Infração administrativa ambiental sem multa incentiva a DEGRADAÇÃO

O ministro do Meio Ambiente, em recente entrevista à imprensa, mencionou que o governo federal pretende publicar decreto que reduzirá o valor das multas ambientais em até 60% do seu total. Segundo afirmou, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, aplicam cerca de 3 bilhões de multas/ano e a redução no seu valor traria benefícios ao meio ambiente, uma vez que possibilitariam a recuperação das áreas degradadas. As alegadas razões não convenceram. Realmente, o Decreto nº 3.179/99, revogado pelo Decreto nº 6.514/08, previa uma redução no valor das multas administrativas ambientais de até 90%, porcentagem até maior que pretendida. Porém, a redução de 90% no valor das multas, cumpridas algumas exigências estabelecidas pelo órgão ambiental, não é mais prevista em lei e voltar a insistir nisso gera desconfiança nos reais interesses ocultos. Por isso da necessidade de se publicar um novo decreto regulamentando o assunto. Em que pese os argumentos do governo, será mais uma medida desfavorável à proteção do meio ambiente, se realmente efetivada. Considerar que a infração administrativa ambiental não carece de multa é no mínimo incentivar ações de degradação contra o meio ambiente. Quanto a fiscalização ambiental, por ser tratar de competência comum prevista na Constituição Federal, as medidas adotadas pelo governo federal poderão também ser adotadas pelos governos estaduais e municipais, ou seja, um expressivo número de multas poderão ser anuladas. É preciso considerar que o crime ambiental, segundo a legislação brasileira, remete o infrator a três tipos de responsabilidades, quais sejam: criminal, administrativa e cível e todas elas se comunicam nos seus efeitos e responsabilização jurídica.

Na esfera criminal, o autor fica sujeito a uma pena de cerceamento de direitos e até de privação de liberdade, através de pena de detenção ou mesmo de reclusão, além de uma eventual multa de natureza penal, esta diferenciada da multa prevista na infração administrativa. A diferença básica entre os dois tipos de pena, detenção e a reclusão, é quanto a rigidez prevista no seu cumprimento. Na detenção o infrator pode responder o crime em liberdade, pagar fiança, enfim, se livrar da cadeia se concordar em assinar termo de compromisso para recuperação dos danos causados. Já na reclusão, que atualmente, segundo nossa branda legislação, também caberá pagamento de fiança, se a pena de reclusão for de até quatro anos, ele poderá eventualmente ser preso, o que tem sido muito difícil de acontecer na realidade da vigência das nossas leis penais. No contexto geral, dificilmente haverá a prisão e efetiva condenação do degradador ambiental, ao cumprimento de pena privativa de liberdade, até porque o objetivo geral da legislação ambiental é no sentido de que os danos sejam compensados e não a prisão do infrator.

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Além do reflexo penal que uma conduta ilícita ambiental pode resultar, o autor também é responsabilizado na esfera administrativa, onde é elaborado um procedimento administrativo, com direito a ampla defesa e contraditório, enfim, com todas as garantias de que o culpado teve o direito de se defender, resultando no pagamento de multa, além de outros tipos de sanções administrativas, caso seja condenado. O pagamento dessa multa é uma garantia mínima de que o dano causado por ele terá algum tipo de compensação, já que os efeitos danosos causados ao meio ambiente, jamais serão eliminados por completo no curto ou médio prazo. A recuperação de vegetação nativa, especialmente protegida em razão de seus atributos especiais, demora anos para se recuperar e mesmo assim não terá os mesmos elementos naturais de antes. Perdoar multas é uma incongruência jurídica, pois se cabe o seu pagamento em razão da infração ambiental praticada, porque haver a redução ou simplesmente extingui-la, já que é legitima e pode representar condiçãopara inibir eventuais outras condutas ilícitas. A sanção de multa administrativa, representa medida importante para a proteção do meio ambiente. Situação idêntica ocorre na esfera tributária, quanto ao Programa de Recuperação Fiscal, com a pretensão do governo em alterar a legislação em vigor, para perdoar multas e juros de grandes empresas, resultando na significativa redução na arrecadação.

Vale lembrar que esse programa vem sendo aplicado desde 2002, seja através de leis ou mesmo de medidas provisórias, objetivando o equilíbrio das contas públicas, o que parece não tem ocorrido, já que o atual déficit extrapola bilhões da dívida. Noutra situação, também na área ambiental, vale lembrar que com a promulgação do novo Código Florestal em 2012, através da Lei nº 12.651/12, as multas aplicadas por desmatamento ilegal em áreas de proteção ambiental e em reservas legais até 22 de julho de 2008, foram simplesmente anuladas pelo governo, conforme Instrução Normativa nº 12 de 06 de agosto de 2014. Dessa forma, quem desmatou até essa data, ficou impune em relação a infração ambiental cometida, ainda que tenha sido obrigado a criar um plano de recuperação ambiental – PRA e efetivar o cadastro ambiental rural – CAR. É certo que os danos decorrentes dos desmatamentos de vegetação nessas áreas restritas, já haviam produzido seus efeitos maléficos para o meio ambiente, com prejudicial influência nos recursos hídricos. Na Região Sudeste, principalmente no Estado de São Paulo, os impactos negativos causados pelo desmatamento de APPs e de RLs ficaram notórios quando da queda volume de água nos reservatórios no estado, causando enormes problemas de abastecimento para a população, além das consequências danosas à fauna silvestres e outros bens ambientais atingidos pela situação da seca.

Já na esfera cível, o infrator fica sujeito a compensar os danos causados através de medidas compensatórias, reparando o dano causado ao meio ambiente. Nessa situação, fica o Ministério Público à frente da pretensão do Estado, promovendo a cobrança através de ação civil pública, materializada através de inquérito civil. O pagamento pelo dano causado pode até refletir positivamente para o infrator, desde que todas as exigências legais tenham sido atendidas e devidamente comprovadas através de laudos periciais ambientais. Caso o infrator não atenda exatamente os requisitos previstos no termo de compromisso, a multa volta a ser cobrada na sua integralidade, além de produzir outros reflexos negativos para o infrator.

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Assim, somente pode deixar de aplicar a multa se a recuperação do meio ambiente foi realmente assumida e paga pelo degradador. Caso contrário não há como haver essa conversão de multa aplicada em prestação de serviços ou realização de qualquer outra atividade prevista na lei. É comum o infrator alegar que a área por ele desmatada foi recuperada naturalmente e, portanto, inexistindo a infração e consequente obrigação de pagar multa. Isso não procede. O STF já tem entendimento desde a vigência do Decreto nº 3.179/99, quanto aos casos de redução de multas, que somente é válida tal redução se a reparação do dano ambiental foi totalmente bancada pelo degradador. Caso a  recuperação ambiental se deu por motivos alheios a essa obrigação de reparar o dano ambiental, não haverá o benefício da redução da multa. Noutras palavras, aquele que provoca desmatamento de vegetação em área de preservação ambiental e aguarda a restauração natural das plantas, para solicitar a redução do valor da multa aplicada, sem que tenha arcado com as custas de um Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD, não será poderá ser atendido pelo benefício estabelecido na lei.

De forma que a legislação ambiental já oferta vários tipos de benefícios ao infrator ambiental para que seja compensado o dano por ele praticado. Concedera anulação de multas, já legalmente devidas e aplicadas, é no mínimo pactuar com a degradação em todas as suas formas.


DR. FERRAZJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.