INFÂNCIA

INFÂNCIA

A infância costuma ser aquele lugar onde o sol parece nunca se pôr. Guardamos dentro de nós as ruas que já não existem, os quintais que mudaram de dono, as tardes que só a imaginação conseguia alongar. Crescemos acreditando que tudo aquilo duraria para sempre. No entanto, o tempo tem seu próprio ritmo e não pede licença para avançar. Um dia, olhamos para trás e percebemos que aquele mundo pequeno e perfeito ficou guardado em fotografias antigas e em lembranças que às vezes parecem inventadas pela saudade.

Ainda assim, nada foi perdido. A infância segue viva em cada riso espontâneo que ainda escapa do nosso peito adulto. Quando chega a adolescência, tudo se expande. As amizades ganham importância absoluta, como se fossem nosso porto e destino ao mesmo tempo. Dividimos segredos, medos e coragens que talvez só existissem porque estávamos juntos. Rimos até perder o fôlego, choramos por motivos que hoje parecem bobos, mas que naquela época tinham o peso do mundo.

A vida era intensa na infância, feita de descobertas e perguntas que ainda ecoam dentro de nós. Acreditávamos que nossos amigos seriam eternos e que nada seria capaz de nos separar daquele universo de sonhos e rebeldias. Porém, os caminhos se bifurcam, as escolhas mudam, as distâncias crescem e a vida segue seu fluxo inevitável. Nem todos permaneceram. Alguns seguiram rumos que já não cruzam os nossos. Outros se foram cedo demais, deixando um silêncio estranho em nossos encontros de memória.

Pessoas queridas que já não podemos abraçar, mas que continuam vivas no riso que lembramos, na música que marcou um verão, na cor de uma camiseta, nos apelidos que ninguém mais usa. Há ausências que doem, mas que ao mesmo tempo aquecem, porque lembram que fomos felizes com quem dividiu parte da nossa história.

Há também aqueles que continuam aqui, bem diante dos nossos olhos, mas que hoje vivem realidades completamente diferentes das nossas. Construíram suas famílias, seus sonhos, seus desafios. Às vezes, estão perto, às vezes, distantes. Ainda assim, permanecem como testemunhas do que fomos. Mesmo que já não participem do nosso cotidiano, foram essenciais para a pessoa que nos tornamos. Até as divergências, os desencontros e as partidas contribuíram para moldar nossa forma de enxergar o mundo.

A saudade é uma visitante constante. Surge quando ouvimos uma risada parecida com a de alguém do passado, quando o cheiro de um bolo nos devolve à cozinha da avó, quando uma foto aparece por acaso no fundo de uma gaveta. Ela chega suave e, sem pedir licença, abre janelas que estavam fechadas. A saudade não é apenas dor. É também celebração. É a prova de que o que vivemos foi real, importante e inesquecível.

Sentimos a saudade dos que ficaram e dos que foram. Sentimos até de nós mesmos, das pessoas que já fomos e que não voltaremos a ser da mesma maneira. As lembranças tecem a narrativa da nossa existência. Cada abraço guardado, cada piada repetida, cada olhar cúmplice construiu este adulto que hoje tenta ser forte. Somos feitos de tudo o que passou, das tardes de bicicleta, das conversas na calçada, das primeiras paixões, dos medos que superamos escondidos atrás de um sorriso.

Carregamos dentro de nós uma multidão de rostos, vozes e gestos que não nos abandonam jamais. A vida presente só é possível porque um dia fomos aquelas crianças e aqueles adolescentes cheios de esperança. Viver com alegria estes tempos que já se foram é uma forma de honrar quem caminhou ao nosso lado. A memória é uma casa que nunca perde suas portas. Cada lembrança é um retorno.

Nada que foi verdadeiro na infância desaparece. Os que não seguiram conosco permanecem em pequenos detalhes que se revelam quando menos esperamos. Os que ainda compartilham a vida, mesmo que em trilhos diferentes, continuam fazendo diferença, ainda que de longe. Todos eles ajudaram a escrever a história que hoje carregamos com orgulho e saudade.

O presente nos chama a seguir em frente, mas seguir não significa abandonar. O passado não é um peso, é um alicerce. Que saibamos olhar para trás com gratidão, reconhecendo que cada risada e cada lágrima foram degraus para esta versão de nós mesmos. Se a infância foi o território da inocência e a adolescência o palco das descobertas, o adulto que somos é o resultado desse encontro entre o que se viveu e o que ainda sonhamos viver.

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O tempo insiste em correr, embora, no fundo, continue brincando de ser eterno nas recordações que guardamos. Que possamos sorrir ao lembrar de quem fez diferença. Que saibamos cuidar das memórias como quem protege tesouros. E que a saudade, em vez de ser dor, seja o abraço secreto que nos lembra do quanto fomos e ainda podemos ser felizes.

A vida segue. A vida cresce. A vida se renova em cada lembrança que insiste em florescer na alma. É no presente que continuamos a escrever, com alegria e intensidade, o livro que começou lá atrás, quando tudo parecia simples e infinito. Afinal, o que realmente importa nunca deixa de pertencer ao nosso coração.(Foto: Artem Yellow/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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