Final de tarde e na esquina da rua Agostinho Balestrin, no bairro da Colônia, em Jundiaí, dois vigilantes noturnos aguardam o encerramento do expediente de dois estabelecimentos comerciais. Esta é uma rotina é diária. Eles estão ali para literalmente baixar as portas das lojas. Os donos, cansados de tantos assaltos, contrataram os vigilantes para montar guarda, afastar os bandidos e fechar os comércios com um pouco mais de segurança. A presença dos vigilantes causa um efeito dominó. Aos poucos, outros lojistas saem de seus estabelecimentos, checam se os dois homens uniformizados estão na esquina e rapidamente iniciam o fechamento de seus comércios. Todos têm medo. Muito medo. Os roubos, alguns com mortes, traumatizaram moradores e comerciantes do entorno do terminal de ônibus do bairro, vizinho do centro esportivo Romão de Souza e da avenida dos Imigrantes.

Os vigilantes (foto acima) preferiram não dar seus nomes. Contaram que fazem este serviço há um bom tempo. E confirmam a informação de moradores e comerciantes de que o bairro da Colônia deixou de ser tranqüilo, um lugar bom para se viver e trabalhar. Os profissionais, embora trabalhem desarmados por força da lei, disseram que nunca tiveram problemas com criminosos. A presença deles intimida. Sem contar que estão conectados a outros vigilantes através de rádios. Daí, acionar a Polícia Militar ou Guarda Municipal é muito mais fácil.

Perto dali, a dona de um salão de beleza segue o mesmo ritual dos vizinhos e aproveita a presença dos vigilantes noturnos para encerrar mais um dia de trabalho. “A gente tem de fechar cedo e quando eles(os vigilantes) estão por perto. Temos medos de ser roubados”, explica. Foi neste salão de beleza, por volta das 18 horas do dia 23 janeiro de 2014, que um ladrão foi morto durante assalto.

Para azar do criminoso que tinha 39 anos, um PM à paisana cortava o cabelo no momento do roubo. “O bandido era um homem bem vestido. Ele entrou e avisou que era um assalto. Disse que iria levar o dinheiro e minhas máquinas”, contou a comerciante. O policial, ainda sentado, falou para a lojista obedecer. Ela estranhou. “Pensei: como um policial pode falar para eu entregar o dinheiro?”, lembrou.

No momento em que ela se dirigiu ao caixa, o PM tentou pegar o revólver. “O ladrão deu um tapa no rosto dele. Os dois se agarraram. O ladrão atirou e, graças a Deus, não acertou o policial. O PM reagiu e matou o outro homem”, disse a mulher. Ela arrastou uma das cadeiras usadas para cortar os cabelos dos clientes e mostrou um buraco no chão. “É a marca de um dos tiros”, explicou. Segundo ela, o ladrão estava acompanhado por uma mulher que ficou do lado de fora do salão. Ela fugiu quando o primeiro tiro foi dado.

Naquele dia, a PM chegou rapidamente. As viaturas passam pelo bairro, conforme explicou ela. Porém, não é o suficiente para coibir a criminalidade. Ela mora no andar de cima do salão e contou que dias atrás foi acordada por um forte barulho. Eram bandidos arrombando a porta do estabelecimento com um pé-de-cabra. “Comecei a gritar e eles foram embora”. Novamente a PM chegou rápido. Só que não prendeu ninguém”.

A mulher vive e trabalha no bairro da Colônia há 30 anos. “Aqui era um lugar bom. Eu trabalhava até tarde. Hoje, quem não quiser ser roubado tem que fechar cedo. Perdi muitos clientes por causa dos ladrões”, informou. Para ela, a situação começou a piorar com a instalação do terminal de ônibus, há alguns anos. Uma moradora que estava no salão concordou com ela. “A linha que serve o bairro da Colônia também é usada por moradores dos núcleos de submoradias. Ninguém conhece mais ninguém. Tanto dentro do terminal como dos ônibus, sofremos coação de quem está vendendo algo ou simplesmente pedindo esmola”, revelou. A comerciante concluiu: “a solução para estes problemas é aumentar o policiamento”.

Terminal de ônibus da Colônia: segundo moradores, criminalidade aumento com inauguração
Terminal de ônibus: segundo moradores, criminalidade aumento com inauguração

Mais uma morte – Outro comerciante viveu situação parecida com a da dona do salão de beleza. Três homens invadiram o estabelecimento dele. Também havia um PM no local. “Armado, ele pediu para os bandidos se entregarem. Dois saíram correndo. O terceiro, que estava pegando o dinheiro do caixa, apontou a arma para o policial que atirou e matou o ladrão”, relembra.

E o que passa pela cabeça da vítima quando se depara com uma situação assim? “Só entende quem vivenciou algo do gênero. Ver alguém morrer na sua frente é horrível. Na hora do tiroteio você tem a certeza de que vai morrer também já que está encurralado num lugar com dois homens armados e um deles, o ladrão, geralmente está drogado e só quer saber de levar o dinheiro. Depois que a gente passa por isto não dá mais para ficar relaxado. O tempo todo fico olhando para a porta e pensando que vou ser assaltado novamente”, revelou.

Este lojista disse que trabalha há 10 anos no bairro e já foi roubado quatro vezes, com R$ 2 mil de prejuízo no total. “Assaltos são comuns aqui. Os moradores não podem chegar tarde em casa. Sempre há um ‘nóia’(viciado) esperando. As vezes fazem o morador de refém. Outras entram em limpam a casa. Já tive vários clientes roubados. Em muitos casos, além de levar o dinheiro, ainda batem nas vítimas”, contou.

Os assaltos também estariam acontecendo no estacionamento do supermercado Boa, na avenida dos Imigrantes. “Um amigo meu foi vítima. O roubo aconteceu às 14 horas”, contou. O entorno do supermercado, aliás, é um dos pontos preferidos dos bandidos que geralmente são adolescentes. “Do outro lado da avenida existe uma escadaria que dá acesso ao jardim Tamoio. Os ladrões a utilizam como rota de fuga. Quando entram ali não existe mais chance de ser presos”, disse. Ele lembrou ainda que recentemente um bandido foi surpreendido furtando fios elétricos de um comércio próximo. Ele tentou fugir mas foi detido por pedestres que o agrediram violentamente. A assessoria de imprensa do estabelecimento não deu retorno à solicitação de informações feita através de e-mail.

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Rota de fuga: na avenida dos Imigrantes, ladrões atacam e escapam por  escadaria

O lojista revela ainda que o bairro sofre com a falta de carteiros. A Colônia seria considerada pelos Correios como um local de alto risco para os profissionais que fazem a entrega de correspondências. Ora as entregas são feitas com auxílio de escoltas. “A gente vai pegar a mercadoria e se depara com um monte de homens armados”, explicou o comerciante. Ora, a pessoa precisa ir até um centro de distribuição dos Correios, geralmente no bairro do Retiro, para retirar a encomenda.

Churrasco – Uma moradora das proximidades contou uma história pitoresca vivida meses atrás. Numa noite, ela percebeu que havia alguém no quintal e chamou a PM. A família tinha feito churrasco naquele dia. “Fiquei com minha família dentro de casa enquanto o bandido reacendeu a churrasqueira, comeu carne e consumiu tudo o que tinha na geladeira. Ele foi embora com a barriga cheia, feliz da vida, levando também ferramentas e uma bicicleta”, lembrou. Os policiais militares procuraram e não localizaram o assaltante comilão. Por mais curiosa que seja a situação, a moradora afirma que o trauma em decorrência do medo é terrível. “Fiquei com uma dor insuportável pelo corpo todo. Na hora você só pensa em proteger os filhos. Você ouve o barulho e pensa que o ladrão vai entrar na casa. O desespero é imenso”.

Depois deste fato, a moradora com 18 anos no bairro, decidiu investir mais ainda na segurança da casa, como instalar cercas elétricas. Assim como a dona do salão de beleza, ela é do tempo em que não se falava em violência no bairro. E concorda que as coisas pioraram quando o terminal de ônibus foi instalado no final da avenida dos Imigrantes. “Com ele aumentou o fluxo de pessoas e o número de comércios cresceu. Onde há comércio há dinheiro. E onde há dinheiro, os ladrões passam a atuar mais”, disse.

Para ela, os assaltantes são do jardim Tamoio, São Camilo e Baixada Paranaense. O antigo hospital psiquiátrico do Tamoio, que passou por revitalização, serviria para traficantes como ‘disque drogas’. “Eu já vi: o sujeito chegou de moto, com baú na garupa, pegou a droga e entregou para outro rapaz. A minha calçada está sempre cheia de tubetes de cocaína”, afirma. Segundo ela, ao lado do Romão de Souza existe um ponto de tráfico de drogas que funciona dia e noite.

“Eu não chamo a polícia. Na verdade, eu não saio de casa. Não abro os portões. Atendo a todos pelo interfone. Quando preciso, peço ajuda do vigilante noturno”, explicou. Segundo ela, arrastões aconteceriam na avenida dos Imigrantes e também nas proximidades de uma escola. Os bandidos teriam como alvo o dinheiro e os celulares das vítimas. “Depois, muitas das vítimas postam no Facebook que foram roubadas”. Para ela, a solução seria o aumento do policiamento no bairro da Colônia.

Bigato – Nas imediações do terminal, moradores e comerciantes convivem com um “criminoso amigo”. Todos o conhecem como “Bigato”. Se a pessoa dá comida ou roupas, Bigato passaria a ser uma espécie de cuidador da casa ou loja. “Ele não rouba quem o ajuda e não permite que o façam. Agora, se mesmo assim algo é levado de quem o auxiliou, ele recupera o objeto na boca de fumo”, contou o comerciante. Ultimamente, Bigato está preso.

Casos recentes – No dia 5 de maio deste ano, um homem tentou invadir a casa de idoso de 89 anos, na Colônia. A PM foi para o local e prendeu o criminoso de 29 anos. Antes dele, outros dois assaltantes já tinham sido presos pelo mesmo motivo. Dez dias depois, policiais militares prenderam dois homens que assaltaram um casal na rua Atibaia. Um deles fugiu. No momento da prisão, uma mulher se aproximou dos PMs. Ela mandou os soldados soltarem o rapaz já que ele “só pretendia roubar os celulares das vítimas”. A mulher também foi presa.

No dia 7 de agosto, um grupo de jovens invadiu uma casa no bairro da Colônia e fez a família de refém. A PM prendeu um maior de idade e deteve dois adolescentes. Já no dia 12 de outubro, três homens foram presos e outro foi morto após tentarem roubar uma casa do bairro. A PM, que contou com apoio do helicóptero Águia e da Guarda Municipal, perseguiu os bandidos. Houve tiroteio.

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