Possuo, na porta e na janela de meu quarto, três filtros dos sonhos, também conhecidos como apanhadores ou caçadores dos sonhos. Tenho não pelas crenças que eles envolvem, mas por ser um trabalho artesanal com histórico indígena, que considero belo. Peças indígenas me encantam. Corre em minha veia, do lado materno, sangue dos Karajás. Aliás, tive uma mãe apanhadora de sonhos…
Conta a lenda que, antigamente, havia duas tribos em guerra. A raiva e o rancor, que geravam energias desarmônicas, faziam com que as crianças tivessem pesadelos. Então a grande mãe búfala pediu ao xamã da aldeia que fizesse um aro com galho de salgueiro. Os bons sonhos sabiam para aonde ir, passando pelo furo central. Os ruins ficavam perdidos, presos nos fios. Aos primeiros raios de sol, as energias ruins se dissipavam. Ou seja, na crença da nação Ojibwa – povo indígena da América do Norte, divididos entre o Estados Unidos e o Canadá -, o filtro separaria os bons sonhos das energias ruins. Uma pena é colocada no centro, representando o ar ou a respiração essencial para a vida.
Penso que a nossa mãe se identificou com o apanhador de sonhos. Dividiu-se entre a vivência da fé, o carinho, a preocupação com os seus, o desvio do incorreto. Tinha uma capacidade incrível de ouvir relatos e queria escutá-los para opinar a partir da verdade de cada um. Guardiã de sonhos dela e daqueles que faziam parte de seu entorno. Diante dos pesadelos que ameaçavam seu clã, jamais se intimidou em dizer “não”. Se preciso fosse, fechava a cara e não havia acordo. Tinha sensibilidade aguçada para detectar o que era do mal, envolto em aparência do bem. Quantos “nãos” ouvi ao longo de minha história e que, mesmo já adulta, os aceitava. Com o passar dos anos, percebi que a sua negativa era acerto para meus caminhos.
Uma mulher de renúncias e sem lamúrias. Quantas enfrentou e sempre de cabeça em pé. Por mais dificuldade que encontrasse, não voltava atrás no que assumira. Sinal da fidelidade que salva. Fez-se, desde a adolescência, uma mulher forte e assim permaneceu até que chegou o seu tempo de Eternidade. Como idosa, passou a bordar imagens de alegria com crianças e adolescentes. Foi mãe até o último instante e não partiu antes de ouvir que havia serenidade na voz dos filhos.
Além dos próprios, teve como delas alguns netos, dentro os quais os miúdos e graúdos da Magdala e da Casa da Fonte – CSJ- e o Padre Márcio Felipe que lhe ofereceu a graça da Unção dos Enfermos, na manhã seguinte que chegou ao hospital, para que os olhos de sua alma se abrissem à proximidade da madrugada da Páscoa.
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Estava com ela quando assoprou, pela última vez, a pena de seu filtro de sonhos, para viver a nova realidade de filha de Deus. Penso que, agora, com a alma em ternura, nos observa da estrela que iluminou o Céu na noite de Belém. Gratidão sempre!
Toda mãe de verdade é apanhadora de sonhos e proteção contra pesadelos. Minhas homenagens àquelas que estão em meio a nós e àquelas que partiram.(Foto: www.revistapazes.com)
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.
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