Entrando no mês de março, marcado internacionalmente por eventos que tratam
da luta pelos direitos das mulheres, oportuno falar neste artigo sobre o
movimento feminista brasileiro.
Tendo em vista o recrudescimento da mentalidade tacanha no Brasil, fruto do
senso comum machista e da falta de vontade de buscar informações honestas,
falar do movimento feminista hoje é atrair a ira de pessoas ignorantes que
enxergam este movimento como algo que buscaria “privilégios” para mulheres
em detrimento dos homens.
Muito pelo contrário, o movimento feminista sempre buscou justamente a
harmonia, o equilíbrio no que se refere aos direitos de gênero. E nada melhor do
que a própria História para comprovar que, graças ao movimento feminista, é que
hoje, muito embora a igualdade esteja longe de ser realidade, as mulheres podem
usufruir direitos antes negados por uma sociedade patriarcal e culturalmente
machista.
Serve, assim, este texto para fazer uma retrospectiva, demonstrando que o Brasil
deve muito a luta das feministas. Sim, porque uma Nação que se pretende
civilizada precisa, obrigatoriamente, despir-se de conceitos que colocam pessoas
em desvantagem em relação às outras. Vamos a ela.
No Brasil Colônia vivia-se uma cultura de repressão total às mulheres, que eram
vistas como seres infantilizados, sem direito a educação e consideradas
propriedades de seus pais, maridos, irmãos ou quaisquer homens que detivessem
um poder sobre elas.
No Brasil Império, as feministas começaram a se impor e o direito à educação
das mulheres passou a ser reconhecido. Nísia Floresta, grande ativista pela
emancipação feminina, foi fundadora da primeira escola para meninas no Brasil.
No mercado de trabalho algumas mudanças começam a ocorrer no ano de 1907,
durante as greves das costureiras que teve a influência de imigrantes europeias
que buscavam melhores condições de trabalho em fábricas, em sua maioria têxtil,
onde predominava a força de trabalho das mulheres. Entre as exigências dessas
greves, estava a regularização do trabalho feminino, a jornada de oito horas
diárias e a abolição de trabalho noturno. No mesmo ano, foi aprovado o salário
igualitário pela Conferência do Conselho Feminino da Organização Internacional
do Trabalho e a aceitação de mulheres no serviço público.
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Ainda no início do século XX, iniciam-se as discussões sobre a participação das
mulheres na política do Brasil. Em 1922 foi fundada a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, tendo como principais objetivos o direito ao voto e o livre
acesso das mulheres no mercado de trabalho.
Em 1928, Celina Guimarães Viana de Mossoró/RN conquista o direito de votar.
Neste mesmo ano, foi eleita a primeira prefeita no país (Alzira Soriano de Souza,
em Lajes/RN). Infelizmente, os dois atos foram anulados, mas abriram
precedentes para a discussão sobre o direito à cidadania das mulheres.
No ano de 1932, no governo de Getúlio Vargas, é garantido o sufrágio feminino,
sendo inserido no corpo do texto do Código Eleitoral Provisório o direito ao voto
e à candidatura das mulheres. Um ano depois, Carlota Pereira de Queiróz foi
eleita a primeira deputada federal brasileira.
Nos anos seguintes as feministas passaram a divulgar os ideais de emancipação
feminina e a denunciar a opressão sofrida pelas mulheres por meio de reuniões,
jornais e arte. Com a ditadura do Estado Novo, em 1937, o movimento feminista
perde força. Só no fim da década seguinte volta a ganhar intensidade com a
criação da Federação das Mulheres do Brasil e a consolidação da presença
feminina nos movimentos políticos.
A partir da década de 60, o movimento feminista incorporou questões como o
acesso a métodos contraceptivos, saúde preventiva, igualdade entre homens e
mulheres, proteção à mulher contra a violência doméstica, equiparação salarial,
apoio em casos de assédio, entre tantos outros temas pertinentes à condição da
mulher e que ainda hoje são discutidas.
Mas em seguida veio a ditadura militar e as ações do movimento diminuem, só
retornando na década de 70. Um dos fatos mais emblemáticos desta década foi a
criação do Movimento Feminino pela Anistia, em 1975. No mesmo ano, a ONU,
com apoio da Associação Brasileira de Imprensa, realiza uma semana de debates
sobre a condição feminina. Ainda nos anos 70, é aprovada a lei do Divórcio, uma
antiga reivindicação do movimento.
Nos anos 80, as feministas engrossam a luta contra a violência às mulheres.
Respondendo às reivindicações do Seminário Mulher e Política, realizado em
São Paulo em 1984, liderado por feministas, entre elas, Ruth Escobar, é criado,
em 1985, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher–CNDM.
Foi a primeira experiência de institucionalização das reivindicações dos
movimentos feministas no Brasil. Anteriormente, as mulheres não dispunham de
um órgão específico para atender suas justas demandas
Com a abertura política após a ditadura, as feministas integram os diversos
espaços, agora como sujeitos políticos. Em 1987, ano que antecedeu a
Assembleia Nacional Constituinte, uma grande mobilização foi criada pelo
movimento feminista que trabalhou com eficiência para que as reivindicações
das mulheres fossem incorporadas ao texto da nova Constituição Federal.
No ano de 1988, conduzindo uma grande campanha nacional com o tema
“Constituinte para valer tem que ter palavra de mulher”, o movimento feminista
conseguiu mobilizar mais de mil mulheres, possibilitando, com isso, a
concentração de suas propostas em um único documento intitulado “Carta das
Mulheres à Assembleia Constituinte”.
A carta foi o documento mais completo e abrangente produzido até então e está
dividida em duas partes: a primeira defendia a justiça social, a criação do Sistema
Único de Saúde, o ensino público e gratuito em todos os níveis, a reforma
agrária, entre outras propostas. A segunda parte do documento detalhava as
demandas em relação aos direitos das mulheres no que se referia à família,
trabalho, saúde, educação/cultura e violência.
Durante todo o período de articulação em torno da Constituinte, o movimento
feminista trabalhou diretamente no trato com os parlamentares, de modo a
convencê-los da necessidade do atendimento de suas demandas. Toda essa
movimentação foi chamada pela imprensa de “Lobby do Batom.”
Graças a esse intenso trabalho dos movimentos feministas e parlamentares da
bancada feminina, 80% de suas reivindicações foram inseridas na Constituição
Cidadã de 1988.
Entre elas destaca-se: A consolidação de que homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações; que a sociedade conjugal seria exercida pelo homem e pela
mulher; garantia de igualdade a todos os brasileiros perante a lei, sem qualquer
tipo de distinção; ampliação da licença-maternidade; concessão de
aposentadoria para as trabalhadoras rurais; 13º salário e férias anuais de 30 dias
para as empregadas domésticas.
Os governos de Collor e FHC deram pouco apoio à luta das feministas. Isso se
comprovou com a retirada de poderes do Conselho Nacional de Direitos das
Mulheres.
Mas, mesmo com esses obstáculos, a luta do movimento segue avançando. As
mulheres brasileiras participam das conferências internacionais convocadas pela
ONU em Viena, no ano de 1993, no Cairo, no ano de 1994 e em Beijing, no ano
de 1995.
As resoluções dessas conferências foram aceitas pelo governo brasileiro que foi
obrigado a reconhecer o papel econômico, social e político das mulheres no
processo de desenvolvimento no Brasil e no mundo.
No ano de 2003, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atendendo
reivindicação das feministas, criou a Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres (SPM), vinculada ao gabinete da presidência, tendo a Secretária status
de Ministro. A SPM passa a abrigar em sua estrutura o Conselho Nacional de
Mulheres, mas agora como órgão consultivo e não deliberativo. As conselheiras
da sociedade civil foram indicadas pelas redes nacionais de movimentos
feministas.
O governo Lula, por meio da criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres,
reconheceu a necessidade de produção de políticas públicas específicas,
coordenando e incentivando ações nos órgãos governamentais, com vistas à
transversalidade de gênero, reafirmando o compromisso do Governo Federal com
as questões de gênero. A transversalidade de gênero considera que as políticas
públicas devem contemplar ações comuns e integradas com as diversas esferas
ministeriais: saúde, trabalho, educação, desenvolvimento agrário, cultura, etc.
Nos anos de 2004, 2007 e 2011 foram realizadas, respectivamente, as 1ª, 2ª e 3ª
Conferências Nacionais de Políticas Públicas para as Mulheres, que reafirmaram
os pressupostos da luta feminista, tais como: a igualdade de gêneros; o respeito à
diversidade; a autonomia das mulheres; a laicidade do Estado; a universalidade
das políticas, a justiça social; a transparência dos atos públicos; participação e o
controle social.
Em maio de 2016, tive a honra de participar da 4ª Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres, num dos períodos políticos mais conturbados da
História, com a instalação do golpe que destituiria, de forma arbitrária, a primeira
mulher a governar o País.
Em meio a essa turbulência, pude colaborar, juntamente com mais três mil
participantes de todas as regiões do País, na aprovação de propostas que exigiram
a continuidade das conquistas nas políticas de proteção e de direitos para as
mulheres.
Portanto, como se viu, a atuação do movimento feminista foi e continua sendo de
crucial importância para a emancipação plena das mulheres. Além dos
movimentos sociais, a expressão da força das mulheres também está nas
associações de bairros, nos grupos de mães e comunitários, nos sindicatos, nas
associações classistas e, hoje, com muita força, nas redes sociais virtuais.
Esta variedade da representação espelha a pluralidade da população brasileira
feminina composta de mulheres negras, brancas, amarelas, heterossexuais,
lésbicas, bissexuais, transgêneros femininos, religiosas, ateias, agnósticas,
crianças, jovens, idosas, mulheres com deficiência, rurais, urbanas e todos os
demais segmentos de mulheres que anseiam por construir um Brasil igual para
todas e todos.
Mas precisamos ter em mente que a nossa realidade mudou. Vivemos atualmente
em um País tomado por golpistas que querem retroceder a um estado anterior de
opressão e de desigualdades.
Neste atual quadro político-social brasileiro, não nos cabe mais ficar em cima do
muro. Ao contrário, para aquelas que querem visualizar um horizonte mais justo,
há que se lutar firmemente contra essas crescentes ondas conservadoras e
segregadoras que insistem em se manter em nossa sociedade e também nos
Poderes Públicos, principalmente no Poder Legislativo.
Mais do quer nunca é necessário que as mulheres se unam no entendimento de
que é somente através da luta feminista que conseguiremos nos contrapor a esse
conservadorismo, com vistas a alcançar a tão sonhada igualdade de gênero.
Devemos fazer isso por nós, por todas as mulheres que nos antecederam na luta,
(muitas perdendo a vida), mas, principalmente, pela nova geração de mulheres.
Só a luta nos garante. Então, vamos a ela!(Foto: @angelanogueira2)
ROSE GOUVÊA
É advogada, militante feminista e LGBT de Jundiaí.