Ao final do ano, a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) publicou em seu boletim uma “Carta aberta à comunidade jurídica”, na qual convocava os profissionais do Direito, a sociedade civil e os parlamentares a:

– “Não promover discurso político disfarçado de discurso jurídico;

– Restabelecer serenidade e moderação necessárias à boa administração da justiça;

– Recuar de suas posições radicalizadas, renunciar ao embate puramente corporativo e dispor-se ao diálogo;

– Limitar sua atuação aos papéis sociais constitucionalmente definidos: juízes julgam fatos, pessoas e teses e devem evitar-se manifestar fora dos autos dos processos; promotores e procuradores defendem as liberdades públicas e individuais e o devido processo legal. Já é o bastante;

– Ponderar que no atual momento, de profunda crise, a atividade legislativa deveria centrar esforços em temas de maior urgência, atinentes à recuperação da economia e viabilização do sistema de previdência social. Questões sensíveis à cidadania, tais como Código de Processo Penal, Código Comercial, medidas contra a corrupção, Estatuto da Família, abuso de autoridade são importantes mas não emergenciais, por isso não deveriam ser objeto de deliberação precipitada, sem maior debate público e técnico.”

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A iniciativa em si é pertinente e parte da premissa correta de que temos hoje uma “intensa campanha de desinformação em relação ao Direito que colabora para o descrédito das instituições e para o indesejado radicalismo”, que se propõe a combater, já que pede moderação e recuo em atitudes radicais e corporativas.

Mas é preciso ter em mente, com o devido respeito, que ao pedir renúncia “ao embate puramente corporativo” a AASP parece não vislumbrar os ataques cerrados ao Judiciário na grande mídia e por parte do Parlamento, mormente ao generalizar a noção de que são os juízes beneficiários de supersalários quando, na verdade, na massiva maioria das vezes os valores publicados referem-se a benefícios em atraso ou férias – e, seja como for, há todo um discurso de enfraquecimento do Judiciário, visando sem dúvida a enfraquecer o combate não só à corrupção, mas o combate a determinados políticos sobre os quais pesam indícios severos de falta de idoneidade há décadas com o dinheiro público. Não se trata apenas do âmbito da Lava-Jato, mas de enfraquecer quem só pode ter como arma o próprio Direito, sem no entanto possuir a manipulação da opinião pública, tantas vezes propensa a acreditar em tudo que lê ou ouve, mesmo desconhecendo o funcionamento real das instituições.

Erra também a bem intencionada carta ao dizer que juízes “julgam fatos, pessoas e teses”, pois juízes jamais julgam pessoas, simplesmente as consequências dos atos por elas praticados, de acordo com as previsões legais. Seria muita pretensão julgar pessoas, até porque no mais das vezes não estamos aptos nem sequer a autoavaliações seguras.
Por fim, quando a citada Carta escolhe os temas sobre os quais os parlamentares devem debruçar-se, apontando a previdência social e a economia, contradiz seu próprio discurso, ao defender que cabe aos advogados a defesa das liberdades públicas e individuais, além do devido processo legal (com o que se concorda). Não é função dos advogados priorizar a pauta legislativa ou agendá-la, sempre com o respeito devido a quem é, inegavelmente, essencial ao Estado Democrático de Direito. (foto acima: www.canaljustica.jor.br)

 

LEVADA 2CLÁUDIO ANTONIO SOARES LEVADA
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mestre/USP e Doutor/PUCSP em Direito Civil. Professor e Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Unianchieta. Professor da Pós-Graduação da PUCSP em Direito Civil. Diretor Jurídico da Associação Paulista dos Magistrados.