No século XIX, o Brasil vivenciava profundas mudanças. O Império tentava se consolidar após a independência, as transformações econômicas ligadas ao café modificavam a paisagem social de São Paulo, e a exploração da escravidão, ainda que presente, já dava sinais de desgaste. Nesse contexto, a cidade de Jundiaí ocupa um lugar particular: situada em posição estratégica entre São Paulo e Campinas, foi palco de processos que revelam tanto a permanência de estruturas coloniais quanto a abertura para novas formas de organização econômica e social.
Entre as fontes que nos permitem compreender esse passado, o Censo de 1872 ocupa um lugar central. Foi a primeira contagem oficial da população realizada pelo Estado imperial em todo o território brasileiro e, em Jundiaí, trouxe informações preciosas sobre a demografia, a condição jurídica dos habitantes, a composição racial, a estrutura familiar e a vida cotidiana.
No Censo de 1872, o levantamento ocorre em unidades administrativas: a Parochia de Nossa Senhora do Desterro de Jundiahy e a Parochia de Nossa Senhora de Bethlem de Jundiahy. Cada uma delas apresentava números próprios de população, escravizados e livres, revelando nuances importantes da realidade local. Essa distinção nos permite compreender não apenas o peso da escravidão e do trabalho livre, mas também o modo como a cidade se estruturava social e economicamente.
O censo registrou que a Parochia de Nossa Senhora do Desterro de Jundiahy contava, em 1872, com 2.720 habitantes, dos quais 2.631 eram livres e 89 eram escravizados. Essa proporção de apenas 3,27% de cativos chama atenção, principalmente se comparada a outras cidades do interior paulista, como Campinas, onde os escravizados chegavam a representar mais de 30% da população.
Já a Parochia de Nossa Senhora de Bethlem de Jundiahy tinha um perfil um pouco diferente: 1.739 habitantes, sendo 1.577 livres e 162 escravizados. Aqui, a participação da escravidão era maior, cerca de 9,3%. Embora também estivesse abaixo dos grandes centros escravistas, Bethlem preservava uma estrutura mais tradicional, em que o trabalho cativo ainda desempenhava papel relevante.
Essa divisão mostra que Jundiaí não era homogênea. Em alguns núcleos, como o Desterro, o trabalho livre predominava; em outros, como Bethlem, a escravidão ainda se mantinha como base de parte da economia. Essa coexistência de modelos de organização do trabalho é um dos traços mais interessantes da história jundiaiense do período.
Ao olharmos para os números do censo, percebemos que a escravidão já estava em retração em Jundiaí em 1872. Isso não significa que fosse irrelevante, mas sim que seu peso econômico era bem menor que em outras regiões.
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No Desterro, os 89 escravizados representavam uma pequena fração da população total. Em Bethlem, a proporção era maior, mas ainda distante dos padrões de Campinas ou Itu. Essa diferença pode ser explicada por vários fatores:
Economia diversificada, em vez de se apoiar na monocultura do café ou do açúcar em grande escala, Jundiaí se estruturava sobre uma base de policultura, produção de aguardente e atividades comerciais para suprir como parada àqueles que buscavam adentrar o sertão paulista.
Proximidade da capital e da ferrovia: a ligação com São Paulo e com a São Paulo Railway, inaugurada em 1867, facilitava o transporte, estimulava o comércio urbano e abria espaço para ofícios e serviços que dispensavam a escravidão.(Ilustração: Quadro “Calceteiros”, J.B. Debret, Rio de Janeiro, 1824).

JOSÉ FELICIO RIBEIRO DE CEZARE
Mestre e doutorando em Ensino e História de Ciências da Terra pelo Instituto de Geociências da Unicamp. Membro da Academia Jundiaiense de Letras. Pesquisador, historiador, professor, filósofo e poeta. Coeditor da Revista literária JLetras. Para saber mais, clique aqui. Redes sociais: @josefelicioribeirodecezare.
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