Discutir masculinidade já é difícil, imaginem discutir masculinidades… Sim, no plural! Trata-se de padrões consagrados pelo mundo “masculino”; fazer rir de propostas machistas, ou fazer rir de propostas toscas ou ainda rir de situações bizarras não se trata de masculinidades, nem nada: é uma situação grotesca, tóxica e agressiva, atribuída a afirmação da masculinidade com viés machista. Coisas da temporalidade.
A crise do masculino é algo que remete à disputa do poder, do medo de ser desmascarado e perder o “ser masculino”, a afirmação da própria masculinidade, que é ser tentado a defender o falo. O pavor de vir a ser desvendado sem seu “pau”, perdendo seu espaço e antenando seu medo de ser menor, ser mais feio, ser menos másculo. Ser menos “hetero top”.
E quem é o “hetero top”? É o cara que tem um estilo de vida fantasioso, recheado por dinheiro (mesmo que seja temporal), com muita droga, lança, fumo, bebida, companheiras fúteis e fotos de muito sorriso. É o sujeito de boa aparência, sorriso falso e forçado, aplaudido pelos “colegas” chamados de amigos, patéticos, com orgasmos forçados e mentirosos e prazeres fúteis.
As meninas fáceis e as meninas que literalmente “caçam” seus parceiros a laço (numa atitude que atende a alguns ideais mas não é o feminismo) são as companheiras preferidas do “hetero top” porque sentem-se desfrutáveis e contam suas relações sexuais por números e repetições em cada noite. Quanto mais melhor, quanto mais “catar”, mais poderosos ambos são. Só que não. Têm orgasmos consigo próprios porque não são capazes de ter orgasmo com e causado por alguém. Pobreza de alma, mas existem aos milhares.
As conversas são sempre as mesmas, como se o tempo não passasse ou como se o Homem não evoluísse: eu peguei aquela, eu sai com aquela, aquela é facinha, fiz assim e assado com aquela, aquela é gostosa. Parece até que estes “hetero tops” não têm esposas em casa, nem tiveram mães ou irmãs com quem aprendessem uma regra de etiqueta. Aliás, etiqueta é o que não conhecem. Mas no mundo das masculinidades tudo pode ser mais profundo.
Estes mesmos, que pertencem a um conjunto de comportamentos tóxicos, são os membros de um outro novo grupo: o grupo dos “Brothers”. E, sendo assim, são adeptos da “broderagem”, aquelas atividades sexuais que eram tidas como “viadagem”, em tempos passados. Entretanto, como eles se autodenominam “hetero raiz”, a prática passa a ser um jogo sexual onde eles se divertem entre si, manipulando, manuseando, pegando, praticando atos/gestos sexuais com seus “parças”, mas isso é coisa de macho. Estranha masculinidade.
Ou será apenas mais um espectro das masculinidades?
São estes que perseguem os rapazes mais delicados e sensíveis, denominados “bichas” ou “veados” por eles. São estes que já “cataram“ todas as “minas” e as “coroas carentes” e que contam em suas rodas de conversas, como mais uma conquista, mais uma aventura, de modo a enaltecer seus valores como homens, porque sentem-se homens, enquanto são apenas animais no cio.
A bestialidade e a ignorância devem ser irmãs gêmeas e, como tal, têm em comum apenas as palavras grotescas e os gestos toscos daqueles que acreditam que ser livre significa ser violador dos direitos dos outros. Discutir e apresentar sua intimidade em tons de baixaria é apenas jogar na latrina o orgulho próprio e expor o caráter duvidoso de que são portadores. E não se trata de puritanismo, mas de reflexões de grandes pensadores da Humanidade.
Ressaltar o tamanho de pênis e descrever a genitália da parceira só garante o selo de qualidade da falta de caráter e da inadequação social de pessoas deste grupo. Pena que alguns gostem de ouvir, outros não conseguem dizer que não toleram o assunto e outros não conseguem se manifestar contra porque o ambiente é impregnado pelo espírito machista que aprova a ostentação, seja ela qual for.
Aliás, isso é sintoma da doença sociocultural a que estamos sujeitos e da falta de caráter em que vivemos: aceitamos ou aprovamos este tipo de conversa porque somos doentes também. Somos igualmente fracos. Somos estruturalmente destruídos da mesma forma. Mas nos calamos diante disso. Os homens, desde pequenos estão inseridos no esquema que diz: homem tem que ser assim. E seguem o baile. Mas homem têm que ser assim?
Homens não necessitam aprender a respeitar a outro e o outro? Homens precisam ser levianos? Homens precisam ser insensíveis? Homens precisam desqualificar os demais? É o que vemos: os padrões não podem ser quebrados. O menino tem que “catar” a amiguinha ou a empregada da família, porque homem faz isso. Os adolescentes têm que ir ao puteiro perder a virgindade com uma “puta”, porque isso é padrão desde que o Mundo é Mundo. Mas de que Mundo estamos falando? De que homens estamos pensando? Qual sociedade queremos para nossos filhos? Que tipo de relacionamentos esperamos fortalecer e esperamos espelhar em nossa família?
Quando nossos filhos ou nós mesmos não aceitamos essa regra machista tosca, somos punidos e violentados pelos demais machos “hetero tops”, de uma forma ou de outra. E este punir é uma forma de educar e dizer: homem que é homem faz isso e ponto final. Aí começa a revolução interna, começam os sofrimentos, as indagações e os medos, que nos questionam sobre “nossos erros”, como se aqueles que discordem das baixarias fossem os errados e os de caráter duvidosos fossem as pérolas da Humanidade.
Interessante notar que bons comportamentos, bons hábitos de relações humanas e culturais e educacionais soam como massacrantes para os meninos e adolescentes masculinos. Atualmente parece soar estranho que um rapaz goste de estudar, que fale outras línguas, que não use gíria, que seja gentil, que não se interesse por drogas nem sexo livre. A estes, de forma cruel, são imputadas as mais severas penas sociais: são desclassificados como homens e são chamados, no mínimo de mulherzinhas.
E assim, as tais mulheres de nossas vidas (mães, avós, irmãs, tias, namoradas, amigas) são mais uma vez rebaixadas e desclassificadas, como um artigo descartável e de segunda categoria, porque não se enquadram em artigos, pessoas ou coisas de primeira linhagem. São o resto do resto, o inominável. O descartável. Está ai a coisa da segregação a que tantos se voltam para descaracterizar, mas que as famílias fortalecem e reproduzem com uma força estupenda e doentia. Trata-se de um vicio de costumes.
Por que vício de costumes? Porque desde o início das gerações já temos estes exemplos. Desde períodos da formação da sociedade brasileira, também, isso se manifesta, bem descrito em “Casa Grande e Senzala”, sem causar espanto nem contestação, mas aceitável como se fosse o melhor dos mundos e a melhor das conformações sociais. É a separação entre quem manda e pode e quem deve ser mandado e desprezado, sem mais juízos de valores, porque não tem valores. Que triste.
Na atualidade vemos o desvirtuar das palavras e suas funções, porque na regra do “siga o líder”, este líder atual é o “líder modinha”, às vezes vestido com roupas de grife e da moda, sempre vestido como membro de um grupo, 10 ou 15 anos mais novo (então, sem enquadramento), exercendo atração sobre um grupo de pessoas que o endeusa e enaltece sua fala e suas ações, sempre intencionais e plantadas para serem vistas, pouco autenticas e executadas para atrair holofotes para si. Meras falsidades.
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Estes mesmos “líderes” não se fixam em nada, não concluem seus objetivos, por não os terem claros, mas flanam por todos os espaços e circunstancias, porque vivem da aparência. Ostentam os sorrisos “instagramizados” e têm mais de milhar de seguidores e amigos nas redes sociais, enquanto não dão conta nem da sua família. Pobres de espírito.
E por que tal reflexão? Porque as convivências ficam cada vez mais tênues e distantes e o fio da navalha apenas se torna mais e mais afiado. Oxalá tivéssemos coragem de banir de nossas relações pessoas tão superficiais e fúteis, que se aproximam por conveniência e maniqueísmo! Chegará o dia em que teremos dois grupamentos: os amigos, de fato e os interesseiros, sem outra categoria. Mas banir essa chaga de nossas Vidas é um processo doloroso, porém necessário.(Foto: folhagospel.com)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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