Os desdobramentos disso são vastos. Surge uma historiografia mais consciente de sua retórica, aberta a experimentações formais. Autores como W. G. Sebald ou Svetlana Aleksiévitch (Os Emigrantes, Austerlitz, Os Anéis de Saturno; A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, Vozes de Chernobyl, O Fim do Homem Soviético – respectivamente) borram deliberadamente os gêneros, criando obras que são simultaneamente investigação histórica rigorosa e composição literária de alto impacto. Do outro lado, o romance histórico contemporâneo se liberta da mera reconstituição cenográfica para tornar-se um espaço de interrogação filosófica. Um livro como O Vermelho e o Negro, de Stendhal, ou Cem Anos de Solidão, de García Márquez, não nos “informa” sobre a França da Restauração ou a Colômbia dos conflitos civis; antes, oferece-nos uma chave visceral, simbólica e emocional para decifrar os mecanismos do poder, da memória e do esquecimento.
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História e Literatura não são reinos antagônicos, mas cânones paralelos em permanente conversação. A História, em seu ideal, ancora-nos no solo dos acontecimentos, impedindo que a narrativa se dissolva em puro relativismo. A Literatura, por sua vez, liberta-nos da tirania do fato único, recordando-nos que o passado é habitado por uma multiplicidade de vozes, subjetividades e experiências silenciadas pelos arquivos. Juntas, elas compõem a mais completa antropologia do tempo humano: uma que mede os eventos, outra que sonda seus ecos na alma. O grande desafio, para o historiador-escritor e para o escritor-historiador, é habitar esse espaço liminar com rigor e coragem, sabendo que a verdade mais profunda do passado, talvez resida precisamente no diálogo incessante entre o que foi e o que poderia ter sido, entre o documento e o sonho, entre Clio, a musa da história, e Calíope, a musa da eloquência e da poesia épica. É no entrelaçar de seus fios que se tece a compreensão mais rica, porque mais humana, do nosso percurso no tempo.(Foto: Luriko Yamaguchi/Pexels)

JOSÉ FELICIO RIBEIRO DE CEZARE
Mestre e doutorando em Ensino e História de Ciências da Terra pelo Instituto de Geociências da Unicamp. Membro da Academia Jundiaiense de Letras. Pesquisador, historiador, professor, filósofo e poeta. Coeditor da Revista literária JLetras. Para saber mais, clique aqui. Redes sociais: @josefelicioribeirodecezare.
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