INVEJA e seu poder obscuro

inveja

Hoje vou falar sobre este sentimento perverso que é bastante comum nos seres humanos. Digo seres humanos porque é desconhecida a existência dele em qualquer outro ser. O ciúme, que muitas vezes é confundido ou ligado ao sentimento de inveja, é, de certa forma, observado no comportamento dos animais. A confusão se dá porque ambos contêm em sua essência um desejo de posse e ao mesmo tempo insegurança. Mas o ciúme é algo totalmente ligado às necessidades emotivas ou talvez até espirituais quando trazemos para o âmbito humano, enquanto a inveja faz parte das necessidades materiais, daí aflorando para o materialismo, a cobiça e o desejo de “ser alguém”, não apenas reconhecido, mas também admirado, cortejado e – vejam só! – invejado pelos outros. Dessa forma, nos certificamos do quanto a inveja é um sentimento já incorporado “naturalmente” à vida em sociedade, embora não seja pronunciada com frequência por ser uma expressão bastante banalizada, um “chavão”; “ah, ele está com inveja!”

Antes de aprofundar no assunto, convém fazer um arremate em relação ao ciúme. Este é muito mais pronunciado e por vezes é vestido de certo “status”. Há quem afirme que se não sente nem um pouco de ciúme, não ama o (a) parceiro (a). E ainda tem aqueles que medem o nível, quanto mais ciumenta a pessoa for, mais é capaz de defender o (a) seu (sua). Daí para o ciúme doentio é um passo. Ciúme doentio, sentimento de posse, o outro é sua propriedade. Crimes passionais normalmente se originam dessa obsessão, do ciúme doentio. Enquanto o ciúme apresenta este cenário, a inveja parece ser algo “mais light” por não ter tantos holofotes nos episódios trágicos. Mas ela possui uma força tão poderosa como a do ciúme. E é mais difícil de ser percebida pelas pessoas em volta e também em muitos casos pelo próprio invejoso. Isto porque o ciúme “cutuca”. A inveja não, ela age de forma sutil na maioria. Como?

Existe um espaço pequeno que separa a necessidade real de conquistar, ter coisas, da vontade de se igualar àqueles que vemos gozando um ambiente melhor que o nosso. No conceito natural da vida, todos vêm com uma missão a cumprir, missão essa que não foge da lei servir. Todo ser humano vem para servir algo, ninguém é inservível, por mais problemas físicos ou mentais que limitem determinada pessoa, ela traz algo que servirá aos outros. Dentro desse raciocínio, viver é uma sucessão de conquistas e serviços, compartilhamentos, cooperativismo. Logo, todo ser humano naturalmente deseja conquistar coisas em sua vida e inevitavelmente vê os frutos produzidos e conquistas do próximo. Espelhar-se nas vitórias dos outros é algo natural e saudável. Porém, como citei anteriormente, é pequeno o espaço que separa o sentimento de ser estimulado, espelhar-se no outro admirando e parabenizando sua conquista, do sentimento invejoso. Inveja não se consiste unicamente em desejar o mal ao outro. Não é somente olhar para a outra pessoa com raiva, torcer para que ela caia, regrida. A inveja se faz presente em vários níveis. Desde estes mais extremos, que podem resultar em atos criminosos como no ciúme doentio nos crimes passionais, aos mais sutis, que consistem a maior parte. A partir do momento que a pessoa tenha em mente crescer e conquistar algo para “mostrar” a alguém X ou Y, a inveja está presente. Você não precisa provar nada a ninguém, somente a você mesmo. As conquistas são suas e servir ao próximo com suas conquistas não pede holofote. Quando se exalta as próprias vitórias visando mostrar a este ou aquele, perde-se o valor da conquista. Notem que citei “este ou aquele”. Nomes aos bois. Diferente de quando você divulga suas vitórias pela natural necessidade de vender seu peixe. De fazer negócio. O marketing, a divulgação, isto é necessário por questão de sobrevivência. Precisamos divulgar o que produzimos. Assinar nossos trabalhos. E isto se faz pelo coletivo. Quando se tem esta visão coletiva, não está presente o sentimento de inveja.

Nesta altura da reflexão, podemos exemplificar o que ocorre muito no ambiente público, político. Quando há pessoas empenhadas em fazer pelo coletivo, pela cidade, tudo flui muito bem. Todos os setores do governo municipal, estadual, o que seja, caminham bem. Porque cada um ali está fazendo por todos. Pela cidade. E não para “mostrar” a alguém ali, que trabalha junto. Em muitas administrações públicas é comum a inveja travar importantes projetos. Porque alguém está invejando o próprio colega de trabalho. Não quer ver o colega ser promovido, então não coopera. Existe nesse ambiente muita disputa por ideias. Alguém sugere algo. Todos aplaudem. Mas a ideia não é colocada em prática, enumeram vários obstáculos. Muito tempo depois, aquela ideia ressurge, já sendo colocada em prática, mas a partir de outro mentor. Ninguém fala naquele que teve a ideia inicial. Foi invejado pelo grupo todo. Por esses caminhos que vamos detectando como a inveja é sutil e, inclusive, não admitida. “Que inveja nada!”

A tão aclamada meritocracia é um caldeirão onde os sentimentos de inveja sutil mais atuam. Por mais legítimo que seja o reconhecimento dos méritos de uma pessoa que se dedicou, se esforçou, e colha os frutos do que produziu, é raro haver ausência do sentimento de inveja das pessoas em sua volta. Isto é percebido pelas pessoas mais observadoras, sensíveis. Senão, o tempo revelará. São naqueles episódios de frustração diante de um acontecimento onde a pessoa diz: “não esperava que aquele amigo, aquela amiga fizesse isso”. A decepção que surge repentinamente diante de alguém que você via como aliado, amigo. Porque o sentimento de inveja não era visível, era o mais sutil possível. A pessoa sorria para você, dava-lhe a mão, aplaudia. Mas estava só esperando a hora para dar o bote. Estudou seus pontos vulneráveis.

Quem pratica o mal, é dissimulado e estuda formas de crescer derrubando, pisando no outro, pode jamais admitir, mas possui dentro de si um determinado nível de inveja. Ou que não derrube, não construa algo pisando no outro, não o prejudique de forma alguma… mas ao conquistar a vitória faça uma provocação explícita ou discreta a alguém, foi então ação de um sentimento de inveja, oculto dentro desta pessoa. O orgulho é um sentimento que também depende do nível para ser positivo. Quando ele não é positivo, ele é um braço da inveja. O orgulho positivo é fruto da satisfação pessoal, do provar a si mesmo a capacidade. O negativo é quando está presente “o outro”. “Preciso mostrar para ele, ela, para alguém a façanha que conquistei”.

Estando presente na pessoa o desejo de mostrar ao outro que subiu um degrau e deixou a outra abaixo, não é apenas uma satisfação meritocrática. É a inveja oculta. A pessoa que não carrega o sentimento de inveja tem o pensamento em estar junto aos melhores. Trabalhando junto com os melhores para ajudar a levar mais gente junto. O invejoso não foca isto, ele tem a visão de ter sempre menos pessoas junto dele no pódio. A pessoa sem inveja agradece os aplausos mas não fez com objetivo de ser glorificada, apenas reconhecida e respeitada, ciente de sua missão em servir. No entanto, é do ser humano se exceder na admiração e transformar essa admiração em culto, glorificar pessoas que alcançam sucesso. Isto, inconscientemente, também alimenta a corrente da inveja. E mais uma vez relembramos que todo excesso é prejudicial, porque gera inúmeras coisas negativas, incluindo esta que estamos analisando, este sentimento chamado inveja.

Não resta dúvidas que estes níveis sutis desse nefasto sentimento são os mais dolorosos, porque: nos outros, à nossa volta, essas pessoas armam todo um cenário enganador até nos dar o bote. E quando presentes em nós mesmos vão atrasando nossa vida. Não custa relembrar; inveja não é só desejar o mal ao outro, olhar para o outro cobiçando aquilo que ele tem. Se você sentir algum desconforto com a beleza ou sucesso do outro, é um sinalzinho que ela está presente. Você pode não desejar o mal à pessoa, mas sentiu algum incômodo ao visualizar aquela pessoa numa situação vantajosa. Quer queira quer não, é inveja. Em pequena porcentagem, mas é. A ausência da inveja é quando você olha o sucesso do outro e se sente bem, estando você numa situação boa, regular ou ruim, não importa. Se você está satisfeito consigo e vê alguém melhor, não fará diferença. Se você está lutando por melhoria na vida, sair do sufoco, e vê alguém com todas as regalias, no sucesso, tranquilo, e não se sentiu incomodado com a presença daquela pessoa, você não tem inveja. E se vier o desejo de se espelhar nela, pensando “chegarei até ela”, nada além disto, também não é inveja. Mais alguns exemplos; o nefasto sentimento não tem classe social. Habitualmente as pessoas associam a inveja àquele que está nos degraus mais baixos para aqueles que estão acima. Sim, há muitos. Conheço uma pessoa que entra ano, sai ano, não sai daquela situação de penúria que caiu desde a fase final de sua juventude. Porque sempre se irritou com os irmãos e amigos que batalhavam pelo melhor. Em vez de correr atrás do dele, perdia tempo observando e se incomodando com o sucesso alheio. Ficava buscando detalhes para criticar, acusar. Hoje, já à beira dos 50 anos, o sujeito quando conversa não fala dele, fala dos outros. Sabe da vida de todo mundo, sejam coisas boas ou negativas. Está no fundo do poço, porque já tentei abrir seus olhos, mas está tomado pela cegueira da inveja. Tanto que ele nega que tenha inveja dos outros, mas insiste em falar dos outros. Não explora o seu potencial, não busca evoluir espiritualmente e culturalmente, porque seus olhos estão sempre vigiando a vida alheia, os colegas de trabalho… por isso não fica em emprego algum. Entra e logo arruma confusão, porque fica se incomodando com os outros. O caso dele é a inveja no mais alto grau que vai consumindo-o aos poucos. Mas também há pessoas que projetam aos outros esse nível elevado, e pessoas sensíveis acabam vítimas. Parece mentira, mas não é. A mãe de um colega me contou que certa vez, num supermercado, uma mulher que nunca viu, ao cruzar com ela, lhe disse: “nossa, que olhos lindos a senhora têm”. Ela agradeceu e seguiu seu caminho. No dia seguinte, ela me contou que amanheceu com uma dor terrível nos olhos, mal conseguia abri-los. Após ouvir esse depoimento, me certifiquei do poder das palavras. Inclusive das palavras carregadas de inveja.

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E finalmente, a inveja também sutil (ou nem sempre sutil) entre pessoas abastadas. Sim, há ricos que também invejam ricos. Aqueles que nunca estão satisfeitos, se incomodam quando conhecem alguém que tem algo que eles ainda não têm. Número de propriedades. Viagens que o outro fez. Ora, se ao ouvir uma pessoa me contar sobre um lugar que conheceu e me despertar o interesse, agradeço àquela pessoa, me despertou o desejo de conhecer o lugar. E não querer também ir, ou ir além, para depois me satisfazer contando a ela… isto seria inveja! As antigas colunas sociais de jornais e “revistas de fofocas” como popularmente se fala, eram lidas com muita inveja entre pessoas da nata da sociedade. Mas jamais admitiriam ter inveja desta ou daquela família… (risos…)

Inveja… poder obscuro. Ausência de luz, tristeza. Porém nem todo invejoso demonstra tristeza. Muitos são risonhos. Parecem positivos, alto astral… mas é fachada. Na verdade é o orgulho de seu ego que cria a imagem de estar bem, porque o invejoso não admite de forma alguma olhar para dentro de si e reconhecer que é preciso mudar algo, consertar algo. E lhe incomodará muito se isto for dito por quem quer que seja. Seja amigo, conhecido, parente. Ele sempre maquiará sua realidade. A inveja maquia a tristeza e a insatisfação consigo. Portanto… um poder obscuro, que devemos nos atentar, um mal que deve ser cortado pela raiz.(Cena do filme ‘Alice no País das Maravilhas/2010)

GEORGE ANDRÉ SAVY

Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.

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