A questão do lixo sempre foi complexa. Na medida que o consumismo aumenta, na mesma proporção também aumenta a quantidade de resíduos gerados oriundos das atividades humanas. Uma prática que foi se alastrando e ainda hoje perdura em locais por esse Brasil afora, é o costume das pessoas em jogar o lixo próximo à sua casa, num buraco a céu aberto, sem nenhuma forma de contenção ou tratamento para evitar propagação de substâncias nocivas ao solo, nem para combater o odor, proliferação de insetos, ratos e outras consequências relacionadas a essa prática. É bom que se diga: lixões não são aterros sanitários.
Ainda no Brasil Colônia, registrou-se uma das primeiras medidas de ordem jurídica, para tratar da questão do lixo, assinada por D. Pedro II, o Decreto nº 3.024 de 25 de novembro de 1880, que referendava contrato para limpeza e irrigação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, antigo nome da atual cidade do Rio de Janeiro, tendo como titular do contrato Aleixo Gary, “emprezário” – com z – cujo sobrenome serviu de origem a palavra “gari”, usada para identificar o trabalhador que atua na área de limpeza urbana. Firmava-se então, uma das primeiras modalidades de concessão de serviço público à particular para a realização da limpeza urbana, além das atividades necessárias de irrigação.
A nomenclatura lixo, inicialmente dada aos detritos resultantes de atividades de consumo, passa a sofrer alterações de significado na medida que são pensadas novas formas de debater essa questão. Os movimentos ecológicos passam a buscar alternativas para a solução do lixo, considerando outros valores, como a sustentabilidade do meio ambiente, criando e aperfeiçoando novos conceitos de como lidar com a situação. Desta forma o lixo passa a ser chamado de resíduo sólido, com características próprias conforme a sua origem. A definição antiga ainda encontrada nos dicionários, de que lixo “é tudo aquilo que não se quer mais e se joga fora; coisas inúteis, velhas e sem valor”, já não condiz com a definição atual pela qual é visto.
O reaproveitamento, a reciclagem, a sua utilidade como matriz energética, enfim, tudo passa a conferir ao lixo novas ideias de como lidar com essa questão. Dentro desse contexto o grande desafio que surge para os municípios é como dar destinação adequada aos resíduos sólidos em geral, produzidos no seu território. Ainda que a União e os Estados tenham participação indireta nessa questão, cabe aos municípios a solução do seu gerenciamento. É necessário priorizar e avançar em estudos e ações para buscar a redução na produção do lixo, e com isso gerar resultados e reflexos ambientais positivos na cadeia produtiva. Depois que ele ocorre, as consequências já se materializam no meio ambiente.
Nesse sentido é promulgada em 2010 a Lei nº 12.305 de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, cujos princípios nela elencados norteiam quais as ações devam ser adotadas por todos na busca de soluções para essa complexa questão do lixo. A lei também dispõe quanto a prioridades que devem ser observadas nas questões envolvendo a gestão e o gerenciamento de resíduos sólidos, quando indica uma escala de valores, devendo ser priorizado ações voltadas primeiro a geração do lixo, depois para a sua redução, reutilização, reciclagem, tratamento e finalmente a sua destinação ambientalmente adequada. Como não foram trabalhadas ações para tratar do lixo, conforme a ordem estabelecida, atualmente o problema reside na sua destinação.
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A lei que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabeleceu prazo de quatro anos, contados da sua publicação, para que os mandamentos nela contidos, fossem atendidos pelos responsáveis pela gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos, findando esse prazo em agosto de 2014. Para reforçar a aplicação da norma, a PNRS também trouxe alterações para a Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências, tipificando como crime contra o meio ambiente a conduta de produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos. O descumprimento do estabelecido na norma, implica numa pena de reclusão que vai de um a quatro anos e multa.
Decorrido o prazo, muitos são os municípios que não ainda se adequaram à norma e mantém lixões a céu aberto, causando as mais variadas situações de prejuízo ao meio ambiente, à saúde humana, poluição de solo, enfim, situações de considerável prejuízo à vida humana. Para amenizar ou agravar esse não atendimento à norma, tramita no Congresso Nacional medida legal para prorrogar o prazo final de quatro anos para a implantação de aterros sanitários compatíveis para a destinação adequada de resíduos sólidos, dispondo que esses aterros sanitários deverão ser implantados até 31 de julho de 2018, nas capitais dos Estados e dos Municípios integrantes de Região Metropolitana (RM) ou de Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) de capitais. O prazo até 31 de julho de 2019, para municípios com população superior a cem mil habitantes no Censo 2010, bem como para municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja situada a menos de vinte quilômetros da fronteira com outros países limítrofes. Prazo até 31 de julho de 2020, para municípios com população entre cinquenta mil e cem mil habitantes no Censo 2010; Prazo até 31 de julho de 2021, para municípios com população inferior a cinquenta mil habitantes no Censo 2010. Outras alterações de prazos também foram tratadas pela norma.
Assim, a lei até que tentou responsabilizar a inercia daquele que deveria ter adotado e implantado medidas para resolver a questão da gestão, gerenciamento e da destinação adequada dos resíduos sólidos. Porém, por absoluta falta de vontade política e descrença na punibilidade que poderia sofrer desses gestores, ainda teremos muitos lixões a céu aberto pelo país, produzindo graves impactos ambientais, sérios riscos para a saúde pública, poluição hídrica e do solo, entre outras mazelas previamente conhecidas. Lixões são o caos, enquanto os aterros sanitários, podem ser a solução atual para resolver a questão dos resíduos sólidos. (foto acima: EBC)
JOSÉ ROBERTO FERRAZ
Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.