MARCHA TRANS: ‘Sair à luz do dia para acabar com preconceito’

marcha

A comunidade trans de Jundiaí realizará a terceira marcha pelas ruas do centro de Jundiaí no próximo sábado, dia 25. O evento é idealizado por Tiana Cauton(foto abaixo), travesti preta que se elegeu suplente a vereadora nas últimas eleições. Nesta entrevista, Tiana conta como foi o seu processo de transição e os preconceitos, agressões verbais e dificuldades que enfrenta junto com outras pessoas trans. Ela também fala da organização do evento que cruzará a rua Barão de Jundiaí. Confira:

Quando se descobriu trans? 

Meu processo de transição começou aos 19 anos. Desde criança me entendi como uma pessoa diferente. Sempre gostei de objetos femininos. Aos 19 anos, ao entrar no mundo político, da militância e ao começar conhecer o mundo, iniciei a minha transição. Trabalho desde os 14 anos. Eu era muito retraída, tinha vergonha. Ao ter acesso a outras identidades de gênero acabei me descobrindo como uma pessoa trans. O processo levou quatro anos para eu começar a me harmonizar. Tinha medo do estigma que existe sobre os trans…

Sofreu preconceito da família?

Preconceito, não. Houve mais a questão do entendimento. Houve uma ‘confusão’ na minha família e comigo mesma para entender quais eram os meus espaços e minhas possibilidades dentro de casa, saindo com meus pais. Acabei me afastando uns dois anos mesmo morando com eles. Eu precisava me entender primeiro. Minha mãe sempre me aceitou, nunca quis me expulsar de casa, nunca me criticou. Muito pelo contrário: ela sempre me acolheu. Ela sempre me disse que independentemente de quem eu sou, ela me amaria. Tive muitos problemas em relação ao nome social…

Como enfrentou e superou preconceitos?

Primeiro eu gritava muito. Ao entrar na militância, me tornei chata que não abaixava a cabeça. Tudo tinha de ser do jeito que eu queria. Até que entendi que através do diálogo com a minha família poderíamos juntos superar todas as diferenças…

E da sociedade? Jundiaí é uma cidade preconceituosa? Como é na prática os ataques e preconceitos?

Convivemos com muitas risadas, muitas piadas. Carros buzinam, os ocupantes gritam e ofendem. Mas nunca ninguém falou nada na minha cara. Talvez por que eu tenha quase dois metros de altura. Acho que pensam: ‘eu não vou mexer com essa preta enorme’. Nunca sofri violência física. Mas sofri muita violência verbal. Não é fácil enfrentar isto. O medo anda ao nosso lado 24 horas por dia. Principalmente por Jundiaí ser uma cidade muito bolsonarista. Isto me dá muito medo. Mesmo assim levanto, faço minha maquiagem, coloco meu melhor look e vou para a rua. Não vou deixar o preconceito me silenciar.

Diante de tanta homofobia, como conseguem ter forças para resistir?

Eu li uma frase da deputada federal Erika Hilton muito simbólica: “O ódio que eles tem por mim não é maior do que o amor que eu tenho por quem precisa de justiça”. Esta frase resume bem este momento de tanta homofobia no país que mais mata pessoas trans pelo 15º ano consecutivo e ao mesmo tempo é o que mais consome pornografia trans. O Brasil é o país que mais nos exclui no mercado de trabalho, nas escolas, na saúde. Mesmo diante deste cenário catastrófico de um país que quer a todo custo tirar a nossa vida, vejo sentido no amor, na esperança de ter uma vida mais digna, de buscar melhor educação e saúde. Tiro força de toda a esperança dos que estão ao meu redor e da Erika Hilton.

Você foi candidata a vereadora no ano passado?

Sim, foi um grande desafio. Concorri pelo PSOL. Tive 1.817 votos e estou como suplente de vereadora do Cardume…

A política é um dos caminhos para a mudança de consciência?

Com certeza. Tudo que fazemos é política. Acredito que o Brasil vive hoje um processo horrível de emburrecimento das pessoas. Grandes políticos e grandes empresários não querem que as pessoas da periferia tenham acesso a um ensino de qualidade para conscientização de que a política é um caminho para que a mudança seja feita. Não querem nem que tenhamos acesso à nossa própria história, a história dos pretos, dos povos nativos…

A marcha homenageará as que vieram antes de vocês. Coincidentemente, há poucos dias Samy Fortes morreu. Ela chegou a participar da organização deste evento? O que a comunidade trans perde com a ausência dela?

Não, não participou. Ela era a responsável pelo Cais(Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis, Transexuais, Transgêneros e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade de Jundiaí e Região) e sempre esteve nas lutas das comunidades trans, LGBT, negra-indígena, das mulheres. Perdemos uma potência gigantesca. A Samy era um guerreira que abriu portas para que inclusive eu pudesse estar à frente da Marcha Trans, como diretora do Movimento Aliados. O legado dela será levado para frente sempre buscando uma Jundiaí mais justa, mais livre e, assim, as pessoas LGBTs poderão ter saúde, educação, dignidade, comida no prato. Além da Samy, no final do ano passado também perdemos uma das travestis mais antigas da cidade, a Denise dos Santos Souza. Ela tinha histórias de vida importantes. Creio que a vivência de uma pessoa trans equivale a três vidas. Vivemos a rua, a precariedade, os processos mais dolorosos. E quando se é preta piora. Minhas condolências para às famílias das duas. Elas eram grandes lutadoras…

Esta não é a primeira Marcha Trans, correto?

Não. A primeira edição foi em 2023. Na ocasião realizamos um desfile na frente da Biblioteca Municipal. Também teve o Baile das Transformistas. A segunda edição foi no ano passado, no centro da cidade. Tivemos discursos e também tivemos um desfile muito simbólico.

Por que decidiram realizá-la neste dia 25?

Sempre realizamos o evento no último final de semana de janeiro já que este é o Mês da Visibilidade Trans. No dia 29 é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Realizaremos no dia 25 por ser mais próximo do dia 29. Seria muito complicado realizar a marcha neste dia, numa terça-feira. Num sábado, a partir das 10 horas, a população poderá ver as pessoas trans…

A marcha tem como objetivo dar visibilidade às histórias de coragem e promover reflexão e inclusão. No entanto, uma parcela da população vê os eventos promovidos pelos LGBTs como atentados ao pudor. Como atingir pessoas que pensam assim?

Resistindo, lutando, estando presente nas ruas à luz do dia. Costumam demonizar a comunidade LGBT. Falam que somos promíscuas, que cometemos atentados ao pudor. Mas esquecem que somos seres humanos, que temos diversas possibilidades negadas, que não temos acesso a quase nada. A melhor forma é marchando, exigindo e resistindo. Vamos lutar, somar forças e mostrar para a cidade que pessoas trans estão à frente de movimentos sociais, que estão na política, que são artistas, que são trabalhadoras. Somos pessoas comuns. O que nos diferencia, além da estatística de vida de apenas 35 anos já que somos mortas diariamente, é a identidade de gênero. Nós comemos, fazemos nossas necessidades fisiológicas… Como humanizar as pessoas que pensam assim? Temos nos mostrar durante o dia já que querem nos ver somente à noite, nas esquinas, nos prostituindo, seguindo as normas impostas aos trans. Então, vamos contrariar essa norma e sairemos a luz do dia…

A concentração será as 10 horas na praça do Fórum. Qual o percurso?

Sim. Teremos caixa de som com microfone. Vamos caminhar pela Barão de Jundiaí, em direção a Praça do Pelourinho(Praça Ruy Barbosa). Faremos uma pequena parada em frente à Galeria Bocchino. Ali acontecerão alguns discursos. Pediremos mais justiça, mais respeito, mais inclusão. É recomendado que os participantes usem roupas azuis, rosas e brancas para simbolizar a bandeira trans. Teremos balões, cartazes.

Onde acontecerão as apresentações culturais, discursos e roda de conversa?

A roda de conversa será na praça. Durante o percurso faremos apresentações de poesias, slans e alguns gritos e falas simbólicos. Também cantaremos…

Onde será o Baile das Transformistas?

Será na Lux Loung Bar, na avenida Nove de Julho, a partir das 23 horas. Teremos a presença de Bixarte. Ela é cantora, poetisa, atriz muito potente. O trabalho dela é gigantesco. É muito importante termos personalidades importantes como ela, que é preta, marchando com a gente numa cidade tão difícil como Jundiaí. Será uma noite de celebração e conscientização…

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