INTOLERÂNCIA. Todos somos parte e podemos ser diferentes

Em sessão da semana passada, na Câmara de Jundiaí, no dia 19 de março, pedi uma pausa logo no início dos trabalhos para fazer um pedido de reflexão. Diante de tantas tragédias, acredito também ser meu papel, à frente do Legislativo, propor o debate sobre os acontecimentos do momento. Porque todos nós somos parte da intolerância que vivemos e podemos ser diferentes. Temos que ser uma alternativa a nós mesmos, seja na política ou na vida privada. Portanto, reforço, em minha coluna desta semana, aquele mesmo pedido e tomo a liberdade de reproduzir aqui boa parte do que disse aos meus colegas vereadores.

Passamos por tragédias que nos deixam dores e tristeza marcantes, profundas e devastadoras: os massacres ocorridos na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, e em duas Mesquitas da Nova Zelândia. Na Holanda ainda, houve um ataque a tiros em um bonde, com três mortos.

Para além da maldade desses assassinatos, de atos de homens voltados a seus semelhantes, vimos o desabamento de uma escola na Nigéria; vítimas de ciclone em Moçambique e no Malawi, e um início de ano de tragédias no País, como o crime em Brumadinho e tanto sofrimento. Peço, portanto, agora a todos que lerão essa coluna e não somente aos presentes na Câmara, que possamos refletir juntos e de forma verdadeira sobre o momento em que vivemos.

Porque não tratamos, infelizmente, somente da dor imensurável dos familiares, daqueles que perdem seus pais, filhos, entes queridos – a quem humildemente e com toda solidariedade dedico esta sessão – tratamos também da nossa dor profunda de sermos parte desta realidade atual, da intolerância que ganha cada dia mais força, da ausência do olhar sobre nós mesmos e sobre nossos próximos, da empatia que nos falta e tanto precisamos. Sofremos do nosso próprio mal em não nos ouvirmos e acharmos que ganharemos no grito, na força, nas armas. Nossa violência cada dia se manifesta das formas mais inimagináveis e, ao mesmo tempo, cotidianas, porque não lidamos com as frustrações, projetamos vidas perfeitas, não nos damos as mãos, não nos esforçamos por nós mesmos como um todo, não valorizamos os degraus. Diminuímos nossas forças, nossas diferenças, nos fechamos, nos isolamos, queremos sempre ganhar sozinhos.

Somos todos seres humanos e não cabe agora encontrar um único culpado que justifique essas tragédias, que nos isente da sociedade cruel e doentia em que vivemos e que infelizmente ajudamos a criar. Não cabe, porque como bem disse meu amigo e professor da ESEF, Afonso Antônio Machado, em sua coluna também a este portal, não há um único culpado. Somos vítimas e algozes dessa situação, desse mundo com tantas feridas.

Certamente temos que discutir as diversas nuances do bullying, a influência de jogos violentos, dos entusiastas do armamento, os impactos da intolerância religiosa, do racismo e dos preconceitos que infelizmente ainda nos matam, nos emperram em um mundo doente. Mas também temos que discutir o quanto somos parte disso. Temos que nos colocar no lugar do outro, nos ampararmos. Faço mais uma referência ao professor Afonso que tão bem disse: o quanto um comportamento machista, uma palavra mal colocada, uma observação grosseira num grupo de pessoas, podem gerar vazios existenciais brutais que certamente podem não acabar bem.

Enquanto somente nos provocarmos, não nos aceitarmos e não refletirmos sobre nossas diferenças, não entenderemos nossas mudanças e novos espaços e estaremos, como sociedade de um modo geral, fadados a muita incompreensão e violência.

Reforcei essa reflexão também aos colegas vereadores durante aquela sessão, pois quantas vezes vimos clima de ódio na Câmara Municipal e me questiono o sentido real desse confronto. Será que não seria mais válido ouvirmos nossas razões, buscarmos a conversa e o diálogo?

Temos sim que avançar em muito na política, mas na sociedade como um todo. Temos que repensar leis que nos protejam, como fizeram prontamente na Nova Zelândia com a reforma necessária na lei de armas, após o ocorrido. Porém, temos que olhar ao redor e mudar esse cenário também no nosso dia a dia, não só cobrar, e sim agir e participar.

Como muitos sabem, sou muçulmano, e me solidarizo a essa tragédia nas Mesquitas da mesma forma que lamentaria mortes em uma sinagoga, em uma igreja evangélica, em uma igreja católica, em um centro espírita ou templos de matriz africana. Não podemos, diante do ocorrido, cair novamente nos preconceitos e julgamentos que nos isolam.

Bem disse uma muçulmana, em um texto da internet, que a beleza de toda essa tragédia é o mundo poder saber das portas abertas da nossa casa, do quanto uma Mesquita acolhe quem nela adentrar e do quanto aqueles que morreram em oração não perderam ali a sua fé, pelo contrário.

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Temos a chance, portanto, de a partir dessa tragédia tão dolorosa, aprendermos justamente com a fé. Porque podemos nos aproximar, levar flores aos sobreviventes, aos familiares desses sobreviventes, às Mesquitas e igrejas de todo mundo, a todos que só querem ter o direito de ser como são.

No Alcorão, temos a passagem que diz “o Servo de Deus não alcança a realidade da fé até que ele ame para as pessoas o que ele ama para si mesmo da bondade.”

Com essa citação, a mesma que fiz de forma respeitosa na sessão, encerro minha coluna e esse apelo para que sejamos diferentes, para que possamos aprender com nossos erros e sermos sempre melhores. (Foto: McKenna Phillips)


FAOUAZ TAHA

É vereador na Câmara de Jundiaí pelo PSDB, eleito pela primeira vez nas eleições de 2016. Tem 30 anos. Atualmente é líder do governo municipal na Casa de Leis, além de presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, Desporto, Lazer e Turismo do Legislativo. Nascido em Jundiaí, Faouaz é formado em Educação Física pela ESEF e tem pós-graduação em Fisiologia do Esporte pela Unifesp. Antes de ser vereador, teve experiência na gestão pública com participação na Secretaria de Esportes


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