INCONGRUÊNCIAS MORTÍFERAS

incongruências

Quase mais nada mais me assusta, aos 68 anos – 40 de jornalismo e 23 anos como ministro ordenado da Igreja Católica. Mas há fatos que me deixam perplexo, aturdido e cansado e sobre os quais minha consciência não permite calar, como a ignorância e as incongruências de cristãos, especialmente os protagonizados por meus irmãos e irmãs católicos, praticantes, quando fazem a apologia da intolerância, da violência e da morte ao diferente – infringindo a regra de ouro de Jesus: “amar ao próximo como a si mesmo e se quiser ser meu discípulo, como eu vos amei”. Mandamento esmiuçado nas atitudes propostas pelo Projeto do Homem Novo, nos capítulos 5, 6 e 7 de Mateus – o Sermão da Montanha. Atos que passam por cima, também, do Código Penal, em seus artigos 140 e 286 sobre injúria e incitação à violência e podem resultar em penas severas de prisão.

Em Jundiaí, o vereador Douglas Medeiros, revestindo-se de pregador numa tribuna laica, levantou em tom colérico seis versículos do primeiro capítulo da Carta aos Romanos (Rm 1,26-32), escrita por Paulo Apóstolo, para atacar projeto de outro Paulo, seu colega de Câmara, Paulo Sérgio Martins, proibindo a nomeação, para cargos em comissão, de pessoas condenadas por crimes relacionados à homofobia. Medeiros, de Bíblia, em riste(foto) afirmou que logo não se poderá fazer menção ao que ela diz, sem ser acusado de homofobia, caso o projeto do colega fosse aprovado, numa associação completamente exagerada e descabida, própria de fundamentalistas.

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Para tanto vomitou, de modo descontextualizado, os versículos que pedem a punição e morte dos homoafetivos, “autores de tais ações” e de “quem as aprova”, sem considerar o avanço do Catecismo Católico e das ações do Papa Francisco e seus bispos em relação ao assunto. Assumindo a fala do Apóstolo, portanto, o vereador com sua atitude antiética – aqui considero a vida humana como o ethos primordial –, e que afronta o decoro parlamentar, assume temerariamente para si as responsabilidades do ano 58 d.C, numa Roma distante, para um 2022 numa vida republicana em que as minorias são protegidas legalmente. E na qual conquistaram o direito ao acolhimento e ao respeito.

Paulo Apóstolo, que era fariseu e matava cristãos que o escandalizavam por seguir Jesus como o Messias, converte-se. Aceita o Evangelho e vai pregar para os estrangeiros – que antes eram para ele abominações, só para dar uma pincelada do contexto. Quando se depara com a cultura greco-romana, epicurista, que busca a felicidade exclusivamente nos prazeres, Paulo parece ter uma recaída. E usa uma pregação forte, carregada do mesmo estilo farisaico mortífero com que perseguia os cristãos, antes de sua conversão.

Sobre a evolução do pensamento cristão a esse respeito, há muito o que ler e estudar. Há muito sobre se informar também, antes de se vomitar moralismos raivosos e preconceituosos. Uma leitura que recomendo é “Homossexualidade e Igreja Católica – conflito e direitos em longa duração”, do padre jesuíta Luís Corrêa Lima. É uma luz para quem quer ser cristão verdadeiramente e entender qual a melhor maneira de o fazer nos tempos de hoje, com paciência e com o impulso do amor que vem de Cristo – a Caritas Christi. Ele também escreveu “Teologia e os LGBTQ+, perspectiva histórica e desafios contemporâneos”, uma belíssima e misericordiosa reflexão sobre o tema.

Para encerrar, registro ainda que quando se usa um texto bíblico para reflexão ou pregação é preciso ler, rezar, meditar e contemplar a realidade a partir dele, mas cuidar sempre com o que o antecede e com aquilo que vem depois dele, para uma compreensão real. O vereador, cego por seu medo homofóbico, se impressionaria se tivesse o cuidado de seguir apenas um versículo adiante, na sua apologia à violência usando o Apóstolo das Gentes como escudo. No primeiro versículo do capítulo 2, da Carta aos Romanos, Paulo parece ter um insight e retorna à consciência cristã que prega, afirmando: “Ó homem, quem quer que sejas, tu que julgas não tens desculpa. Pois julgando os outros, condena a ti mesmo, já que fazes as mesmas coisas que tu julgas”. Simples assim. (Foto: reprodução TV Câmara)

PEDRO FÁVARO JR

É diácono permanente da Igreja Católica, Apostólica Romana há 23 anos e jornalista desde 1975. Criou a Imprensa Oficial de Jundiaí em 1978 e o jornal oficial da Diocese de Jundiaí, O Verbo, em 1996. Trabalhou no Jornal da Cidade e Jornal de Jundiai, Diário do Povo e Correio Popular de Campinas, Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo e Agência Estado de Notícias do Grupo Estado, onde atuou por 28 anos.

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