MENINOS sem fronteiras

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No parquinho, uma cena que já se tornou comum: o menino grita, corre, empurra, exige o brinquedo. A mãe, sentada no banco com o celular na mão, olha de relance, hesita, suspira. “É assim mesmo, ele é ativo, é menino”, justifica para a avó que tenta adverti-lo com um olhar. O garoto ignora, pisa no balde da areia da menina ao lado e solta um “sai daqui!”. Ninguém diz nada. Na esquina da infância do século XXI, o limite virou tabu. Dizer “não” parece cruel. Corrigir virou repressão. E punir(essa palavra maldita) tornou-se sinônimo de violência. Os meninos crescem livres, mas muitas vezes soltos demais, vagando sem bússola entre o que podem, o que querem e o que deveriam aprender a não fazer.

O resultado? Um mundo onde eles crescem achando que tudo lhes é devido. Que o mundo é seu palco, e todos os outros — especialmente mulheres, professores, colegas — são figurantes em sua narrativa de protagonismo ininterrupto. E quando, finalmente, encontram um limite, não sabem o que fazer com ele. É verdade que muito se avançou. Não se criam mais meninos a cintada. Nem se amarram emoções deles em cadeados de ferro. O autoritarismo cedeu espaço ao diálogo. O problema é que, muitas vezes, o diálogo virou monólogo infantil, onde os adultos se calam e os filhos discursam.

Muitos pais — principalmente pais homens — não sabem como educar seus filhos sem repetir os próprios traumas. Foram ensinados com rigidez, sem afeto, e agora tentam compensar isso com liberdade sem direção. Dizem: “quero que ele tenha o que eu não tive”. Mas se esquecem de que limites não são castigos. São cuidados. Limite é abraço em forma de borda.

A ausência de limites não cria meninos mais felizes. Cria meninos confusos, frustrados e inseguros. Porque, no fundo, toda criança precisa de contenção para crescer com segurança. Quando ninguém lhe diz “aqui não”, ela entende que tudo é permitido. E o mundo real, cruel como é, será o primeiro a lhe provar o contrário com dureza.

O século XXI, com toda sua tecnologia, globalização e discursos inclusivos, ainda não resolveu o enigma de como formar meninos emocionalmente saudáveis. Há um medo coletivo de traumatizá-los. Mas, ironicamente, ao não colocarmos limites claros, estamos justamente traumatizando-os por negligência.

Nas escolas, os relatos se repetem: meninos que agridem colegas, interrompem aulas, desafiam professores, e depois choram desesperadamente quando chamados à responsabilidade. Não é que sejam maus. É que são mal contidos, mal orientados, mal compreendidos. Estão em luta com o que sentem e não sabem o que fazer com isso.

Não sabem que a raiva pode ser nomeada, que a frustração pode ser acolhida, que o erro pode ser corrigido sem destruição. Porque ninguém lhes ensinou isso. Educar meninos em tempos de crise da masculinidade é uma tarefa que exige coragem. Coragem para dizer “não”, para suportar o choro, para aguentar a frustração do filho, para lidar com o olhar julgador dos outros pais no grupo da escola. Mas é uma coragem urgente.

Num mundo onde tudo exige velocidade, produtividade e visibilidade, a educação dos meninos foi se tornando uma tarefa deixada para depois — ou para os outros. As mães tentam sozinhas dar conta da casa, do trabalho, da escola e da educação emocional dos filhos. Os pais, muitas vezes, ainda atuam como figuras auxiliares: disciplinam quando “a coisa aperta” ou se ausentam na hora mais difícil.

E então, quando o menino explode, todos se perguntam onde foi que erraram. Mas a resposta, em geral, está no que não fizeram. No “não” que não deram. No tempo que não ofereceram. No exemplo que não foram.

Estabelecer limites é um ato de amor. Um amor firme, às vezes duro, mas necessário. Amor que diz: “eu vejo você”, “eu me importo tanto que não vou permitir que você se torne alguém que machuca os outros — ou a si mesmo”. Há quem ainda confunda limite com opressão. Mas não são a mesma coisa. O limite ensina o menino a conviver, a compartilhar, a escutar, a ceder. O limite ensina que ele não está sozinho no mundo. Que há regras — e que elas existem para proteger, não para punir.

O menino que aprende a escutar um “não” em casa saberá escutar um “não” da vida — sem surtar. Saberá ouvir uma negativa de uma mulher sem confundir com humilhação. Saberá reconhecer autoridade sem sentir-se diminuído. Saberá pedir ajuda sem acreditar que falhou como homem.

O menino que cresce sem limites, por outro lado, se torna refém das próprias emoções. Cresce como um ditador em miniatura, que desmorona ao primeiro confronto. Ou, pior: cresce acreditando que pode tudo, e que os outros existem apenas para satisfazê-lo.

E quantos homens adultos hoje não vivem assim?

A educação dos meninos não é uma responsabilidade apenas da família. É da escola, da mídia, dos espaços públicos, dos exemplos masculinos saudáveis que ainda resistem. É um projeto coletivo que envolve, antes de tudo, uma profunda revisão do que entendemos por “masculino”.

Precisamos permitir que meninos chorem — sim. Mas também precisamos ensiná-los a não machucar os outros por causa da sua dor. Precisamos incentivar que sejam doces — mas também que sejam firmes. Precisamos mostrar que ser homem não é dominar, mas dialogar. Que não há vergonha em pedir colo, em perder, em recuar.

E para tudo isso, precisamos estabelecer limites claros, justos, afetivos e constantes. Porque o menino que cresce com limites cresce mais livre. Livre de impulsos destrutivos, livre da arrogância do ego, livre da fragilidade escondida por trás da violência. Livre para amar com respeito, para conviver com diferenças, para lidar com o não sem colapsar.

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Talvez estejamos falhando com os meninos justamente porque temos medo de magoá-los. Mas precisamos lembrar: magoá-los momentaneamente com um limite é infinitamente menos danoso do que deixá-los se perderem em uma vida sem estrutura.

A infância é o tempo do “não” amoroso. Da contenção que ensina, da frustração que amadurece, da responsabilidade que humaniza. E quanto mais tarde esse “não” chega, mais violento ele parecerá. Que saibamos dizer “não” enquanto ainda é possível fazê-lo com ternura. Para que, no futuro, eles possam dizer “sim” a uma masculinidade mais justa, mais inteira, mais livre. E que nunca precisem crescer aprendendo, na dor do mundo real, o que poderiam ter aprendido no colo.(Foto: Gemini)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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