A criança é MENINO ou MENINA?

menino

No último dia 29 foi celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans e eu quero contar uma história. O bebê nasceu com pênis: é um menino! A criança foi crescendo, muito amada pelos seus pais, avós e pela família ampliada. Inclusive, as pessoas da comunidade expressavam muito carinho e admiração por ela. Quando tinha pouco mais de três anos, começou a demonstrar interesse pelo universo feminino. Ficava imitando os trejeitos da mãe, amarrava ornamentos na cintura simulando uma saia, tecidos na cabeça que lhe fazia parecer ter longos cabelos. Preferia as brincadeiras femininas com as meninas e, quando estava com os meninos, ficava isolado e triste.

Aos cinco anos, conversando com seus pais, expressou com convicção: não sou menino, eu sou uma menina! Sempre fui. Próximo aos nove anos, disse: “de agora em diante eu quero me vestir como as meninas, quero ter um nome feminino e brincar com as meninas. Minha maior vontade é contar para todo mundo que eu sou uma menina!”.

O relato sobre esta criança é uma realidade que está dentro das possibilidades da diversidade humana, isso em todos os tempos e em todas as sociedades. Entretanto, o desenrolar dessa história pode variar de acordo com cada cultura. Na verdade, cultura precisa ser dita no plural. Culturas.

Podemos pensar em dois desfechos possíveis. O primeiro diz assim:

Os pais não ficaram surpresos, pois percebiam que sua criança tinha mesmo algo diferente. Ao contrário, ficaram entusiasmados com a ideia de que não tinham mais um filho, mas sim ganharam uma filha. Para acolher a demanda de sua criança, os pais planejaram uma grande festa, uma verdadeira cerimônia, com a participação dos parentes e de toda comunidade, em caráter de surpresa.

No dia da cerimônia a criança, muito feliz com a surpresa, vestiu-se e maquiou-se como as mulheres, dançou com elas e ganhou um novo nome, desta vez feminino. Encerrada a festa, passou a ser tratada e respeitada como mulher, ocupando um espaço social aceito e valorizado por todas as pessoas de sua comunidade. Um final feliz!

Já no segundo desfecho possível…

Os pais não ficaram apenas surpresos, ficaram arrasados. “Como assim você é uma menina?”, perguntavam. Percebiam na sua criança algo diferente, mas torciam para ser apenas uma fase. “Isso é coisa de criança que não sabe o que quer, isso vai passar”, diziam. Mas o desejo da criança em se expressar no feminino não passava, criando uma tensão crescente. Um dia ela perguntou: “quando o meu pipi vai cair? Os pipis das minhas amiguinhas já caíram”.

Para esconder essa demanda do resto da família e da comunidade, seguindo inclusive orientação de um psicólogo absolutamente equivocado, os pais passaram a reforçar o universo masculino de sua criança, proibindo-a de usar roupas ditas de menina. Também nos brinquedos, tiraram as bonecas e sobraram apenas carrinhos. De nada adiantou, até que uma tragédia foi evitada no último segundo, quase que por um milagre. Enquanto se preparava para tomar banho, a criança estava prestes a mutilar o próprio pipi com uma tesoura, para resolver de vez sua demanda em ser uma menina.

Considerações finais:

O primeiro desfecho revela a cultura ameríndia norte-americana. Nos povos originários da América do Norte, mais especificamente na nação Mohave, uma criança transgênero tem visibilidade e ocupa um espaço importante. Eles criaram papéis sociais para acolher a diversidade humana, do jeito que ela se apresentar. Nesta cultura, há espaço para acolher, respeitar e valorizar o que chamamos de homossexualidade e transgeneridade.

Já a segunda cena é a que mais se aproxima da nossa cultura ocidental judaico-cristã, em que o preconceito e a discriminação contra a diversidade sexual e de gênero é ensinada e aprendida desde a mais tenra idade. A diversidade humana é natural, já o preconceito é uma construção social.

Agora reflita: qual cultura é “primitiva”, e qual é “civilizada”?(Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels)

MARCELO LIMÃO

Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP.  Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042

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