Nestes momentos tão conturbados, valerá a pena ler uma lenda escrita por Malba Tahan, o professor brasileiro Júlio César de Melo e Souza, e refletir. Mais de uma vez, li os livros de Malba Tahan. Poucos brasileiros foram capazes de ter obras elogiadas e consideradas pedagógicas no mundo inteiro. Logo ele que não pretendia ser escritor, começando a criar histórias para aumentar a mesada, porque o salário de professor era insuficiente para viver. O livro Maktub vendeu milhões de exemplares. A apresentação do livro já é interessante: Maktub é particípio passado do verbo Ktab (escrever), então, maktub significa: estava escrito. Quando um árabe, nos momentos de angústia, exclama maktub não está proferindo um brado de revolta, é uma forma de reafirmar que seu espírito está conformado com os desígnios insondáveis da vontade de Deus: está escrito.
O livro Maktub é de lendas e todas deixam claro que fazer o mal não dá certo, enganar ou bajular, muito menos. A primeira lenda do livro intitula-se “A pequena luz azul” e nos faz refletir.
Ei-la: “Certa manhã, o sultão El-Khamir mandou vir à sua presença o prefeito da cidade e o questionou:
-Prefeito, levantando-me pela madrugada vi, no meio da escuridão, uma luz azul muito brilhante. Estou intrigado, gostaria de saber quem passou a noite em vigília.
O prefeito respondeu:
-Não será preciso procurar, aquela luz provinha do oratório da minha casa! E, diante do sultão, fingindo humildade, abaixou a cabeça e falou:
-Eu e minha família passamos a noite em vigília, pedindo a Deus Onipotente pela preciosa saúde de Vossa Majestade…
-Obrigado, meu bom amigo, vou recompensá-lo por isso, disse o sultão.
Mandou chamar o grão-vizir Moallin e ordenou que desse uma recompensa de mil dinares ao prefeito pela dedicação.
Moallin perguntou:
-Que fez ele para merecer tanto dinheiro?
E o sultão contou a ação nobre do prefeito.
Ao ouvi-lo, o grão-vizir disse:
-O senhor está sendo enganado por esse homem indigno. Essa luz era a lâmpada de azeite que iluminava minha sala de estudos. Fiquei até altas horas acordado, cogitando sobre os graves problemas que Vossa Majestade precisará resolver e pensando na solução.
-Grande e esforçado amigo! Tornou, radioso o sultão. Tereis uma boa recompensa! Mandou chamar o general Muhiddin e ordenou que desse ao grão-vizir honrarias de sheik e contou sobre a dedicação dele.
O general perguntou, com visível admiração:
-Vossa Majestade acreditou nas falsas palavras de Moallin? Era minha intenção ocultar a verdade, disse, fingindo modéstia; agora, sou obrigado a revelar que essa luz provinha da minha tenda de campanha. Havia boatos que a cidade seria tomada de assalto e que a vida de Vossa Majestade estaria em perigo. Passei toda a noite zelando por sua vida!
-Por Deus! Que valentia! Que heroísmo! Vou conceder-lhe o título de príncipe de Hedjaz e uma pensão de vinte mil dinares!
Depois de muito refletir sobre as declarações diferentes, o sultão resolveu consultar seu velho amigo Alli-Effendi e contou-lhe tudo.
O velho amigo disse:
-Na minha franca opinião, Vossa Majestade não deve acreditar em nenhum deles. Creio que a luz provinha de um farol em El-Basin, que indica o caminho certo aos navegantes perdidos nas noites de tormenta. O prefeito, o grão-vizir e o general aproveitaram-se da sua benevolência e o enganaram.
O sultão alçou ao amigo os olhos surpresos…
-Então, é a luz do farol?
-Verifique, hoje à noite, quem fala a verdade.
E assim, de madrugada, o sultão chegou à janela. Estranha surpresa o aguardava! A notícia das recompensas se alastrara e toda a cidade estava iluminada pelas luzes das casas. Eram milhares de lanternas e lampiões.
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E o crédulo sultão compreendeu que, em seu rico e poderoso país, para cada súdito honesto, havia um milhão de mentirosos e bajuladores”.
Não há necessidade de acrescentar nada à lenda de Malba Tahan, ela está completa e pode nos ajudar a refletir sobre os falsos amigos e descobri-los, se formos capazes.(Ilustração: Consulfarma)

JÚLIA FERNANDES HEIMANN
É escritora e poetisa. Tem 10 livros publicados. Pertence á Academia Jundiaiense de Letras, á Academia Feminina de Letras e Artes, ao Grêmio Cultural Prof Pedro Fávaro e á Academia Louveirense de Letras. Professora de Literatura no CRIJU
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