Lazer e EXCLUSÃO: Onde cabemos?

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Sabe aquela sensação de ir a uma cervejaria artesanal ou a um restaurante de qualidade, sentar-se à mesa, ser bem atendido, tomar bebidas fascinantes e comer porções de lamber os beiços? Pois é, muitas pessoas nem fazem ideia de como é essa experiência. Jundiaí, por exemplo, é uma cidade cheia de espaços de lazer bem decorados, com propostas interessantes. No entanto, existe uma porcentagem enorme de moradores da região que nunca frequentaram esses ambientes, como pessoas negras, indígenas, periféricas, LGBTQIAP+ ou com certos tipos de deficiência. O lazer e exclusão andam de mãos dadas. Afinal, onde cabemos?

Na próxima vez que você for a um bar ou restaurante de renome, com uma infraestrutura admirável e um cardápio bem pensado, convido você a observar o público presente. Possivelmente, não haverá pessoas citadas acima. A acessibilidade a esses espaços não ocorre por diversos motivos, entre eles questões financeiras, desconforto devido à sensação de não pertencimento, medo de preconceito e, claro, falta de acessibilidade física.

Embora o fator socioeconômico, as questões raciais e a acessibilidade para pessoas com deficiência sejam de extrema importância e urgência, não posso me aprofundar tanto nesses temas, pois não são meu foco de estudo ou vivência. No entanto, posso falar sobre a sensação de não pertencer ou o medo do julgamento, algo que conheço de perto.

Durante um período da minha vida, trabalhei em bares e restaurantes de regiões nobres de Jundiaí como “extra” aos finais de semana. Na monotonia do fluxo baixo de clientes, eu me perdia em devaneios sobre minha vida como artista, pessoa LGBTQIA+, mulher, e o meu corpo estava ali, aguardando para atender os clientes. Esses processos mentais me proporcionaram insights valiosos — diria até que foi um estudo antropológico orgânico. Percebi, por exemplo, que a “Síndrome do Pequeno Poder” é muito mais presente nas pessoas do que eu imaginava. Compreendi a importância da empatia e como as pequenas interações cotidianas podem ter um impacto profundo. Mas algo que me incomodou profundamente foi ver, semana após semana, um tipo muito específico de pessoas frequentando aqueles espaços, e isso raramente mudava. Raramente via pessoas não brancas, deficientes, com corpos e estilos dissidentes, diversidade de gênero ou orientação sexual. Era como se esses lugares de lazer simplesmente não fossem feitos para essas pessoas.

No meu círculo social, quase ninguém se encaixa naquele padrão e me entristece ver que os meus não ocupam esses lugares. Muitas vezes o problema é financeiro, mas nem sempre. O desconforto e o medo iminente de ser maltratado ou subjugado também são barreiras. Vivemos em um país onde ocorrem, anualmente, diversos atos de LGBTfobia em padarias, restaurantes e bares. Agora, imagine-se nessa situação, caro leitor: você é uma pessoa LGBTQIA+ e assim como muitos trabalhou a semana toda, tem dinheiro para sair e sabe que merece ter lazer, beber um drink de primeira linha, acompanhado de um prato feito por um chef de cozinha. Você quer se sentar à mesa e receber um ótimo atendimento, mas não pode! Não é que você não tenha o direito legal, mas você ouviu recentemente que duas conhecidas, um casal, foram a um restaurante sofisticado para celebrar um aniversário e tiveram que ouvir do gerente que elas não poderiam fazer “sem-vergonhice” naquele ambiente familiar. Elas estavam apenas de mãos dadas. Depois de ouvir algo assim, você se sentiria confiante para ir a um lugar parecido?

Quem não faz parte de grupos minoritários não imagina como é esse processo de escolher para onde vamos. Ouço frequentemente comentários de que Jundiaí não tem muitos lugares de lazer para pessoas LGBTQIA+, e isso é a mais pura verdade. Quando dizemos que procuramos “um lugar para nós”, não estamos pedindo uma bandeira arco-íris na entrada; queremos apenas saber se o local terá uma equipe que nos tratará com respeito, e se haverá respaldo em caso de um ato de agressão verbal ou física contra nossa existência.

Dentre os desafios diários, nós permanecemos. Em um Brasil onde, só em 2022, houve mais de 2.300 denúncias de LGBTfobia registradas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos , nossos corpos dissidentes continuam a resistir, mesmo quando o sistema nos tenta apagar. A exclusão que sentimos nesses espaços não é apenas simbólica; ela reflete uma estrutura social que limita nossa circulação e nossa dignidade. E essa exclusão vai além de bares e restaurantes: ela está em todas as esferas.

No entanto, existe uma força em continuar existindo, em forçar a mudança ocupando os espaços que dizem não ser para nós. Cada vez que sentamos à mesa de um restaurante sofisticado, estamos reafirmando nossa presença e exigindo o que merecemos. Nossa exclusão só será perpetuada se aceitarmos a invisibilidade que nos é imposta.

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O ato de ocupar é, por si só, um ato de resistência. Por mais que esses espaços não pareçam prontos para nos receber, é justamente nossa presença que provoca a mudança. Diversas iniciativas em grandes cidades têm buscado reverter esse cenário, como a criação de comitês de diversidade e inclusão no setor de serviços . Mas a transformação real só acontece quando exigimos esse espaço.

Portanto, ao invés de nos escondermos, é hora de estarmos mais visíveis do que nunca. O sistema pode não querer, mas nós iremos resistir. Seja nos bares do bairro, nos restaurantes finos, ou na feira de domingo — nós temos o direito de estar lá, e estaremos. Com ousadia, enfrentamos os medos e traumas, porque é só ocupando esses lugares que podemos mudá-los.(Foto: KoolShooters/Pexels)

ANNA CLARA BUENO

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