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MAPAS, cólera e SIG´s

Por mais esquisito que pareça o título, ele será justificado: veremos no decorrer do texto como mapas estarão totalmente conectados com cólera, doença infectocontagiosa e com SIG´s, Sistemas de Informação Geográfica, que são, a grosso modo, a manipulação de um banco de dados computacional espacialmente referenciado à Terra. Difícil de crer mas…vamos ver?

Estamos no ano de 1854, em Londres, Inglaterra. Uma violenta epidemia de cólera se espalha sobre a cidade, mais especificamente no Soho, área decadente, repleta de indústrias malcheirosas e pobreza. Mas quase toda a cidade é imunda e fede, com sujeira para todo lado. Como nem todos podem pagar os “limpadores”, que levam os dejetos para fora da área urbana, o lixo passa a ser acumulado nos porões, nas ruas, onde der.

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E o desespero vai tomando conta da população, pois “do nada” se inicia diarréia intensa, que, sem tratamento, evolui para desidratação, coma e morte. E o fantasma de um surto da peste negra ocorrido em 1665/66 ainda paira: cerca de um quarto da população londrina foi dizimado, agravado pelo extermínio de cães e gatos que se pensavam serem transmissores, mas, na verdade, eram os predadores dos ratos, vetor da peste bubônica.

Bom, nesse quadro, surgem duas autoridades, em lados opostos de idéias e ações: de um lado, Edwin Chadwick, do Comitê da Saúde, adepto da teoria miasmática, ou seja, que tudo que cheirasse mal, fazia mal. De outro, o médico John Snow (foto abaixo), descrente dessa tese, já tinha uma posição diferente: a de investigar minuciosamente os locais e a história de vida dos óbitos, com a ajuda do pároco local, e assim relacionar não com o ar, mas com a água que estavam ingerindo tais pessoas.

E como ele fez isso? Simplesmente (mas quando não se sabe de antemão como, nem o resultado, sabemos que não é tão simples assim) assinalando no mapa da cidade os pontos de ocorrência das mortes e, ao mesmo tempo, localizando as bombas que forneciam água para a população. Bingo! Pelo desenho, os pontos convergiam para uma bomba, situada na Broad St. (Broadwick Street, ou Rua Broadwick).  Daí, entre lacrar a bomba e verem os casos diminuírem expressivamente foi rápido, pois se tratava de contaminação fecal da água distribuída, especialmente dessa bomba, que continha a bactéria Vibrio cholerae, altamente contagiosa e assintomática, isso é, muitos dos que podiam estar contaminados não apresentavam os sintomas de cólera.

Esse verdadeiro “caso de suspense” é narrado em livro, cuja resenha pode ser consultada clicando aqui. Além da perspicácia do médico Dr. Snow em relacionar, em um mapa, as ocorrências dos óbitos e as bombas de água, prováveis fontes de contaminação, tal fato ficaria marcado como pioneiro em uma das áreas mais modernas e tecnificadas, hoje, que são os SIG´s.

Isso porque ele utilizou dados diferentes (óbitos, fornecimento de água e arruamento), localizando esses dados de acordo com a sua posição real.  Cruzando-os em um mapa, ele fez algo que até então ninguém tinha feito: relacioná-los espacialmente, trazendo os conceitos de vizinhança, perto, longe, no entorno, que, para o caso, foram suficientes para elucidar o problema. Segue ilustração do mapa de Snow, com as ruas, as localizações dos pontos e da bomba na Broad St.

Muito se passou até que se chegasse aos softwares de SIG que têm funções que possibilitam realizar análises espaciais, em um ambiente geograficamente definido, ou referenciado, com coordenadas em graus ou em metros, relacionando diversos dados para uma sorte infindável de objetivos, cada vez mais sofisticados. Mas a ideia é sempre a mesma, desde a experiência bem sucedida em 1854.

Como exemplo, segue a ilustração, em que se têm “camadas” (ou layers) de dados, num plano horizontal. Elas são dispostas de cima para baixo e verticalmente, significando que estão nas mesmas coordenadas geográficas: o arruamento, as edificações, a cobertura vegetal.

O resultado, na base, são os dados integrados, em um mesmo layer, no qual se podem fazer inúmeras análises: a quantidade de arborização urbana está de acordo com a lei? Onde estão localizadas as árvores com perigo de cair? Quais as distâncias entre as moradias e os equipamentos públicos, como hospitais, escolas, parques?

É um mundo de informações que serve amplamente à área ambiental e à tomada de decisão, mas que não há limites para sua aplicação: como nosso “pau pra toda obra”, o Google, localiza tão bem a nós e a tudo o que queremos? É, isso mesmo, usando intrincadas técnicas, incluindo o SIG. A Terra é nossa fronteira. Será?


ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.


 

Créditos das fotos/ilustrações

John Snow – Wikipedia

Mapa Londres / óbitos / bombas andersonmedeiros.files.wordpress.com

Imagem camadas – www.macae.rj.gov.br

Terra spacetoday.com.br

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