NETFLIX, eu te abomino

NETFLIX

Era uma das principais threads no Twitter na segunda-feira (05). O motivo? A empresa cancelou repentinamente a elogiada ‘The OA’, não muito depois de ter colocado online a segunda temporada da série, que aparentemente acabou com um gancho tão forte, que alguns brincaram que foi estratégia para evitar um completo desarranjo mental do telespectador num eventual terceiro ano. Não é a primeira vez que Netflix, eu te abomino surge aos berros nas redes sociais. Mas não acontecia com tanta frequência como vem acontecendo no último ano.

Em março, poucos dias após a terceira parte da divertidíssima ‘Santa Clarita Diet’ entrar na rede, foi declarada o cancelamento da produção. Muitas outras estão na berlinda. Questionada, a companhia usa sempre o “retorno sobre investimento” como motivo para a descontinuação abrupta de seus shows, o que não é inteiramente a cerne da razão.

A fatídica situação, aquela que a gigante evita a todo custo, é outra. Em curto resumo, essa é uma resposta imediata para evitar um estopim causado por um planejamento muito arriscado e que vem acendendo o sinal vermelho de muita gente. Sendo mais claro ainda: ou a Netflix mostra a que veio ($$$) para seus investidores, ou a empresa corre sérios riscos num futuro nada distante.

Sim, os números de faturamento da plataforma são mensalmente estratosféricos. O número de assinantes ultrapassa os 150 milhões mundialmente. De longe detém a maioria do mercado. O que muitos não sabem é que seus déficits são igualmente impressionantes. Como é possível? Gasta-se muito mais do que se arrecada, se é que isso parece possível. Mas é. Questão de má administração? Não inconscientemente.

O plano da Netflix sempre foi viver de conteúdo próprio. Ou seja, ter em seu catálogo somente filmes, séries, programas e documentários que fossem produções originais. Isso nunca foi escondido. O que nunca foi deixado às claras (por motivos óbvios) é que há uma guerra por trás dos bastidores da qual a empresa está em enorme desvantagem, mesmo sendo líder de mercado. Na busca por uma fatia deste bolo gordo que virou o mundo audiovisual por demanda, canais de televisão e estúdios de cinema querem montar as próprias plataformas para chamarem de suas. Acompanhar o ritmo de mercado. Logo, todas as grandes marcas deixarão de serem aliadas para serem concorrentes diretas e pegarão de volta tudo o que lhes pertencem. É um adeus mais que ingrato: pode ser o golpe da viúva negra.

Com tantos grandões indo embora, a Netflix terá que caminhar com as próprias pernas e eles têm ciência disso. O grande problema reside no fato de que embora sejam um sucesso, não conseguem bater de frente com ícones da indústria que ditaram o mercado desde o nascimento do audiovisual e detém os direitos dos maiores clássicos da história do Cinema. Sem eles, a provedora de streaming pode virar um grande e lindo salão vazio.

Para se adiantarem, decidiram então começar a produzir conteúdo quase em massa para acelerar o preenchimento de toda a plataforma, criando seus próprios chamarizes e evitar que os assinantes migrassem pra concorrência quando ela estivesse oficialmente estabelecida. Lindo na teoria, uma lamentação na prática. Segundo a Variety, a empresa investiu US$ 13 bilhões de dólares em novos conteúdos e fechou o ano de 2018 com quase US$ 860 milhões no negativo.

Com o encerramento do contrato da Disney em mente (o cancelamento de todas as séries da Marvel não foi mero acaso), o número de investimento deve chegar aos US$ 15 bilhões até o fim deste ano, mesmo apresentando um fluxo negativo de quase US$ 400mi já no primeiro balanço de 2019 e com o adicional de que o aumento de volume de assinantes tenha decepcionado, e muito, os investidores no último trimestre. No planejamento do serviço, toda essa gastança sem retorno a curto e médio prazo é um mal necessário para se preparar para o que vem aí.

Há outras especulações que geram insegurança em torno da gigante. Maior nunca quis dizer melhore é um fato incontestável que “A Netflix Original Production” no início dos filmes e séries já não é mais sinônimo de qualidade. A coisa afeta majoritariamente os longas-metragens. Mais baratos de serem produzidos, eles surgem às pencas, às vezes protagonizados por atores de médio ou baixo escalão, suficientemente para serem reconhecidos “de algum lugar” pelo público médio nas divulgações geradas por algoritmos, resultando em cliques fáceis, mas frequentemente são um desastre: roteiros ruins, direções instáveis, produções genéricas e feitas nas coxas, fraquinhos que só. De nada servem além de preencher categorias e subgêneros em volume. Para tentar equilibrar as coisas, vez ou outra, surgem alguns filmes de respeito no catálogo.

Não é segredo a ambição da companhia em querer se impor dentro da indústria cinematográfica utilizando de suas próprias ferramentas, ainda que rejeite os convencionalismos tradicionais do ramo. E a mais cobiçada, claro, é a estatueta dourada mais importante de Hollywood. Depois então que o sensacional ‘Roma’ finalmente conseguiu romper o estigma de que o Cinema é mais que os longas exibidos numa sala projetável e foi um sucesso de indicações ao Oscar 2019, o que elevou o prestígio da Netflix a outro patamar, parece uma missão anual agora emplacar ao menos um sucesso a cada edição do prêmio.

Ainda pouco divulgado, a aposta para 2020 é o aguardado ‘O Irlandês’, de Martin Scorsese. Para isso estão investindo nada menos que quase US$ 280 milhões no filme (entre custo de adaptação, orçamento de produção e custos extras na pós-produção que ainda não cessaram), um valor insano para uma obra do gênero, mesmo vindo de um diretor tão renomado. Isso ainda desconsiderando os custos de campanha para (possíveis) nomeações na temporada de premiações. E, pelo visto, a provedora já parece ter aceito de que esse retorno é irrecuperável do ponto de vista financeiro.

O longa de Alfonso Cuáron, segundo seu próprio realizador, era um projeto autoral de baixo retorno financeiro, assim como foi também de orçamento. Cerca de US$ 15 milhões. Ansiosa pelo prestígio, a empresa investiu então um valor estimado de US$ 40 a 60 milhões (não divulgados oficialmente) somente para a campanha do Oscar. Insistentes na superioridade do home video com relação aos cinemas, decidiram exibir a película numa quantidade minúscula de salas, e em restritas sessões, somente para se adequar as regras da organização e conseguirem se candidatar como os demais. O que naturalmente diminui o potencial de maior faturamento.

Se parecia improvável que um drama preto e branco despertasse um aumento de usuários expressivo o bastante para cobrir somente seus custos, quem dirá dar lucro, parece implícito que a biografia dramática de Scorsese, por mais aclamada que for,será um elefante branco nos cofres do serviço. No mundo ideal de Hollywood, os US$ 280 milhões deveriam gerar algo em torno US$ 900mi, diretos ou indiretos, para ser considerado um investimento realmente bom. Valor muito acima de qualquer longa dos 60 anos da carreira de Scorsese (o mais lucrativo foi ‘O Lobo de Wall Street’: cerca de US$390 milhões – ao custo de US$ 100mi).

Até o momento, somente seis filmes obtiveram mundialmente uma arrecadação maior que US$700 milhões esse ano, segundo o Box Office Mojo. Todos blockbusters de super-heróis ou remakes de clássicos da Disney. Não brinco quando digo o valor é ultrajante e deve significar o custo de umas 100 (pequenas) produções originais da streaming. Seria encarado como um suicídio financeiro em qualquer outro lugar, ou “uma bomba-relógio”, segundo as palavras do investidor e diretor de TV, David Trainer, quando consultado pela CNBC sobre os contínuos e progressivos fechamentos de caixa altamente negativo da empresa.

MAIS UM ARTIGO DE LUCAS NARDO

YEARS AND YEARS: O CHOCANTE FUTURO DISTÓPICO NÃO TÃO DISTANTE

É bom todas essas exuberâncias financeiras começarem a desabrochar seus frutos. Além da Disney, a Warner, Apple, HBO (que está se unindo a outros canais e deve aposentar a HBO GO) devem chegar causando forte impacto e  acho difícil que o volume de produções tão esquecíveis dê mais ênfase que a qualidade na hora que o usuário tiver que optar em assinar a concorrente ou permanecer fiel ao serviço.Certamente não fará na minha. A não-canibalização do meio também não é uma opção. Combinadas, os custos de todas essas plataformas ultrapassarão a assinatura da TV a cabo que, no fim, não está se extinguindo (como muitos acreditaram), apenas evoluindo. Nem tudo, porém, é caso perdido.

De acordo com o site americano The Information, Reed Hastings, fundador da Netflix, informou que a estratégia da empresa deverá mudar em breve, reduzindo custos e priorizando a qualidade do conteúdo. E é bom mesmo. Porque não é somente o retorno sobre o investimento que incentiva o cancelamento de tantas séries prematuramente, é a forma autodestrutiva e megalomaníaca que utilizam na busca para se manterem no topo do pódio do mundo que criaram. Os “Netflix, eu te abomino” internet afora são apenas despejos de uma crescente de inconformados. E não são à toa. No lugar deles, estaria apreensivo: não raramente o criador é devorado pela criatura.


LUCAS NARDO

Bacharel em Comunicação Social (UniAnchieta Jundiaí). Publicitário de formação, marqueteiro por profissão e crítico de cinema por amor há mais de 10 anos.

 


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