é uma ameaça. Afinal ele esteve ao lado da direita quando o governo esquerdista foi derrubado por um golpe de força. Mas, decepcionado com os rumos que o Brasil tomava, partiu para a oposição. Participa de protestos e passeatas no Rio de Janeiro, denuncia torturas de presos políticos nos quartéis do exército em Mina Gerais. Julga que é o momento de usar a tribuna da Câmara para mostrar ao país o que se passa. A oportunidade é a semana que antecede a comemoração do Dia 7 de Setembro, dia da Independência do Brasil. Incita a população a boicotar os desfiles militares, e culmina pedindo às garotas que, nos bailes, não dancem com os cadetes do Exército! O ministro da Justiça, Gama e silva, em nome do governo, faz um pedido à Câmara para processar Márcio Moreira Alves. O plenário nega. Chega-se ao auge do confronto. O chefe do executivo, Costa e Silva, assina mais um ato institucional. O de número 5, redigido pelo ministro. O AI5 começa a valer a partir da publicação. É o fechamento radical do regime e a implantação de uma ditadura. Políticos são cassados, funcionários demitidos, órgãos de comunicação censurados. Márcio parte para o exílio para escapar da prisão que não seria decretada por nenhum membro do Supremo Tribunal Federal. Foi mesmo a gota d’água.(Foto: Beto Oliveira/Senado Federal)
HERÓDOTO BARBEIRO
Editor chefe e âncora do Jornal da Record News em multiplataforma. Palestras e midia training: www.herodoto.com.br
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