Ao longo do tempo adquiri algumas certezas sobre fotografias. Uma é de que elas são polissêmicas, cada um faz sua própria leitura e, portanto, não pode existir fotojornalismo sem texto ou um contexto. Uma imagem isolada permite ao leitor “ver ali várias possibilidades de leitura”. A junção de texto e foto permite ao leitor se aproximar um pouco mais da objetividade que se exige de um jornalismo responsável. A história desta imagem premiada trata exatamente desta questão.
Eu estava sentado na frente de uma imobiliária em Camburi, no litoral Norte, esperando a repórter que me acompanhava entrevistar um corretor sobre a especulação imobiliária que costuma ocorrer nos meses de verão quando algo me chamou a atenção: uma mulher andando de bicicleta enquanto dava de mamar ao filho. Rapidamente peguei a câmera e fiz apenas três fotogramas. Tentei falar com ela mas a mulher apenas sorriu e se foi.
Na hora me ocorreu que tinha uma foto mas não tinha uma história. Ao retornar para São Paulo mostrei a foto para Celio Jr, então editor de fotografia do Jornal da Tarde. Ele gostou mas também ficou incomodado com a falta de um texto que pudesse justificar sua publicação. Era uma foto sem lugar até aquele momento. “Vou dar um jeito”, disse ele. Eu fui para casa, fazia Direito no Anchieta e já estava atrasado.
Nesta época, sem edição on-line, tínhamos que esperar a edição impressa. Somente no dia seguinte vi a publicação e quando vi a imagem ri muito. Ela tinha sido saído no noticiário sobre a previsão de tempo que depois, confessou Celio, foi escrita apenas para o uso da foto.
Um mês depois recebi uma ligação da Prefeitura de São Sebastião, onde fica Camburi. Perguntaram se poderiam inscrever aquela imagem num concurso de fotografia. Achei estranho já que normalmente é o fotógrafo que toma a iniciativa de participar de concursos. Mas, o convite me deixou confortável já que não teria o trabalho de lidar com a burocracia toda…
ARI VICENTINI
Repórter-fotográfico desde 1989, com passagens pelo Estadão e Jornal da Tarde. Foi fotógrafo e editor de fotografia do Diário Lance, atualmente é professor de Fotojornalismo na Faculdade Cásper Libero. É jundiaiense.
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