INDIGNAÇÃO

Diante de tantas coisas que não se compreendem, uma delas é a limitada compreensão e paciência de nosso povo. Num país onde a inflação sobe assustadoramente e o poder de compra diminui na mesma proporção, não houve uma palavra de indignação diante do insignificante aumento do salário mínimo de apenas R$ 20. Pareceria absurdo se não fosse incompreensível.

Num país que faz passeata por pouco, que vai às ruas por situações sem sentido, receber esta notícia e não haver nenhuma manifestação é, no mínimo, motivo para indignação ou comprovação do anestesiamento em que se encontra toda a população, porque este índice interfere em toda a economia nacional, independendo de ser assalariado ou trabalhador autônomo.

Tudo passa a ter nova configuração diante deste índice, que praticamente não alterou em nada do ano anterior e já chega menor do que o apontado, diante do caos em que nos encontramos, na economia. Ninguém comenta. Ninguém se espanta. Ninguém compara. Ninguém mostra sua posição. Muito estranho este inativismo ou seria aliciamento?

Observando por este ângulo, vemos que este comportamento conformista não se prende apenas na proposta de salário mínimo, mas em todos os setores de governabilidade: a educação continua desvinculada do contexto e mantém um nível de atenção ao educando abaixo do esperado, com ideias brilhantes, propostas fantásticas, mas ações frouxas e desatreladas da necessidade social.

A formação docente continua merecendo maior atenção (inclusive melhores salários) e maior aplicabilidade, mas as reuniões dentro das unidades escolares continuam soltas, sem uma fundamentação consistente de modo a torná-las cansativas e improdutivas. Reúnem-se, porém, não se avança nem se desloca para um espaço mais consistente e transformador.

No meio de tanta inconsistência, o estado de Santa Catarina vota para incluir policial armado em escola de ensino básico e fundamental. Quando pensamos que já vimos de tudo, ainda falta ver o final de uma ideia esdrúxula e sem sentido: escola precisa de acolhimento e zelo e não de armas. Entretanto, mais de 50% de pessoas sondadas votam pelo armamento nas escolas, sem se perguntarem se um policial armado é mais eficiente do que uma sociedade bem estruturada e ciente de seus deveres, sejam eles de cidadania, de cultura, de saúde e de educação. Entendo ser mais um absurdo diante dos demais.

A cada vez que trago assuntos deste nível, alguém me busca no privado e comenta que a questão sempre está ligada aos profissionais que não têm formação e que executam suas práticas sem a preocupação em acolher o povo, como se eles não fizessem parte deste povo ou se não fossem custeados por eles. Então, isso também é real e merece destaque.

Conheço espaços profissionais onde pessoas entram equilibradas e depois de poucos meses de trabalho ficam desajustadas, sem estrutura, passando a atender mal seus usuários. Pior: sem ter em quem confiar e percebendo que são apenas massa de manobras; manobras de todas as naturezas, sejam lá quais forem. E, transformam-se em dependentes, por necessitar do emprego.

Vamos analisar: se existe a manobra, existe quem seja manobrado e quem exerça esta função de manobrar, correto? Não há possibilidade de termos um sem termos o outro, isso é lógico. Podemos quebrar este ciclo? Temos condições de mudar esta história? Sim, podemos e devemos. Mas é preciso que os envolvidos percebam e analisem seus gestos, suas ações e seus sentimentos em cada um de seus atos.

A inobservância deste círculo vicioso apenas será mantenedor do sistema opressivo e explorador em que cada um de nós tem um papel a ser cumprido. A manutenção implica em disfarçar mudanças e disfarçar propostas; pior é expor uma pseudomudança onde tudo permanecerá como sempre esteve: isto faz com que uma pessoa pense que acolhe e outro pense que é acolhido, sem nada haver mudado, sem nada haver se transformado.

Como sempre aponto, a questão de base é a transformação interior que me leva a buscar transformações sociais e culturais: esse movimento gera possibilidades de total interação e edificação do novo.  Porém, para tanto, é preciso querer o novo, não temer as transformações e buscar mudanças substanciais que balance as estruturas daquilo que está corrompido e avance diante de um saneamento moral e cultural necessário e tardio.

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Sanear moral e culturalmente implica em cortar da própria carne, uma vez que realmente é mais fácil deixar como está, porque estamos acomodados e, em alguns casos, com mordomias pouco decentes. Então, esta mudança é algo interior e que deve ser anunciado a cada conquista, de modo a contaminar com a seriedade e com a honestidade todo o espaço poluído e cáustico que nos circunda. Há, sim, espaços, bons e interessantes, mas eles se tornam ilhas no meio de tanta desonestidade, portanto, a mudança deve ser mais radical e mais culta.

Movimento armado? Jamais. Policiamento em escola? Jamais. Movimento cultural, movimento de saber, movimento de acolhimentos sem troca de favores. Começa por dentro, claro. Quem se dispõe a mudar? Este é o desafio maior de nossa vida

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Diretor técnico da Clínica de Psicologia da Faculdade de Psicologia Anhanguera, onde leciona na graduação.

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