Em meu trabalho como voluntária na área jurídica da Associação Mães pela Diversidade, ONG que acolhe mães e pais de crianças, adolescentes e jovens LGBTQIA+, recebo semanalmente reclamações sobre o desrespeito ao nome social, aquele nome escolhido pela própria pessoa transgênero, diferente do que constou originalmente na certidão de nascimento.
Trata-se de um desrespeito seletivo já que a resistência ao nome social é direcionada, particularmente, a pessoas que desafiam as normas de gênero. Duvido, por exemplo, que, em um evento em homenagem à atriz e imortal Fernanda Montenegro, alguém a anunciasse como Arlette Pinheiro Esteves Torres, seu nome constante do Registro Civil.
Essa resistência é fruto do preconceito contra pessoas trans e travestis.
Qualquer pessoa pode, por vontade própria, adotar em suas relações sociais, pessoais ou profissionais um nome social, seja porque ele expressa a identidade de gênero autopercebida, seja por considerá-lo mais bonito ou artístico, ou ainda para proteger sua privacidade. Não importa a razão: esse nome deve ser respeitado. Sempre.
Para pessoas intersexo e transgênero, o nome social é parte fundamental da sua expressão de gênero.
Pessoas intersexo, cujas características biológicas não se encaixam nas categorias binárias homem e mulher, frequentemente usam um nome diferente daquele atribuído quando nasceram. O mesmo ocorre com pessoas transgênero, que passam a se reconhecer com um gênero distinto do designado no nascimento.
Como o nome é reconhecido por lei como um atributo da personalidade, cabe unicamente à própria pessoa decidir adotar ou não um nome social correspondente à sua identidade.
Esse nome deve ser respeitado e utilizado em todas as relações sociais, inclusive nos ambientes escolar e laborativo, independentemente de ter sido formalmente adotado ou de constar no Registro Civil (após retificação no assento de nascimento).
A legislação garante esse direito.
O nome social pode e deve ser inserido, mediante mera autodeclaração, nos mais diversos documentos de identidade, como a Carteira de Identidade Nacional, CPF, CNH, título de eleitor e Cartão Nacional de Saúde. E ainda nos sistemas e documentos das operadoras de saúde suplementar, nos cartões, contas e correspondências bancárias e em todos os documentos escolares, mesmo para pessoas menores de 18 anos de idade (mediante solicitação de representantes legais ou sua assistência).
No Estado de São Paulo, o uso do nome social por pessoas transgênero em todos os órgãos públicos está assegurado pelo Decreto nº 55.588/2010. O desrespeito a esse direito pode configurar infração administrativa prevista na Lei nº 10.948/2001, sem prejuízo de responsabilização funcional, no caso de agentes públicos(as).
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A recusa reiterada em respeitar o nome social de pessoas trans – prática conhecida como “deadnaming” – pode ainda se constituir em discriminação ilícita, passível de indenização por danos morais, inclusive no ambiente de trabalho. Quando praticada de forma intencional, essa conduta pode caracterizar o crime de racismo, na modalidade de LGBTQIA+fobia.
Respeitar o nome social não é, portanto, favor. É obrigação legal – e o primeiro passo no caminho do respeito à dignidade e à cidadania das pessoas trans e travestis.(Foto: Agência Brasil/Brasil de Fato)

LUCIENE ANGÉLICA MENDES
É graduada pela Faculdade de Direito da USP, com especialização em Direito Homoafetivo e de Gênero pela UNISANTA. Procuradora de Justiça aposentada. Advogada. Integrante do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público. Associada, voluntária, palestrante e conselheira na Associação Mães pela Diversidade.
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